Aurélio Morais está no Futebol Clube de Gaia há 35 anos, 24 deles como presidente. Chegou lá pelo percurso habitual, era pai de duas atletas da ginástica artística, mas foi a paixão pelo clube, paixão essa que foi crescendo ano após ano, que o fez ficar mesmo quando as filhas já lá não estavam. Em 2021 termina mais um mandato e Aurélio Morais confessou-se cansado, quer sair. Precisa de mais tempo para a família e quer deixar entrar novas ideias e novos métodos para a direção do clube, ainda assim prontificou-se a ajudar no que puder e diz que vai estar cá para festejar cada vitória que o FC Gaia ainda vai conquistar.
Um clube, quatro modalidades (Andebol, Basquetebol, Ginástica e Futebol), uma gestão complicada. É preciso bater a muitas portas e nunca baixar os braços, é assim que o atual presidente do Futebol Clube de Gaia classifica o trabalho, até porque a posição elevada que certas modalidades conquistaram acarreta também outros gastos, mais elevados. E a Covid19 não veio ajudar! Aurélio não compreende o desporto sem competição na formação e muito menos os jogos sem público, afinal de contas afeta não só a dinâmica e ânimo da equipa, como faz balançar as contas do clube. Os sonhos esses dividem-se entre os quase impossíveis, como a aquisição de um espaço próprio para a modalidade do futebol; e os que poderão estar muito próximos de alcançar, como o revestimento exterior do pavilhão e ver jogar uma equipa sénior de futebol do FC Gaia, modalidade que ressurgiu no clube há nove anos.
Conte-me de que forma se envolveu com o Futebol Clube de Gaia e um pouco do seu percurso aqui até chegar à presidência.
Comecei no clube, no campo do dirigismo, em 1985, através da ligação que comecei a ter por causa das minhas filhas. As minhas filhas começaram a praticar ginástica, tinham elas uns seis ou sete anos. Eu tinha acabado de sair duma experiência de dirigismo no Futebol Clube do Porto, eu estive dois anos lá no departamento do andebol, com um diretor que era amigo e colega bancário. Saí do FC Porto, houve necessidade de reformular aqui o departamento de ginástica nessa época e eu estava cá com as minhas filhas, acabei por entrar. Fui, durante alguns anos, o responsável pelo departamento de ginástica, fazendo parte já da direção, primeiro como secretário e depois como vice-presidente, e estive à frente da ginástica desde 1985/86 até praticamente assumir a presidência do clube, que foi em 1996. Durante esse período em que fui responsável pela ginástica atingimos um grau elevado de competitividade, onde fizemos um percurso com muitos títulos nacionais, individuais, de atletas nossos. Foi um momento muito agradável e positivo para mim, porque quando se entra e se começa a desenvolver um trabalho e ele começa a dar frutos, não digo que fui eu sozinho que fiz isso, a secção tinha técnicos experientes, tivemos também um período em que um treinador húngaro também veio apoiar a Associação de Ginástica do Norte e começou a dar o seu apoio e experiência muito grande, e a partir daí os nossos atletas, com técnicos nosso e com o treinador húngaro, atingiram um trabalho muito positivo e para mim foi, realmente, um momento muito agradável.
Foi como se os resultados significassem um o bom trabalho que estavam a fazer, é isso?
É evidente. Não só o trabalho de retaguarda mas também o trabalho técnico que estava a ser feito. Mas isto é tudo uma questão muito de épocas. Naquele período também tínhamos um grupo de ginastas muito unidos, mesmo na retaguarda, com as próprias famílias, com os pais, era uma convivência muito grande. Havia uma competição em qualquer lado e íamos todos. Repare, a ginástica é uma modalidade que exige um espírito de sacrifício muito grande. Para atingirmos um grau elevado na ginástica artística, é preciso trabalhar muito. Naquele tempo e hoje, e vê-se pelo conhecimento que temos daquilo que nos chega dos Campeonatos do Mundo, Jogos Olímpicos e tudo isso, quando estamos a ver aquelas meninas magrinhas e pequeninas a fazerem coisas impossíveis, nascem com a habilidade, mas é preciso muito trabalho. Não é a treinar duas horas ou três por dia que se atinge isso.
Lá está, e numa fase inicial a família é muito importante…
Claro, porque tem de acompanhar. Eles chegam a determinado ponto e a vontade é de abandonar, de desistir, porque o esforço é demasiado. Eu tive uma filha que também atingiu um grau razoável, conseguiu um título nacional absoluto, mas foi um período deveras agradável para mim.
Depois, na direção, como cheguei à presidência…o presidente da altura, de 96, que era um amigo e um colega de profissão também, eu fui bancário, por variadíssimas razões teve de abandonar a presidência e eu era vice-presidente dele. Numa reunião de direção sobre quem fica e quem não fica, pronto, eu disse “fico eu”. Foi uma situação muito natural, não houve nenhuma tentativa de passar por cima de ninguém, por isso, em 1996 assumi a presidência, depois de vários anos de outras direções…e aqui estou, já lá vão 24 anos. O mandato termina no próximo ano, em 2021, e eu nessa altura já terei 71 anos e espero ficar por aqui. Neste momento, é isso que está em cima da mesa. Não sei o que vai acontecer para o ano e não quero deixar o clube pendurado de vontades que não surjam, mas, neste momento, é essa a minha vontade, são 35 anos ininterruptos. Não tive aqui uma paragem para descansar, não.
Em 1996 atingi a presidência naturalmente, algumas coisas aconteceram com o clube a partir desse momento, como a sua participação durante algumas épocas nas ligas de andebol e basquetebol. Momentos altos. Quando se atinge um momento alto e depois não há suporte, há o revés, e alguns anos foram tidos com muitas dificuldades. Hoje, conseguiu-se dar uma volta, não totalmente, ainda existem dificuldades dessa época, mas o clube ressurgiu, está a fazer-se um trabalho muito grande na formação e mesmo a nível sénior. O meu percurso no Gaia foi este.
O balanço é positivo?
O balanço é positivo. Repare, eu nunca me arrependo daquilo que faço, mesmo que as coisas não corram bem, porque se as coisas não correrem bem, não é por vontade própria. Nós tentamos fazer o melhor e tudo o que eu faço aqui é com paixão. Quando me agarro a um projeto, faço-o e acompanho-o com muita paixão, muita vontade e muito gosto, daí que me liguei demasiado ao clube, vivo demasiado o clube.
Acabo por abdicar de tempo familiar. Eu tenho netos e às vezes eles ficam em segundo plano. Familiarmente acusam-me disso. Eu se não estou em casa, estou aqui. A minha mulher já sabe onde me encontrar quando eu não estou em casa. Eu vivo demasiado o clube e digo-lhe que também sofro pressões porque não é fácil. Há momentos em que, financeiramente as coisas não são boas, nós passamos a vida a bater a portas, porque as receitas do clube, basicamente, são receitas do exterior, de terceiros e nós temos de as procurar. Patrocinadores, mecenas, mesmo outras ajudas institucionais, nós temos de trabalhar e temos de mostrar trabalho para que possamos obter essas ajudas. Elas não caem do céu. Não é só pedir, pedimos mas temos de mostrar trabalho.
E quanto mais alto o nível em que o clube está, e estou a pensar agora, por exemplo, no andebol que está na 1ª divisão, maiores são os custos também…
Maiores são os custos, mas maiores são também as ajudas. Até porque isto tem de ser equilibrado, não se pode gastar mais do que se recebe. Agora vão-nos dizer “ah, mas estão a receber mais dinheiro, já podem fazer isto ou aquilo”, não, nós estamos a receber mais dinheiro porque estamos numa competição que implica esses custos mais elevados. Implica muitas outras coisas…inscrições, arbitragens. É um custo elevado. Hoje, para se fazer um campeonato nacional da 1ª divisão, com todas as despesas inerentes, eu posso-lhe dizer que é muito difícil fazê-lo com menos de 100 mil euros. Há algumas equipas que têm jogadores profissionais, como um Benfica, Porto, Sporting, que são aquelas três equipas. Porque o Campeonato Nacional da 1ª divisão, eu vou dividir em duas zonas, a zona dos grandes, daqueles que estão a lutar por algo que é impensável neste momento para o FC Gaia, que são os títulos, as competições europeias e tudo isso; e o nosso nível, e no nosso nível não podemos pensar numa coisa dessas. Nós fazemos o nosso campeonato, tentamos fazer o melhor possível. Temos um treinador, como já tivemos o ano passado, de renome, é um treinador que só por si já é uma mais-valia, é um homem com carácter e com uma forma de trato de elevado nível e sabemos que ele apostou neste projeto, com uma equipa jovem, para trabalhar jovens. Ele sabe que está a trabalhar jovens e não profissionais, mas a preparação dele, aquilo que faz no Benfica, faz aqui, a exigência como técnico é a mesma, agora, a matéria-prima não é a mesma.
Mas hoje ainda estamos com problemas do passado, lentamente e paulatinamente vamos tentando resolver. Não como queremos ou como as pessoas querem, porque o clube tem credores ainda daquela época e nós não conseguimos resolver tudo de forma a que haja um milagre que caia do céu e dê para tudo. Tem de ser aos poucos, tem de haver paciência, por isso, toda essa situação que vem de trás. Quando terminamos com a passagem pela liga de andebol e pela liga de basquetebol, paramos por razões financeiras, porque houve uma crise económica no país, essa crise reflete-se nas empresas, nos municípios, reflete-se naquele segmento de pessoas que podem apoiar o clube e o desporto. O desporto é muito apoiado pelo segmento empresarial, se não fosse ele e os municípios… Se não fosse os municípios, não havia formação. O Estado diz que ajuda, ajuda, mas diretamente não ajuda ninguém. A ajuda para a formação dos clubes vem das entidades municipais. Neste país, eu pergunto, que formação é que faz o Porto, o Sporting, o Benfica e esses clubes? A formação é feita pelos clubes pequenos, pelos clubes da província. Perguntamos, de onde vem o Cristiano Ronaldo? Veio do Andorinhas, o Sporting apanhou-o lá e trouxe-o. E outros jogadores. São poucos aqueles que começam de pequeninos na formação desses clubes, e nós corremos esse risco também. Por isso, se não for os municípios, não há formação desportiva no país.
Isso já é visível? Ou seja, vêm buscar-vos os jogadores das modalidades?
É, em qualquer modalidade. E se não vêm diretamente, é através dos pais. Mostram a camisola aos pais e aos encarregados de educação, e a camisola de um clube grande tem um peso diferente da camisola de um clube pequeno. Por vezes, nós sabemos, porque a experiência também nos diz, que saem e, muitas vezes, depois de um ano ou dois, estão aqui de novo a bater à porta, porque é feita uma seleção muito grande. Esses clubes levam uma dúzia, para no futuro aproveitarem dois ou três, ou nem isso. A política desportiva dos clubes grandes é essa. A pujança económica, a pujança do nome. Isto, só para concluir, que a formação desportiva, e uma coisa que antes não existia mas que hoje tem de ser tida em conta, é o desporto enquanto complemento da educação. Conforme se paga o inglês, conforme se paga o ballet ou a música, a educação desportiva tem de ser paga, por isso, os pais pagam aos clubes a sua quota de praticante, é impensável outra coisa. Há custos de arbitragem, treinadores, há imensas despesas e as únicas receitas ordinárias que o clube tem, são os sócios. Tudo o resto, eu considero receitas correntes extraordinárias, temos de as procurar. Nós quando atribuímos um valor a uma quota de praticante tem a ver com o custo da própria equipa, o custo corrente dessa modalidade e do escalão em si. O clube não está aqui para ganhar dinheiro, o clube não é uma instituição lucrativa, é uma instituição sem fins lucrativos, por isso, o que nós queremos é que as receitas sejam suficientes para cobrir os custos. A formação paga essa verba, que ajuda. Posso-lhe dizer que vamos apresentar contas em breve da época passada, e a comparticipação dos pais na formação corresponde em termos de receitas globais do clube, a cerca de 40%. É muito importante. A formação é paga pelos pais e com a ajuda dos municípios. Os municípios apoiam a formação, ajudam nas infraestruturas, este pavilhão foi reabilitado com a ajuda do município. O município, na formação, apoia as inscrições nas diversas associações, até determinado limite por escalão…se nós tivermos cinquenta atletas num escalão, o município não vai pagar a inscrição de cinquenta atletas. O município estipula um limite de atletas por escalão. Há muitos clubes, o município tem de subsidiar, desportivas, não sei se são 60 e tal, para além de toda a atividade cultural e recreativa que existe por aí. E depois cada clube, como é o exemplo do FC Gaia, tem quatro modalidades. Fala-se muito no Gaia, o Gaia, porque, comparativamente com um clube que tem uma modalidade, o Gaia tem quatro: o andebol, o basquetebol, a ginástica e o futebol.
O futebol que ressurgiu…
Ressurgiu em 2011, por isso, há nove anos.
Deixe-me perguntar-lhe, sentia-se de alguma maneira culpado por não haver a modalidade do futebol uma vez que o próprio nome indica a modalidade?
Para falarmos disso temos de voltar 110 anos atrás. O clube nasceu com o futebol. Foi a primeira associação desportiva a ser constituída em Vila Nova de Gaia, em 1908, aqui na zona da Serra do Pilar, por um grupo de jovens, naquela altura. Temos de pensar que, naquele momento, foram jovens de 18 anos, que andavam a estudar, e juntaram-se para criar uma equipa com a qual pudessem confrontar-se com as que já existiam do outro lado. Já existia do outro lado o FC Porto, o Boavista, o Salgueiros e por aí fora. O Futebol Clube de Gaia foi então constituído por esses jovens que se juntaram, se reuniram e formaram o clube. Utilizaram o primeiro campo na antiga praça de touros, que muita gente que não sabe, mas havia uma praça de touros na Serra do Pilar, e o primeiro campo do Gaia foi o redondel. Eles aproveitaram esse espaço, limparam-no, fizeram daquilo um retângulo, preparam e foi ali o primeiro campo do FC Gaia em 1908. O clube nasceu com o futebol. Deixou o futebol na década de 50, em 53/54, já neste espaço. O Gaia esteve na Serra do Pilar até meados de 20 e depois, isto era tudo um terreno, um terreno bem grande que ia quase até à avenida, e era conhecido por, depois foi Parque João de Deus, nós temos fotografias desse parque, e o clube alugou esse terreno e criou o Parque de Jogos João de Deus. Durante esses anos praticou futebol, hóquei em campo, andebol de onze, não havia o andebol de sete na altura, e depois, neste bocado onde nós estamos [atual pavilhão FC Gaia], havia um campo de basquetebol, de terra batida, onde se praticava também o ténis. Chegou-se a praticar atletismo, o clube foi um baluarte de atletismo nos anos 30, temos atletas que tiveram recordes que ainda só à pouco tempo foram batidos. O Futebol Clube de Gaia esteve então neste espaço até aos anos 50, quando surgiu um projeto imobiliário, que é este bairro, que foi apresentado ao senhorio. O clube naquela altura, contam as pessoas do momento, não tinha capacidade para adquirir o terreno, para ombrear com o projeto de compra de uma entidade imobiliária, por isso, teve de abandonar.
Mas ficou com este cantinho…
Depois de muita luta. Eu estou convencido que se fosse no tempo de hoje, o Futebol Clube de Gaia não perdia este espaço. Não acredito que o município deixasse que um clube desaparecesse com uma modalidade, pelo facto de ter de abandonar por causa dum projeto imobiliário. Arranjaria soluções. Os tempos eram outros. Eu sei, e falo porque conheço as pessoas, e sei que não é fácil, mas o atual município não deixaria que um clube deixasse de praticar futebol depois de trinta ou quarenta anos, só por não ter terreno. Arranjava soluções. O Gaia teve de abandonar o terreno. Ainda esteve a jogar ali no antigo campo da CUF, onde está hoje o Hotel Holiday Inn, eu era um jovem na altura, também ainda lá andei enquanto estudava na Escola Comercial, estamos a falar dos anos 50 e 60. Depois teve mesmo de acabar com o futebol. Acabou com o futebol e, a partir daí, os diretores da altura, junto do município e do empreiteiro, tentaram segurar, pelo menos, um espaço que permitisse as modalidades de pavilhão, na altura não havia pavilhão, mas de ringue. Foi aí que, a câmara e o empreiteiro cederam ao FC Gaia uma faixa de terreno de três mil metros quadrados, que na altura estava para ser dado ao domínio público, e houve uma doação ao clube do terreno onde estamos neste momento. Por isso, a partir do final da década de 50, já havia o ringue e recomeçou-se com as atividades com basket, andebol. Mas foi aí que se perdeu o futebol. O futebol perdeu-se, mas não por vontade própria, teve de ser, não havia soluções.
E estando na presidência há tantos anos, era uma vontade sua, reativar essa modalidade?
Era uma vontade mas sempre limitada aos espaços. Porque para recomeçar com o futebol, à partida tem de se encontrar um espaço onde a modalidade possa ser praticada. Surgiu então em 2011 a vontade de alguns pais, que se dirigiram ao clube quando uma escola municipal de futebol que funcionava em Canelas fechou também devido à crise. Essa escola de futebol fechou e houve uns pais que vieram até ao clube, alguns conhecidos, propuseram o projeto e o clube aceitou. Foi, se calhar, a forma de nós, não diretamente, mas de forma indireta, termos o apoio exterior para avançarmos com isso. Recomeçamos no futebol, na altura com 30 miúdos. Começamos a utilizar aqui o sintético do Colégio de Gaia, por isso, durante uns anos, foi o nosso campo, com a anuência da direção do colégio, com quem sempre tivemos boas relações, até que surgiu a possibilidade de treinarmos no Estádio Municipal, e neste momento somos um dos clubes residentes do Estádio, ali na Lavanderia. Não é suficiente, porque hoje o Gaia tem vários escalões, tem 130 miúdos a praticar futebol, distribuídos por escalões, uns de futebol de sete e outros de futebol de onze. Neste momento o estádio até está em obras e é uma trapalhada, uma confusão terrível, porque há mesmo vontade de alguns de procurarem uma estabilidade maior, outras condições de treino e isso. Não é que nós não tivéssemos condições estáveis, é que as obras estão a prolongar-se e acabam por dificultar. Mas o regresso do futebol foi devido a essa vontade de uma dúzia de pessoas que se dirigiu ao clube e que nós aceitamos. Eu posso dizer que fui um dos que me bati e defendi a entrada do futebol. Não estou arrependido, há quem diga “ah, o Gaia veio para o futebol”, o Gaia apenas retomou a modalidade que o fundou. Foi o primeiro. Não havia nada em Gaia e já o FC Gaia tinha futebol, daí o nome.
Acaba por funcionar como uma pequena homenagem a quem criou este clube?
Sem dúvida que sim. E eu não estou arrependido de ter forçado essa situação. É uma modalidade que devido às condições de treino, como eu falei, traz algumas preocupações, porque estamos a jogar num espaço que é repartido com outros, que estão na mesma situação, mas independentemente disso tudo, foi em boa hora. E não sabemos o dia de amanhã, o mundo dá tantas voltas, que o dia de amanhã poderá criar a possibilidade do clube também ter um espaço, nunca se sabe.
A modalidade do futebol, ainda não está a nível sénior. Neste momento, o escalão máximo que estamos a praticar é o sub19, que são juniores. Nem vai ser na próxima época, porque o escalão sub19 ainda está a ser feito pelos sub17 e sub18, por isso ainda vai haver uma continuidade. Ainda não temos um grupo para ser totalmente sénior no próximo ano. Daqui por dois anos sim. Se os atuais sub19 se mantiverem, poderemos então entrar na terceira divisão distrital, que é por aí que se começa. Se não for comigo, eu espero que os vindouros dêem continuidade ao trabalho, porque é como lhe tenho dito, todo este trabalho é feito com paixão e custa muito ver as coisas, de um momento para o outro, desaparecerem. Tudo que é feito com paixão, com gosto e com vontade de muita gente, é para manter. Claro que não sabemos o dia de amanhã, tanto pode ser muito bom como muito mau, mas isso é como tudo na vida. Portanto, o futebol, no que depender de mim é para ficar mas tem de ter ajudas, como tudo. Ainda é um projeto recente, é um recomeço, ninguém consegue constituir uma equipa que vá disputar uma competição assim caída do céu, as coisas têm de ser trabalhadas, arquitetadas.
O futebol não tem lugar aqui e a ginástica está dividida entre dois pavilhões. Como funciona?
Aqui, no pavilhão do FC Gaia, está a funcionar a área de competição. Apenas feminino. Temos aqui o nosso ginásio equipado apenas para o feminino e neste momento todas aquelas atletas que já estão numa fase pré-competitiva ou competitiva, trabalham aqui. Lá em baixo, no Pavilhão das Pedras, o equipamento é nosso também, estamos lá com a colaboração do município. É o espaço da formação e da manutenção, tudo a nível de ginástica artística. Há manutenção, há pessoas já com mais idade, antigos atletas e assim, e treinam lá para manter o seu trabalho. Apenas ginástica artística, não estamos a falar de aeróbica nem nada disso, dedicamo-nos apenas à ginástica artística. O ginásio das Pedras é onde todos começam…e onde acabam, deixando a competição, querem continuar a praticar a modalidade, vão para lá. Estamos divididos por essas duas áreas.
Quantas atletas tem?
Na ginástica, serão cerca de 150. Depois, se estivermos a falar das quatro modalidades, ronda os 700 atletas. Nós fechamos as portas, por causa do Covid, em meados de março com cerca de 800 atletas inscritos. Recomeçamos, não com esse número, porque há atletas das várias modalidades que ainda não começaram, primeiro pelos horários escolares, depois com receio da pandemia, variadíssimas razões.
O facto da formação não ter competição, acaba por influenciar também essa diminuição?
Desmotiva imenso. Qualquer prática desportiva é competitiva. O que é que os miúdos vêem no desporto? É competição. Todos nós gostamos de competição, seja no que for. Agora, praticar desporto, andebol, basquetebol ou seja o que for, com distanciamento de dois ou três metros? Não brinquemos! Mais vale dizer “não há”. Porque agora vamos convencer a miudagem a fazer um treino de andebol praticamente individual. Mas um treino técnico individual já é algo programado pelos treinadores. Os treinadores também, durante o seu planeamento de treino, também têm essa vertente de técnica individual, mas diferente desta. E mesmo assim, não pode ser só isto, isto não é nada. Dizer, “sim senhor, autorizamos e está aberta a formação desportiva para trabalhar individualmente de três em três metros”…há faixas etárias que nem percebem esta situação. Eu tenho dois netos que estão no futebol, e eles querem é competição, é jogar. Tem de haver aquela “pica”. Os miúdos até vêm, fazem uns lançamentos, mas… é uma razão de desmotivação.
Isto é conhecido no país, a miudagem está a abandonar a prática desportiva. Há muitos miúdos a abandonarem a prática desportiva por não haver nada. Desporto sem competição, esqueçam! E quanto mais tarde vier a autorização para a competição, menos atletas vamos ter. Eu estou convencido que daqui a alguns anos, isto é um ano perdido, daqui por uns anos vamos querer atletas para competições de algum nível, e vai haver aqui um espaço que não os tem. É um ano perdido. Eu percebo o receio das entidades responsáveis pela saúde, mas nós também temos que ver…já viu a saída dos miúdos numa escola? Eles saem aos magotes. Veja o que está a acontecer. Educação Física nas escolas, está a ser dada? O desporto faz parte da educação duma pessoa. O desporto é uma escola de vida, nessa frase está tudo dito. Dito isto, há que ajudar e facilitar a prática desportiva. É para a saúde e, muitas vezes, no aspeto da convivência e tudo isso. Só traz vantagens e cria um espírito de grupo com os colegas, isso é fundamental. Agora, o que está a acontecer a nível desportivo e das portas abertas à formação, é uma ilusão. O que os miúdos estão aqui a fazer? Vão pegar na bola e lançar ao cesto sozinhos? Isso é bom para as modalidades individuais, a ginástica por exemplo. A ginástica artística foi sempre autorizada, porque cada uma está no seu aparelho, estão distanciadas, mas eles não andam distanciados cá fora, não estão distanciados nas escolas. É tudo uma ilusão. Entendo que as pessoas querem fazer o melhor, mas o melhor, por vezes, não é na realidade aquilo que se pensa. Vai haver uma situação prejudicial para a saúde e para a estabilidade dos jovens, porque o tempo que estão parados acaba por os atrofiar. Mais tempo em casa, dedicam-se mais às redes sociais…hoje vamos ver um jovem e o que está ele a fazer? Ou está a praticar desporto ou tem um telemóvel na mão, ou um computador, ou uma playstation. Há que facilitar e permitir que a prática desportiva seja uma realidade, que não é.
Estes meses de paragem fizeram-se sentir agora também no arranque da nova época com o seniores? Eles vinham menos habituados ao ritmo?
Obviamente. Os treinos começaram mais cedo, porque a preparação teve de ser diferente. Muitos tinham possibilidade individual de continuar a fazer a sua preparação em casa, com máquinas e assim, mas muito limitada. Houve uma paragem para as equipas seniores de março até agosto, claro que isto sente-se, em qualquer atleta. O espaço de treino na preparação teve de começar mais cedo…assim como o facto de não haver público nos espaços, essa é outra situação que não se entende. Nós podemos ir a uma tourada, podemos ir ao cinema, podemos ir a um concerto, podemos ver muita coisa, mas desporto não podemos ver. Depois há políticos que dizem que a reação das pessoas no desporto é diferente, até parecemos malfeitores. O pavilhão tem uma lotação de 600 lugares, se um quarto tiver ocupado, distanciado, porque isso não é difícil de fazer. Há uma numeração, qualquer estádio tem uma numeração e os bilhetes são vendidos para aquele lugar e as pessoas já não são crianças. Agora, a forma como estão a falar do desporto, dá a entender que os adeptos do desporto são malfeitores ou são selvagens, não sei.
Uma das justificações para a falar de público neste momento é por existirem comemorações entre adeptos que levam a abraços, por exemplo.
Por amor de Deus. As pessoas hoje já estão preparadas para aquilo que está a acontecer. Não é entendível. Assim não se vive o desporto da mesma maneira. Ter público, ainda que seja pouco, é totalmente diferente do que não ter. Há sempre aquele ambiente de bancada que acaba por incentivar os próprios jogadores. E depois há outra questão que se esqueceram. O desporto, neste momento, ainda não teve um tostão de apoio durante o período pandémico. Não houve um tostão de apoio. Temos aqui alguns painéis publicitários, em que vamos bater à porta para renovarem, porque nós precisamos de dinheiro para viver, e eles perguntam “já há público?”, e nós “não”, e eles “então para que tenho lá isso?”. Não é visto, não pagam. Não entendem que a meia dúzia de situações que ainda estão, e são mesmo meia dúzia, são empresas grandes que o fazem porque apoiam o desporto e são coisas de outra natureza, agora há empresas e apoios regionais, da cidade, um cabeleireiro ou um restaurante, que estão aqui para que as pessoas entrem e vejam, ora, se não é visto, não há pelo que pagar. Mas as entidades estão a borrifar-se para isso. Querem lá saber se o clube precisa ou não de dinheiro. O facto de ter as portas fechadas, impede também de receber apoios. Essas entradas de publicidade são apoios que o clube tem para a sua atividade corrente. Estas instalações custam, por mês, entre 2500 a 3000 euros, independentemente da parte desportiva. Tem de se procurar meios para isso. Nós neste momento, estamos com seis ou sete meses do período pandémico, em que durante alguns meses, porque eu falo não só do Gaia, mas em todas as coletividades, estiveram fechadas, não houve receitas, mas as despesas mantiveram-se. Estas instalações tiveram de ter limpeza, tiveram de ter desinfeção, tiveram manutenção, tiveram despesas de água e de luz, os compromissos com os avençados, a contabilidade, a informática, com a parte jurídica, todas essas despesas se mantiveram. E receitas? Não houve. A situação do Gaia é idêntica à de todas, ou a maioria das coletividades, que tendo as portas fechadas não têm receitas, mas têm despesas. Eu estou convencido que muitos não chegaram a abrir e outros para abrirem, alguém teve de pagar despesas, as dívidas. O Futebol Clube de Gaia teve de fazer um plano de pagamento com a Iberdrola, porque chegamos a março e é com as receitas de março e abril que pagamos as despesas de fevereiro, é assim que as coisas funcionam. Não dá para se fazer uma gestão financeira de reservar dinheiro, o dia-a-dia é fundamental, e por isso nós tivemos de fazer planos, tivemos de pedir ao empreiteiro para ter paciência e esperar porque não tivemos as receitas que prevíamos. Isto é feito com previsões, qualquer orçamento é feito com base em previsões. Se as previsões de receitas não são cumpridas, nós ficamos numa situação terrível. A situação da maioria das coletividades deste país, e eu tenho conhecimento disso porque também estou ligado à Federação das Coletividades de Vila Nova de Gaia e temos muitos contactos com a Confederação Nacional, e sabemos que há dezenas de milhares de coletividades que praticam o desporto, a cultura, o teatro e tudo isso, que estão numa situação terrível e dramática, porque durante X meses não houve apoio de ninguém, fundamentalmente do Estado que ajudou muita gente mas não houve um cêntimo que fosse dedicado a tapar buracos desta natureza, e quando dizem que sim, que vão fazê-lo, é com aquelas complicações e burocracias que nunca mais… Aqui em Vila Nova de Gaia, eu estive em algumas reuniões que o Sr. Presidente fez pelas várias juntas de freguesia, onde veio tomar conhecimento quase direto das dificuldades que existiam na altura, e ele próprio mostrou vontade e abertura de, logo que o município também tivesse condições para isso, ajudar as coletividades com apoio para a fase pandémica, independentemente de todos os outros apoios que naturalmente já existiam. Eu ouvi, e todos nós dirigentes associativos ouvimos essa vontade. Não sei se a vontade vai ser materializada, mas notei, por parte do presidente, essa compreensão e preocupação. Nós dirigentes ainda conversamos uns com os outros e perguntamo-nos “será que vai acontecer? Eu tenho isto para pagar e aquilo”. Nós estamos esperançados. O presidente da câmara normalmente quando promete…e eu tenho essa experiência muito positiva no clube, não tenho nada a dizer relativamente às promessas dele, tem cumprido, e daí estarmos esperançados que o Município de Gaia, logo que tenha essa possibilidade, ajude. Não digo que ao Gaia, mas em termos globais. Aquele período de confinamento foi péssimo para as coletividades.
Mas agora há um perigo iminente de que se possa repetir…
Eu não acredito que fechem, porque se fecham novamente o país, isto economicamente estoura. Eu estou convencido, e falo por mim que sou uma pessoa de risco, apesar não só da idade mas também de problemas de saúde, tenho de me preservar e procuro preservar-me, mas nós vamos ter de aprender a viver com isto enquanto não houver uma vacina. A vida não pode parar. Agora, fechar o país outra vez é catastrófico para tudo, daí estarmos esperançados e essas ajudam venham e nos ajudem a colmatar as brechas que surgiram naqueles três ou quatro meses que estivemos fechados e também para o momento atual. Vêm dizer-nos “ah, mas vocês têm uma equipa na 1ª divisão de andebol”…não sabem o sacrifício que os dirigentes fazem para conseguir manter isso. A subida trouxe um aumento nos custos. Podem dizer que recebemos mais dinheiro, claro, porque estamos lá, porque se sairmos, quem nos ajuda deixa de nos ajudar, porque perde a visibilidade. O Gaia é mais visível neste momento e por isso tem mais apoios, os apoios são dados consoante essa visibilidade, tanto a nível de patrocínios, quer a nível de empresas que de uma forma ou outra nos ajudam. Agora existe mais cobertura televisiva, e se não tivermos no topo é diferente. O ano passado tivemos um jogo com o Sporting, que acabou por não se realizar porque o adversário entendeu que havia humidade aqui dentro, este espaço não chegava para a assistência. Ligar a televisão e ver o pavilhão do Gaia a rebentar pelas costuras, para quem ajuda, é um incentivo.
Nós temos aqui patrocínios, publicidade, que também veio com o intuito de ser visível, de ser mostrada. E só é mostrada se tivermos no topo. Falo por exemplo de um Ramirez, General, uma marca nacional, uma empresa que apoia o Benfica. Isto funciona enquanto estamos cá em cima, os apoios são dados consoante a visibilidade do clube. Não podem só dizer que o clube hoje recebe mais dinheiro porque está na primeira divisão, recebe mas também gasta. Recebe aquilo que precisa, menos até.
E esta falha nas receitas durante meses, refletiu-se no arranque da nova época, no que diz respeito a contratações, por exemplo?
Foi visível. Houve imensa dificuldade em conseguir o mínimo para arrancar com uma época.
Saíram jogadores do andebol, foram para outros projetos e o clube procurou mas com esta contenção e com base em jogadores jovens. Nós temos uma equipa muito jovem, com jogadores, alguns deles cedidos pelo FC Porto, mas não estamos a falar de jogadores com vencimento, profissionais nem nada disso. Quase todos eles são estudantes. Quando falamos numa equipa jovem, uma equipa que é constituída por 16/17 elementos, dois terços deles são estudantes, por isso, é este o trabalho que o próprio treinador encarou com gosto e com prazer, trabalhar uma equipa jovem como é a do Gaia, com jogadores com 17/18 anos. Claro que também tem misturada alguma experiência. Temos cá o capitão que está cá há 20 anos. O Pedro neste momento é o atleta mais antigo do Futebol Clube de Gaia, tem 30 ou 31 anos e está cá há 20, essa experiência vai sendo granjeada. Ele é um líder. É um incentivador nato, não só para a bancada, como para os próprios colegas, para tudo, é aquele elemento que é necessário numa equipa, é positivo em todos os aspetos. É um moço alegre, cheio de vida, com uma vontade de defender esta camisola até ao máximo das suas possibilidades. Ele tem uma profissão mas joga andebol por amor, por paixão. É esta palavra que eu uso muito, a paixão naquilo que fazemos, quando falamos numa paixão estamos a pôr de lado tudo o resto, ele tem uma paixão pelo andebol, tem uma paixão pelo clube. Quando se fala numa paixão, arranja-se tempo para tudo. É isso que ele tem, ele, o irmão, e todo um grupo de atletas que temos cá que dão tudo, são família, já têm a mística desta casa.
Esta localização peculiar também torna o Gaia mais acolhedor? Mais próximo das pessoas?
Sim, está aqui no meio das pessoas. Às vezes é prejudicial esta localização. A nível de estacionamento, é absolutamente terrível. Mas está no centro, no coração da cidade. Está próximo da Avenida, está próximo do município. Um pouco escondido, debaixo de um túnel, mas é um clube que quem por cá passa, guarda sempre um cantinho no seu coração e quando fala do Gaia fala com alguma alegria.
Este ano acabou por não se realizar o HandGaia. Para o ano, vai voltar?
O HandGaia, que é o torneio mais mediático, mas ele e todos os torneios do FC Gaia vão regressar. Foi uma pausa obrigada. O HandGaia não se realizou porque não se pode realizar, até porque o percurso já estava em andamento e já estava tudo planeado. Suspendemos o HandGaia em março, ele ia ser realizado em abril, na altura da Páscoa. Foi quando o país parou, e não só, o torneio tem equipas convidadas de alguns países da Europa, e elas pelas mesmas razões, não se podiam deslocar até cá. Mas no que depender de nós, para o ano temos HandGaia, como todos os outros torneios. São torneios de promoção à cidade, de promoção ao clube, às modalidades. O clube e a cidade só têm a ganhar com a realização de qualquer torneio. Quando organizamos torneios desta natureza, estamos a falar de jovens, e tudo o que se faz para a juventude é positivo, movimenta muita gente. Os jovens são o nosso futuro e os jovens do desporto são diferentes, vão com outra mentalidade do que é o coletivo, do que é a vida, porque a prática desportiva. Eu vou terminar com aquela frase: A prática desportiva é uma escola de vida.
Falávamos há pouco, mas eu quis deixar este assunto agora mais para o final, da sua possível saída. Está cansado ou quer dar espaço a pessoas e ideias novas?
Hoje em dia, há projetos e há formas de liderança e gestão mais atualizadas e modernas, e também é o facto de haver um certo cansaço. Há cansaço. Eu já não consigo acompanhar as novas tecnologias que funcionam na vida desportiva, na vida empresarial, isto é uma empresa, apesar de ser da área desportiva, acaba por ser uma pequena empresa, e eu já não consigo acompanhar esse campo. Há situações de saúde que também já não me deixam à vontade, começo a ter problemas auditivos, canso-me com muita facilidade. Vivo demasiado isto, quer nas situações negativas que me abalam, quer nas situações positivas, preciso mesmo de descansar. São 35 anos. Eu entrei com as minhas filhas mas, depois, continuei sempre. Uma, infelizmente já não está entre nós, mas ela viveu esta casa até aos últimos dias e, por isso, há ligações afetivas ao clube.
O que eu não quero é estar numa posição de gestão e assim porque acho que devo dar lugar aos novos. É esta a minha vontade e eu tenho transmitido-a. Eu quero continuar a apoiar o projeto do lado de fora, continuar a fazer isto e aquilo, no que eu puder, mas não me peçam para continuar a ser o gestor do clube, porque isso, já me queria livrar. São as ligações com toda a gente, não é só com as instâncias autárquicas, é com tudo. O Aurélio Morais está sempre e começa a haver uma saturação da minha pessoa, porque da forma como eu vivo isto, acabo por ser chato. Estou sempre a pedir ajudar a este, a pedir ajuda àquele, sempre na tentativa de conseguir o melhor para o clube. Depois dizem-me “pensem nos outros”, eu penso nos outros, mas sou presidente é do Futebol Clube de Gaia e como presidente tenho de defender os interesses do clube, é este o meu papel, e vivo demasiado isto. Como não tenho mais nenhuma atividade, a não ser a minha família, sou um bancário reformado, estou a concentrar a minha vida no clube. Estou sempre disponível, para quando me pedem, quando me chamam, quando é preciso ir aqui ou acolá, eu estou sempre disponível. E também estou sempre disponível para pegar no telefone e ligar para aqueles que ajudam, e sei que do outro lado da linha muitas vezes pensam “outra vez este fulano?”.
Agora que mostra essa vontade de sair…acredita que há pessoas para seguir este caminho?
Vai ter de haver. Porque não um dos meus vice-presidentes? E se não forem eles, outras pessoas, mais jovens. Eu vejo que as pessoas que estão dentro do clube, assim, mais idosas vá, não digo velhas, menos jovens e com experiência já começam a ver que isto é um barco grande. Independentemente de ser um clube amador, é um barco grande, atendendo à sua atividade desportiva e aos patamares que atingiu, é preciso continuar a trabalhar, continuar a procurar, continuar a ser aborrecido e chato. Só conseguimos alguma coisa para o clube assim, se aparecermos, se pedirmos, se chatearmos, porque se não ninguém nos vem dar nada sem nós pedirmos. Temos de andar lá…e eu sinto que já ando lá há muitos anos. Tem de haver gente nova, com outras ideias e é isso que eu tento incutir nos gaienses, no dirigismo do clube, que podem contar comigo para os ajudar a fazer seja o que for, mesmo que seja algo administrativo, como ir aos bancos, para eu me entreter, mas não me peçam para decidir. Posso ficar num órgão que não seja de decisão, de gestão, nem que tenha de dar o nome mais uma vez, eu sinto que começa a ser aborrecido para mim. Ou é por causa dos pavilhões, porque não temos espaços de treino suficientes e temos que andar a pedir ao município e às escolas, uns de forma graciosa, como os municipais, outros que temos de pagar…mas tudo isto envolve muita logística. O Gaia em andebol e basquetebol tem, em todos os escalões, vinte equipas, vinte equipas a treinar no mínimo três vezes por semana, e treinos de hora e meia, porque treinos de uma hora, isso são brincadeira, não dá para nada. Toda a gente que está em distribuição de espaços tem de se convencer que um período de treino inferior a 90 minutos, não é suficiente. Esse treino acaba por ser de uma hora, por variadíssimas razões, seja em que modalidade for. Ainda hoje faço contactos com a autarquia e com pavilhões privados, para que todas as nossas equipas treinam pelo menos três dias por semana, porque os miúdos saem da escola às seis hora, não podem treinar antes das seis, seis e meia. E não vamos colocar miúdos de dez e doze anos a treinar às oito ou nove da noite. Por isso, nós temos de procurar e isso é uma fase aborrecida da minha parte, é andar a chatear, e uso esse termo porque sei que muitas vezes as pessoas que estão do outro lado do telefone, se não fazem melhor é porque não podem, mas eu não posso parar, porque tenho de ajudar o clube. Quando falo nos pavilhões, falo também nas questões financeiras, falo em toda a logística que esta casa precisa. Até na reabilitação do pavilhão, o sr. presidente da câmara teve a noção de que isto estava mesmo muito mau, a nível de telhado, de pavimento, e o município entendeu que devia reabilitar. Foi reabilitado mas ainda não totalmente e é um trabalho que vai massando, porque estamos constantemente a criar oportunidades. O pavilhão já está muito bom, com a ajuda do município, mas há sempre o que fazer, mas para ficar de cara lavada, é a parte exterior…e mais uma vez, lá está o Aurélio Morais a bater aí às portas.
Sr. presidente, dentro ou fora da direção do clube, quais são os sonhos que tem para o Futebol Clube de Gaia?
Os sonhos que eu tenho, em termos de modalidades desportivas, é que elas estejam o mais no topo possível. Nós somos uma casa desportiva, e uma casa desportiva quer que o seu produto esteja no topo, é para isso que competimos,é para isso que trabalhamos. Nós estamos a trabalhar para que os nossos jovens e as nossas equipas conquistem determinado patamar, mas para atingir um determinado patamar também precisa de um patamar equilibrado de ajudas, financeiras, logísticas ou de outra natureza. Quanto maior o patamar, maiores as exigências, e temos de ter um equilíbrio. O sonho que tenho para o clube, é isto, é ver as modalidades no topo, é ver o futebol, espero ter saúde para conseguir ver o futebol com uma equipa sénior. Não digo ainda comigo aqui, mas como adepto, gostava de ver o FC Gaia a disputar, mesmo que na terceira divisão distrital, mas retomar as origens. Isto é que é o sonho, que ao fim de anos, o Gaia possa ter uma equipa sénior de futebol.
Uma possível vitória do campeonato, contra um dos três grandes, ainda que pareça inalcançável, é sempre aquele sonho escondido?
Ganhar a um dos três grandes é sempre um prazer, para qualquer atleta. Eu posso ser portista, benfiquista ou sportinguista, mas quando estou a jogar contra eles, sou Gaia. Até nos jovens…quando ganhamos ao FC Porto, para mim, é um êxito, é uma vitória diferente. Ganhar a um grande é uma vitória diferente. Nós estamos a competir com eles, mesmo a nível de formação, em andebol sénior estamos na primeira divisão, nos juvenis também, em termos de basquetebol o quadro competitivo é diferente, mas jogamos com os grandes e batemo-nos. Os grandes não nos ganham sempre, damos luta ao FC Porto.
É como lhe digo, nas modalidades é estar sempre o mais alto possível. No futebol, que é a modalidade que retomamos, tenho o sonho e gostava de ainda poder assistir a um jogo em que o FC Gaia aparecesse com uma equipa sénior. Queria poder dizer que ainda consegui ver o ressurgir do futebol no clube, e saber que participei nele. A nível estrutural, gostava de ver o pavilhão totalmente reabilitado. Porque não o sonho de ter um espaço para o futebol? Não é fácil. É mesmo muito difícil. Isso só seria possível com uma cedência do município, o clube não tem qualquer capacidade.
Em resumo, os meus grandes sonhos depois de 35 anos ligado ao FC Gaia, onde desempenhei o meu papel com paixão, sempre com gosto, colocando isto, muitas vezes, em primeiro lugar comparado com a família, e depois de sair, é ver continuar a crescer o clube, que o trabalho possa ter uma continuidade e, cada vez mais, ver esta casa com a sua vida desportiva no topo. Em termos de instalações, em termos desportivos, em tudo, era poder que o FC Gaia pudesse um dia ombrear a outro nível, lá está, estamos a falar em sonhos, não em realidades…mas alguns sonhos que estou a transmitir são fáceis de se tornar realidade, como ver o pavilhão revestido ou uma equipa sénior de futebol. Posso terminar dizendo que o meu maior prazer, se a vida me permitir, é sair com o clube num estado melhor do que o encontrei verificar que quem dá continuidade tem essa vontade de continuar com o clube, com o projeto e com o trabalho desenvolvido até agora. Não é entrar e acabar com modalidades, isso não é dar continuidade ao futuro. Quando falo em continuidade no futuro, é o que temos e, se possível, alargar e crescer.
Se sair, sai com o sentimento de missão cumprida?
Saio com o sentimento de missão cumprida e nada arrependido daquilo que fiz, mesmo sabendo que algumas coisas não correram bem. Não foi por culpa própria, faz parte da tentativa. Não foi de uma forma leviana que nós fizemos algo que não corresse bem, nunca me podem acusar de fazer as coisas de forma leviana. Nós quando avançamos com algo é porque há suporte para ela, agora, muitas vezes há suporte naquele momento e de um momento para o outro esse suporte é cortado. Mas foram ponderadas e sempre na base do projeto…depois, houve cortes por questões quer financeiras, quer empresariais, quer municipais, e as coisas acabaram por não correr tão bem. Foi no meu mandato, foi, mas foi porque o projeto assim estava preparado, havia condições para isso. Não é a balançar-nos para uma competição europeia sem, naquele momento, ter as condições ideais. Tudo o que foi feito aqui foi de forma segura e pensada. Correu mal? Por variadíssimas razões, que nos passam ao lado. Correu mal mas ainda cá estamos, não correu mal e abalamos. Tenho a consciência de que tive nos projetos, não correram tão bem por razões variadas que nos passaram ao lado mas cá ficamos para dar a volta, volta essa que foi dada, não totalmente ainda, eu ainda tenho esperança que até ao final do mandato essa volta possa ser dada na totalidade. Há dívidas? Se podem ser resolvidas neste curto espaço de tempo? Lá está, mais um sonho… Nunca dissemos a ninguém que não pagavamos, agora, as pessoas têm de perceber que não se atinge o céu num dia. As contas do clube têm mostrado que esse défice tem baixado, agora, o dinheiro só entra se tivermos atividade desportiva; se tivermos atividade desportiva temos custos, vamos sempre tentando diminuir…porque se pegarmos no dinheiro da atividade desportiva e o desviarmos para pagar as dívidas, onde está a atividade? Tem de ser feito de forma paulatina.
É isto que tenho a dizer, vivo o clube com paixão, saio do clube com a consciência tranquila de que o que foi feito foi positivo e o que foi menos bom, foi devido a situações que nos ultrapassaram e fazem parte do percurso, até na vida.