“DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E BEM-ESTAR SOCIAL DA REGIÃO” PASSA PELA UAC

Em 2014 João Luís Gaspar aceitou a hipótese já antes lhe colocada para candidatar-se a Reitor da Universidade dos Açores. A atravessar um período financeiro e administrativo conturbado, foi necessário reunir esforços para poder liderar a Academia açoriana desde então. Em tempo de pandemia mundial, o AUDIÊNCIA Ribeira Grande entrevistou um dos homens do momento para melhor compreender o presente da Universidade dos Açores, bem como as dificuldades e expectativas do futuro.

 

 

 

Há largos anos que é professor na Universidade dos Açores e já exerce o segundo mandato enquanto Reitor. Foi um cargo ambicionado ou simplesmente sentiu que podia contribuir para o funcionamento deste estabelecimento de ensino ocupando o lugar de Reitor? Como se toma a decisão de (poder vir a) ser Reitor?

Ser Reitor nunca foi um objetivo de vida ou de carreira. Simplesmente aconteceu num contexto muito específico. Depois de ter estado quase oito anos fora da Universidade, a desempenhar funções como Diretor Regional no Governo, quando regressei várias pessoas me sugeriram que me candidatasse ao cargo de Reitor em 2011. Na altura sentia a necessidade de voltar a ensinar e a investigar, e embora honrado não estava minimamente motivado para continuar a exercer funções de gestão.

Com o agravamento da situação administrativa e financeira da Universidade e a demissão do Doutor Jorge Medeiros, a hipótese de candidatura voltou a colocar-se e então aceitei liderar um novo projeto para a Academia. Acabei por ser eleito em 2014 e depois reeleito em 2018.

 

Podemos considerar que a Universidade dos Açores estava num período ascendente, em que muitas das dificuldades, a algum custo, estavam a ser ultrapassadas. Que impacto teve e vai ter a COVID-19 na sua atividade?

O projeto que lançámos há cerca de seis anos deu, efetivamente, os seus frutos. Recuperámos a confiança, equilibrámos as contas, reestruturámos serviços e unidades orgânicas, repensámos o ensino, que estamos ainda a reorientar, e crescemos em termos de investigação e produção científica. O novo coronavírus surgiu nesta fase de recuperação e crescimento, mas não vai fazer parar a nossa dinâmica.

 

A Universidade dos Açores mostrou ser uma instituição com capacidade para agir rapidamente perante a situação em que vivemos. Prova disso foi a celeridade em que, por exemplo, as diferentes unidades orgânicas que têm sede na Universidade depressa converteram a sua atividade em teletrabalho.

Sim, apercebemo-nos cedo da dimensão do problema e em fevereiro já tínhamos um Plano de Contingência preparado. Na primeira semana de março começámos a passar os serviços transversais da Universidade para um regime de teletrabalho, e logo de seguida foi a investigação e o ensino.

 

Quais as maiores dificuldades de toda a transição de serviços?

Foi um processo muito rápido, mas tudo correu razoavelmente bem, dado que tínhamos feito exercícios de preparação. A adaptação dos serviços ao teletrabalho foi extraordinária, e a dedicação, resiliência e entreajuda dos docentes foram os segredos para a passagem relâmpago de um ensino presencial para o ensino à distância. É claro que nem tudo tem sido perfeito e subsistem dificuldades relacionadas, por exemplo, com o acesso à internet e a equipamentos informáticos. Também a lecionação de aulas práticas laboratoriais e os ensinos clínicos ficaram prejudicados, mas estamos a reorganizar os planos de estudos desses cursos e a “recalendarizar” aulas para que nenhum estudante fique sem aproveitamento por razões deste tipo.

 

Foi notório o esforço e os contactos da Reitoria para o regresso dos estudantes que estavam deslocados em programas de mobilidade, levando ao agradecimento público à equipa da Reitoria por parte destes. O que se sente ao saber que mais que nunca os alunos precisavam de si e de toda a equipa?

Desde o princípio que discordámos da decisão de deixar os estudantes que estavam fora da Região à sua mercê. Percebemos o porquê, mas sempre achámos que era possível trazê-los em segurança. Neste contexto ajudámos vários estudantes da Universidade da Açores que estavam no estrangeiro a regressar à Região, em condições de segurança para eles e, naturalmente, para todos nós.

Passámos momentos muito difíceis nesse período, porque sentimos que estávamos sozinhos. Mantivemo-nos em contacto com muitos deles por videoconferência, dando-lhes o apoio possível quando o isolamento pesava e a ansiedade crescia. Éramos fortes nas videoconferências, mas quando desligávamos… Ajudámo-los a planear as suas viagens, contornando dificuldades e perigos, e acompanhámo-los durante o percurso, fosse de avião, de autocarro ou de carro. Tivemos de tudo, até transbordos em fronteiras.

 

Já começam a surgir estudos, propostas de estudos ou até, mais recentemente, a proposta da produção de álcool em gel nos laboratórios da Universidade dos Açores ou da realização de testes de despiste da COVID-19. Como encara esta contribuição da Universidade dos Açores com a sociedade/comunidade?

Desde a primeira hora que a Universidade se disponibilizou para ajudar em tudo o que fosse necessário. Cedemos equipamentos de proteção individual quando os profissionais de saúde necessitaram, produzimos e distribuímos viseiras quando ainda não havia, temos ajudado a preparar conteúdos e a fazer gravações para a telescola, colaboramos na linha de apoio psicológico e estamos agora a preparar laboratórios para a realização de testes.

Esta capacidade da Universidade dos Açores está em linha com o que as restantes instituições de ensino superior estão a fazer em todo o país e releva a importância da investigação científica e do conhecimento no combate à pandemia. Aliás, estamos todos à espera que a Ciência consiga descobrir a vacina que nos tire do confinamento e nos permita voltar a conviver livremente.

 

Quais as principais dificuldades com que a Universidade dos Açores se depara na atualidade, numa perspetiva não relacionada com a COVID-19?

Apesar de estarmos com as contas equilibradas, as nossas maiores dificuldades resultam da falta de financiamento direto para contratar novos docentes e investigadores, e reequipar os nossos laboratórios, entre outras necessidades.

O projeto da Universidade é extremamente importante para o desenvolvimento económico da Região e o bem-estar social dos açorianos, pelo que é fundamental que os Governos percebam isto e garantam os investimentos necessários para que a instituição cumpra a sua missão.

 

Como considera serem as relações da Universidade com os governos Regional e da República?

Diria que são relações institucionais nem sempre fáceis de gerir, mas o respeito mútuo impera, o que facilita.

 

Quais os desafios de amanhã?

Sou dos que pensam que esta pandemia também tem um lado positivo que é o de nos obrigar a refletir sobre o futuro. Em termos universitários penso que o grande desafio é o da reforma do modelo de ensino superior em Portugal. Esta crise veio demonstrar que as universidades são capazes de muito mais se tiverem autonomia e deixarem de ser condicionadas por políticas absurdas, impostas por organismos que desconhecem a realidade das regiões onde as instituições se inserem.

 

O que gostaria ainda de fazer ou de ver feito na Universidade dos Açores?

O projeto Universidade dos Açores é um projeto dinâmico e sempre inacabado. Fez-se muito, e muito há a fazer, mas tudo dependerá do evoluir da atual situação pandémica e das prioridades que esta vier a determinar.

 

Para terminarmos a entrevista. Recebeu o Troféu AUDIÊNCIA Personalidade de 2019, o troféu com mais expectativa das galas Audiência, pelo seu percurso académico, profissional, e por todo o seu trabalho enquanto Reitor da Universidade dos Açores. É bom ver que reconhecem o trabalho que tem e que dedica a esta “causa”? Estava à espera?

Não estava à espera e é sempre bom ver o nosso trabalho reconhecido, mas neste caso, e como já tive oportunidade de referir, tal nunca teria acontecido se não fosse a dedicação e disponibilidade de toda uma equipa excecional.