“É PRECISO VOLTAR À NORMALIDADE COM REGRAS E SEGURANÇA”

Numa edição especial sobre o Dia da Região, o AUDIÊNCIA Ribeira Grande entrevistou Ana Luís, presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Com palavras assertivas, Ana Luís reage às consequências da COVID-19, fala sobre os cargos que ocupa e dá uma palavra de esperança aos açorianos.

 

 

A Ana Luís foi a primeira mulher a tornar-se presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Considera ter sido uma conquista?

Diria que foi mais um passo numa caminhada que tem sido longa. Um caminho em que as mulheres passaram a acreditar mais em si, e em que a sociedade passou a considerar normal ver mulheres a ocupar determinadas posições que, antes, eram exclusivamente ocupadas por homens.

Espero que daqui por algum tempo esta questão deixe de ser relevante, ou seja, de não nos admirarmos de vermos mulheres em lugares de cimeira, seja na política ou em qualquer outro setor da nossa sociedade.

 

Licenciou-se em Economia. Algum dia sonhava enveredar pela política e vir a ser presidente da Assembleia Legislativa dos Açores?

Nunca pensei enveredar pela política, o meu sonho era regressar aos Açores, à minha ilha, e ser professora porque me fascina o contacto com os mais jovens. Depois de regressar, iniciei uma série de atividades, que também são uma forma de fazer política, no sentido que nos aproximam das pessoas, nos fazem conhecer as preocupações e os desafios da nossa ilha. Nomeadamente, integrei a direção de várias instituições e trabalhei em diferentes áreas que me ajudaram a crescer enquanto pessoa e que me deram outra visão da nossa Região, tendo percebido que também poderia dar o meu contributo para o seu desenvolvimento. Talvez tenha sido a partir daí que comecei a conceber a deia de que na política tinha uma possibilidade efetiva de contribuir para algo maior.

 

Quais os maiores desafios de ocupar o cargo que ocupa?

Logo à partida, tendo sido eleita como deputada pelo círculo do Faial, tenho a responsabilidade, e a honra, de representar os meus concidadãos que me elegeram, mas também de representar os açorianos na Casa da Democracia. Tendo sido eleita (pelos meus pares) para Presidente da Assembleia Legislativa essa responsabilidade é ainda maior. O maior desafio é, desde logo, a representação dos Açores, e por isso de todas as açorianas e açorianos. É com esta consciência que trabalho todos os dias para honrar e dignificar aqueles que me elegeram.

Ao longo destas duas legislaturas tenho-me deparado com muitos outros desafios, alguns quase obstáculos, uns mais difíceis de ultrapassar do que outros, como é o caso da situação que agora estamos a viver, mas sempre com a determinação de que é preciso encontrar soluções, independentemente da dimensão dos problemas, o que me dá o alento necessário para continuar o caminho.

 

Todos nós vivemos numa adaptação constante face à situação que atravessamos, causada pelo confinamento, por sua vez consequência da COVID-19. Quais as adversidades que os intervenientes no plenário encontraram nesta nova realidade?

Tal como todas as açorianas e açorianos tivemos de nos adaptar e enfrentar esta situação com espírito de colaboração e confiança de que iríamos ultrapassar mais esta adversidade.

A Assembleia Legislativa já dispunha de um moderno sistema de videoconferência que ligava a sede da Assembleia, na ilha do Faial, às restantes oito ilhas dos Açores. Com a impossibilidade de nos deslocarmos interilhas melhorámos essa ligação por videoconferência, que no fundo ligava nove salas físicas, para uma ligação virtual que permitisse que as senhoras e os senhores deputados cumprissem com as regras de confinamento mas que não deixassem de exercer em pleno as funções para as quais foram eleitos. Depois foi necessário encontrar a solução jurídica para as reuniões do plenário por videoconferência, de forma a que as decisões emanadas pelo plenário não pudessem ser postas em causa.

Com o empenho e o esforço de todos foi possível edificar essa solução num tempo recorde, o que nos permite hoje exercer a nossa função legislativa e de fiscalização da ação governativa.

 

Cada vez mais se defende que temos de aprender a viver com a COVID-19. Inclusive muitos serviços já abriram ou estão prestes a abrir, escolas e creches também, algumas empresas já optaram por deixar o teletrabalho… Isto também acontecerá no plenário? Para quando a volta à “realidade”?

Neste momento ainda não é possível avançar com datas. Estamos a trabalhar num plano de contingência para o plenário presencial, mas este regresso só poderá ser possível quando estiverem salvaguardadas todas as questões de segurança e de saúde pública.

O mais importante neste processo era garantir que o Parlamento continuava a funcionar, o que foi conseguido, pelo que aguardaremos com serenidade a altura em que tudo voltará ao normal ou, pelo menos, à normalidade possível.

 

Numa época de incertezas, o Governo Regional tem tentado apoiar todos os setores e trabalhadores regionais, para que possam ver as suas vidas estabilizadas. O que é que ainda não foi feito, na sua opinião, que se possa fazer para ajudar a melhorar a vida dos cidadãos?

Penso que o Governo dos Açores tem estado atento às problemáticas decorrentes desta pandemia e tem atuado com celeridade e de forma objetiva para minorar os problemas que a mesma tem causado em todos os setores da sociedade, tendo como objetivo primeiro a segurança e a saúde de todos os açorianos. Agora é preciso voltar a alguma normalidade, através deste desconfinamento progressivo, com regras e segurança para que não se ponha em causa os resultados alcançados nestes dois últimos meses.

Temos de continuar a ouvir os cidadãos, as empresas, os representantes dos mais diversos setores e os parceiros sociais para atuar na medida das suas necessidades e em busca de alguma retoma económica.

 

Um dos problemas com que a democracia se debate é a abstenção. O ano passado este foi um assunto recorrente nos discursos da cerimónia do Dia da Região e, inclusive, o Presidente do Governo Regional apresentou medidas para combater a abstenção. É preciso continuar a insistir neste assunto, mas de que forma para que as taxas de abstenção serem cada vez menores? O que ainda há para fazer sobre este assunto?

A questão da abstenção é, na minha opinião, o maior desafio que os atores políticos enfrentam desde há algum tempo. É necessário continuarmos a falar desta matéria, não só em ano de eleições, e refletirmos sobre possíveis soluções para que se possam implementar algumas medidas que nos ajudem a combater a abstenção, principalmente junto dos mais jovens. A Assembleia Legislativa, ao longo desta legislatura e através da Comissão Eventual CEVERA, tem trabalhado sobre este assunto envolvendo todos os partidos, antigos líderes políticos e aceitando sugestões através da nossa página da internet para que as soluções encontradas sejam efetivas.

Para além das soluções técnicas que se podem implementar que facilitem o acesso ao voto, há também, por parte dos partidos políticos, trabalho a fazer no que respeita à forma de fazer passar a mensagem, para além da educação para a cidadania e da imagem da política como algo que é importante, que sustenta a democracia, sem a qual não é possível viver em liberdade plena.

 

“O futuro da Europa passa, inequivocamente, por fazer chegar a voz do cidadão aos grandes centros de decisão e por uma maior interação entre os poderes locais e regionais e os poderes centrais europeus.” A afirmação é sua, em 2018, aquando da sessão de abertura da Assembleia Plenária da CALRE (Conferências das Assembleias Legislativas Regionais Europeias), à qual já presidiu e atualmente é vice-presidente. A Ana Luís é uma das caras dos Açores e defende a nossa importância e notoriedade com empenho. É uma tarefa difícil?

Os Açores são uma Região ultraperiférica, que está longe dos grandes centros de decisão, que se depara com os desafios da insularidade e com os custos desta sua ultraperificidade. Participar neste fórum europeu, como é o caso da CALRE, que reúne todas as regiões que pertencem à União Europeia com poderes legislativos, é uma forma de darmos a conhecer a nossa realidade, os nossos problemas e necessidades, mas também as nossas potencialidades.

Os Açores dão dimensão marítima à Europa e como tal, e considerando a importância crescente do mar profundo, quer em termos científicos como económicos, a nossa responsabilidade é acrescida. Quando assumimos a presidência destes fóruns, como foi o caso em 2018, ganhamos também outra projeção europeia – tive oportunidade de reunir várias vezes com o antigo Presidente do Comité das Regiões e com o anterior Presidente do Parlamento Europeu e foi possível fazer algumas conquistas para a CALRE junto de outras instituições europeias, o que permitiu conferir-lhe outra projeção e dimensão ao nível europeu. Os parlamentos regionais são aqueles que mais próximo estão dos seus cidadãos, aqueles que melhor conhecem as suas necessidades e a realidade das suas regiões, pelo que são os melhor colocados para fazer ouvir a sua voz. Foi para isso que trabalhei na minha Presidência em 2018 e que continuarei a trabalhar na qualidade de vice-presidente e de membro efetivo da CALRE.

 

Enquanto presidente da Assembleia Legislativa, gostaria que existissem diferentes contextos político, económico e social nos Açores?

Enquanto açoriana gostaria de continuar a ver “crescer” a minha terra em todas as aéreas e contextos. Todos nós, independentemente das áreas em que trabalhamos e das funções que desempenhamos, podemos (e devemos) dar o nosso contributo para esse contínuo crescimento. Continuarmos a consumir produtos regionais para o reforço da nossa agricultura, das nossas pescas e das nossas empresas, conseguirmos atingir níveis de educação que permitam aos nossos jovens se qualificarem cada vez mais, continuarmos a ajudar aqueles que mais precisam para contribuirmos para uma sociedade cada vez mais justa e equilibrada.

 

Hoje celebra-se o feriado de uma nova forma. Que palavra quer deixar a todos os açorianos espalhados um pouco por todo o mundo neste Dia da Região?

Hoje os açorianos voltam a ser colocados à prova. Séculos de convivência com as agruras da natureza e com o isolamento das ilhas fizeram de nós um povo resiliente, mas sempre imbuído num sentimento de muita esperança.

É com essa força e com a luz do Espírito Santo que hoje celebramos, que nos devemos reerguer e com coragem enfrentar mais este desafio, certos de que o iremos ultrapassar como sempre o fizemos no passado. Em união de esforços, juntos em solidariedade, nove ilhas, e a décima da diáspora, em combate pela sua Região – Açores!