A um ano de terminar o segundo mandato como presidente da Junta de Freguesia de Rabo de Peixe, Jaime Vieira é entrevistado pelo AUDIÊNCIA, numa conversa que demonstra os anseios e as preocupações deste executivo, que reconhece as principais dificuldades que a freguesia mais populosa da Ribeira Grande enfrenta.
Qual o balanço que faz destes últimos três anos de mandato?
No primeiro ano após as eleições, recuperámos e planeámos o que deveria ser feito. É preciso compreender que somos uma Junta de Freguesia que lida com especificidades e temos que perceber quais as nossas prioridades.
No início deste segundo mandato quisemos dar continuidade àquilo que tinha sido feito no primeiro, que era colocar as pessoas em primeiro lugar. Só faz sentido estarmos num lugar destes, com responsabilidades, quando pomos as pessoas em primeiro lugar. É para elas que temos que governar e é para elas que temos que tomar todas as medidas, e, também, corresponder às suas expectativas e renovar a confiança que nos deram ao elegerem-nos por mais um mandato.
Por isso o primeiro ano foi de planificação, nunca esquecendo que havia três ou quatro áreas às quais era preciso dar continuidade. Uma delas é a questão da habitação, quer a primeira habitação, quer a recuperação de habitação degradada. Para isso, a nível da habitação degradada, estivemos sempre em rede e em cooperação com a Câmara Municipal e também com o Governo Regional através de alguns acordos interadministrativos para resolvermos algumas situações.
A falta de poder para alugar ou comprar casa é comum nos dias de hoje. No entanto, em Rabo de Peixe existem casos de sobrelotação de habitações ou de habitações degradadas à espera de reparações?
Relativamente a este assunto, apesar de ainda haver alguns acordos que temos vindo a fazer com a [Direção Regional da] Habitação, efetivamente temos diversas situações de carência a nível da recuperação de habitações. Atendendo também aos valores que são colocados em cima da mesa por parte da Direção Regional, em que nós muitas vezes é que temos que assumir a mão-de-obra, torna-se difícil fazer aquilo que nós pretendemos. Por isso achamos que deveria haver uma reformulação nesse tipo de apoios, para que nós possamos dar uma maior resposta (mais célere e com maior incisão) aos casos que necessitam.
Aquilo que nós fizemos numa primeira fase foi a identificação dos casos das famílias e das jovens famílias que não têm habitação própria. Este é um dos maiores problemas que a sociedade açoriana atravessa, não falo só da freguesia de Rabo de Peixe. Por aquilo que tenho conhecimento, isto é transversal em todas as freguesias. Enquanto autarcas de freguesia, é uma situação que nos preocupa. Por isso quisemos fazer um levantamento do número de famílias a necessitar de habitação.
O problema da sobrelotação das habitações faz com que as famílias não tenham a sua privacidade. A legislação portuguesa diz que todos nós temos direito a habitação própria. É preciso não esquecer que numa casa para três pessoas se estiverem sete ou oito, o estado de degradação será diferente. Muitas vezes essas famílias vêm cá bater à porta para recuperarmos a habitação e nós temos tendência a bater à porta quer da Câmara Municipal quer do Governo Regional para nos ajudarem. Daqui surge uma cadeia giratória, porque uma casa que tenha que durar 10 anos sem haver intervenção, irá durar cinco.
Nós temos que perceber que o incentivo ao mercado do arrendamento atual caducou. É um problema transversal em todas as freguesias, mas nós aqui, além da falta de habitação jovem, temos as habitações sobrelotadas.
As pessoas deixam de obter resposta para este problema. Por dia chegamos a receber cinco pedidos de pessoas que não têm habitação. Direcionamo-las para as entidades competentes e a resposta é “procurem uma casa para alugar”. A questão é “onde?”. Não existem casas disponíveis para o incentivo ao arrendamento.
Quais os principais desafios que a Junta de Freguesia de Rabo de Peixe enfrenta? Quais as vossas preocupações?
Para além desta questão da habitação, outra preocupação tem sido a área social. Numa freguesia que tem cerca de 9.000 habitantes, com as suas especificidades, é preciso perceber que temos que ter um olhar atento às questões sociais. Apesar de termos cá um núcleo de ação social ligado à Direção Regional da Solidariedade Social e também de estarmos muito próximos da Câmara Municipal através dos técnicos locais, esta é uma área sob a qual temos que estar vocacionados e preparados para aquilo que enfrentamos. Sendo uma vila com mais de 9.000 pessoas, logicamente que os problemas são mais que nas outras localidades, tendo em conta a nossa dimensão. Apesar de haver respostas na vila, é sempre uma preocupação nossa porque muitas vezes essas respostas são demasiado lentas devido às questões administrativas e, da nossa parte, carece responder com alguma urgência a essas situações.
Outra das nossas grandes preocupações (e também apostas) tem sido a educação. Acreditamos que a educação é o garante de um melhor futuro. A educação é o garante de termos uma vila mais próspera e ainda mais capaz do que aquela que é. Neste sentido (já o defendemos anteriormente), acho que a nível da educação teríamos que a moldar consoante as especificidades das localidades. Aqui na vila de Rabo de Peixe deveríamos ir ao encontro daquilo que as nossas crianças procuram. Não vejo porque não, por exemplo, ter uma escola onde existam mais aulas práticas, onde uma parte do tempo os alunos possam sair da sala de aula, procurando aquilo que eles ambicionam. Nem toda a gente está vocacionada para ir para a universidade. Aquilo que temos que entender é que as crianças têm que se sentir seguras e têm que estar num local onde gostem de estar. Muitas vezes a escola não lhes dá isso porque não vai ao encontro daquilo que as crianças gostam e daquilo que são os seus anseios.
Dou um pequeno exemplo: porque é que na escola, desde cedo, não se começa a fazer um “despiste”? Se procuram ser pescadores, que se comece a ter aulas vocacionadas para a pesca, assim como para a agricultura. Não tenho dúvidas de que isto diminuiria o insucesso escolar. Já se viu que estar num local por obrigação não dá as respostas que pretendemos. Acho que o futuro pode passar por aí.
Nós temos que potenciar esta terra para aquilo que pode ser uma mais-valia para nós, que é o setor primário. Temos que perceber que se há muita gente ligada à pesca, porque não direcionar o ensino? Não podemos ter uma única receita para toda a gente porque as pessoas são diferentes e cada caso é um caso. Para aumentar o sucesso escolar, temos que criar medidas específicas dentro da educação e tirar partido daquilo em que somos bons.
Porque não tentar incentivar as nossas crianças e os nossos jovens a voltarem-se para a terra, para não continuarmos a viver de serviços públicos? É verdade que é mais agradável estar num gabinete – como eu estou agora -, chegar às 17h e ir para casa, o que não é o meu caso. Mas nós não temos condições para isso. Nós temos que voltar à terra e ao mar. Ao mar ainda estamos servidos, mas é preciso perceber que o pescador de hoje não pode ou deve ser o mesmo de há 15 anos.
Há muita gente capaz. Não sou da opinião de que aos 19 ou 20 anos é que vamos preparar para entrarem na universidade. Porque não começar já no ensino básico, se há alunos que já têm essas preferências? É preciso começar a trabalhar nas competências iniciais e naquilo que o aluno se poderá enquadrar.
Uma outra preocupação e também uma grande aposta nossa, tem sido a dinamização da imagem da nossa vila para o exterior, assim como colocar Rabo de Peixe nos mapas regional e nacional por bons motivos. Dia após dia tentamos, com as armas que temos, melhorar a imagem que esta vila tem, que já se modificou, mas que queremos continuar a trabalhar.
Queremos que esta seja uma vila cada vez mais limpa e para isso adquirimos um aspirador elétrico. Atendendo à dimensão desta vila e à quantidade de pessoas que diariamente frequentam os espaços comerciais, que diariamente andam na dinâmica casa-escola-casa ou casa-trabalho-casa, achámos por bem fazer este investimento para que nos ajude a manter a vila limpa.
Relativamente ao programa Eco-freguesia, e é uma crítica que faço, é que com a verba que nos poderia ser atribuída, que é de cerca de 2.300€, é-nos impossível dar as respostas que a Direção Regional do Ambiente pretende. Acho que ou se faz uma aposta concreta, ou não se faz. Comparar uma vila destas, com a sua dimensão populacional e com uma grande área, e atribuir o mesmo valor ou quase o mesmo valor que a outras freguesias, é uma situação não favorável para nós. Acho que se deveria repensar esta questão. Não é por causa do Eco-freguesia ou do valor que daí advém que não mantemos a freguesia limpa. Acho que do valor que advém com o Eco-freguesia apenas dá para três meses de vila limpa. Temos que perceber que cada caso é um caso. Não estou a dizer que precisamos de mais verbas que a freguesia vizinha, mas estou a dizer que é preciso olhar e ter critérios definidos.
Costumo dizer de uma forma muito honesta, a nível populacional temos a proporção de uma câmara, mas o orçamento de uma junta de freguesia. Não há milagres e com aquilo que temos fazemos muito e assim vai continuar a ser. É preciso saber que o quadro desta Junta é composto por duas pessoas na administração, e que os restantes colaboradores estão em programas do Governo ou a trabalhar através da Câmara Municipal. Fazer todo este trabalho sem pessoal afeto ao quadro e em que o pessoal operacional trabalha através de programas, torna tudo mais complicado.
Isso não nos faz baixar os braços, muito pelo contrário. Faz-nos ter mais vontade de trabalhar para termos uma vila mais limpa e para melhor recebermos quem vem de fora.
É preciso não esquecer que este ano deste mandato tem sido atípico. De certa forma, a COVID-19 veio barrar as nossas intenções para este ano. Tivemos que alterar tudo ou quase tudo o que tínhamos planeado, incidindo apenas no mais necessário, que é dar respostas diárias às inquietações da população e, também, garantir a segurança das pessoas que aqui vivem.
Quantos funcionários tem esta Junta e quantos funcionários estão em programas e pela Câmara?
Temos duas pessoas no quadro de pessoal, que são duas administrativas. Relativamente à cedência de alguns funcionários da Câmara Municipal, nesta altura temos três colaboradores que já cá estão há muito tempo. Relativamente ao pessoal ligado ao programa, temos 17. Estou a falar dos programas PROSA, SEI e FIOS.
Acho que – e é algo que defendo – todos nós deveríamos perceber que quem tem responsabilidades políticas e quem pode alterar seja o que for, é preciso que perceba que o papel das juntas de freguesia de hoje em dia não tem nada que ver com o papel das mesmas há 15 ou 20 anos. A exigência é maior, a abrangência é maior e continuar a tratar uma junta de freguesia como se tratava há 20 anos… não sei o que procuram e não sei se, acima de tudo, estão a valorizar o papel dos autarcas de freguesia. 90% dos presidentes de junta de freguesia têm a sua vida, não são profissionais da política, recebem 250€ a 300€ como senhas de presença, o que é manifestamente pouco. Temos que parar para pensar e olhar para uma junta de freguesia como algo de extremamente útil para as populações. É necessário olhar para as juntas de freguesia e alterar um conjunto de coisas, nomeadamente os apoios e as competências. É esse o desafio que faço e esta Junta também. Pelas especificidades que existem, teria que ser revisto todo e qualquer apoio porque, efetivamente, hoje é muito pouco para uma terra desta dimensão.
Uma das dificuldades por que as juntas passam é transversal em todas elas: falta de orçamento para ter funcionários.
Acho que é preciso não esquecer que o dia-a-dia de uma junta de freguesia alterou-se. Hoje em dia, as pessoas olham para uma junta de freguesia como uma instituição que tem de ser capaz de resolver os seus problemas. É para isso que votam nos executivos e é para isso que os escolhem. Muitas vezes o que acontece é que as pessoas não entendem que a nossa ação administrativa ou a nossa ação enquanto poder agir é limitada ou delimitada por aquilo que são os entraves administrativos. É preciso são esquecer que nós não temos autonomia suficiente para resolver determinados assuntos. Muitas vezes temos que bater à porta da Câmara Municipal ou do Governo Regional. Isto cria-nos entraves e situações complicadas que carecem de uma revisão em termos legislativos.
Esta evolução que as juntas de freguesia atravessaram, não foi acompanhada pelas legislações vigentes, o que muitas vezes nos traz grandes dificuldades. Nós não queremos ser uma Câmara Municipal, mas também não podemos querer resolver assuntos que muitas vezes não nos dizem respeito, e não poder porque estamos agarrados a certas leis que nos impedem de dar uma resposta cabal àquilo que pretendemos. É preciso não esquecer que estamos sempre na linha da frente e que é a nós que batem à porta.
É neste sentido que acho que deveríamos alterar o sistema político das juntas de freguesia e o Governo Regional poderia criar uma rubrica específica para que pudéssemos aumentar o quadro de pessoal. É urgente! Não podemos continuar a viver com trabalhadores precários. É importante, seja qual for o futuro Governo Regional dos Açores, que se legisle sobre estas competências.
Se tivermos mais poder financeiro, se tivermos mais poder em termos legislativos, se tivermos mais poder em termos de ação, logicamente que as nossas respostas serão melhores e mais eficazes. Não tenho dúvida de que as populações ficarão mais satisfeitas e verão a sua qualidade de vida melhor. E nós somos eleitos para melhorar estas vidas e estar ao lado da população.
Com as exigências da população a aumentarem, temos que compreender que é preciso haver uma resposta diferente por parte de quem tutela a região, de maneira a que possamos dar outras respostas.
Logicamente que na Junta de Freguesia de Rabo de Peixe temos contado sempre com a Câmara Municipal que vai colaborando connosco. É através de alguns acordos interadministrativos que temos vindo a conseguir dar algumas respostas positivas, mas gostaríamos de ver no próximo ano (a nível camarário mas principalmente a nível do Governo Regional) verbas que nos possibilitem dar outras respostas.
Estamos a falar de um orçamento de quanto, para uma junta de freguesia desta dimensão?
No total, contando com contratos interadministrativos da Câmara Municipal, do FEF [Fundo de Equilíbrio Financeiro] e também dos protocolos com o Governo Regional dos Açores para pequenas reparações de habitações, temos um orçamento de cerca de 200.000€.
Do Governo Regional não tivemos mais nada. Solicitámos mais alguns pedidos de acordos de cooperação e não nos foi autorizado, o que, para nós, é uma situação que o Governo Regional terá que ter a sensibilização que esta Junta não poderá continuar a sua ação diária sem contar com fortes apoios do Governo Regional para que consigamos fazer um bom trabalho.
Nós defendemos que o Governo Regional tem que ter uma verba fixa para as juntas de freguesia, consoante o FEF, porque não podemos esperar que os apoios cheguem quando convier. Tem que ser um valor fixo, independentemente de outras questões que possam existir.
Já foram prometidos novos investimentos em Rabo de Peixe, como o caso do armazém para os pescadores e da escola Rui Galvão de Carvalho. O XII Governo Regional investe nas infraestruturas e não investe nas pessoas, ou ao investir nas infraestruturas está a investir nas pessoas? Quando pergunto isto, peço que relacione com o estigma que existe sobre a população da vila de Rabo de Peixe.
Aquilo que posso dizer relativamente a este assunto é que muitas vezes o que as pessoas não entendem – e não é apenas porque o presidente da Junta quer mais investimentos de todas as partes nesta terra – é que o presidente preside a uma vila que tem mais de 9.000 pessoas, que tem mais habitantes do que muitas ilhas dos Açores e porque preside a uma junta que é maior que 70% dos concelhos dos Açores. Logicamente que numa pequena área geográfica como esta, a Junta de Freguesia que de ter outro tipo de ferramentas que possibilite dar uma resposta mais eficaz e melhorar ainda mais a qualidade de vida das pessoas.
O investimento que é feito pela Câmara Municipal é para melhorar a vida das pessoas, assim como o investimento feito pelo Governo Regional – que eu entendo que deveria ser maior e que alguns deles já deveriam ter acontecido. É preciso não esquecer que já em 2008 já se falava na escola Rui Galvão de Carvalho, é uma obra que já apareceu em alguns orçamentos. No entanto, antes tarde do que nunca, e sei que essa obra irá melhorar em muito a vida das pessoas e a qualidade de ensino.
No entanto, há a resposta diária: há aqueles que nos batem à porta porque necessitam de uma habitação, há aqueles que nos batem à porta por falta de medicação que, por qualquer motivo administrativo não teve outra resposta, há sempre aquela questão de uma família que nos bate à porta porque não tem alimentação… e as pessoas não podem esperar três ou cinco dias se tiverem fome, porque a resposta tem que ser imediata. Há também a limpeza diária que é preciso ser feita e, muitas vezes, estamos a substituir o Governo nalgumas vias e não recebemos nada por isso. Existem várias situações às quais temos que dar resposta.
A dimensão desta vila requer por parte de toda a gente um olhar diferente e uma resposta diferente. Não é ao acaso que há sensivelmente 12 ou 15 anos foi criado um fundo específico para Rabo de Peixe porque éramos uma terra específica. Temos que entender que não somos melhores ou piores, somos diferentes pela dimensão que nós temos e pelas especificidades que temos.
Muitos dos pedidos de apoio que chegam à Junta de Freguesia de Rabo de Peixe poderia resolver-se com mais emprego na freguesia?
Logicamente que sim.
E como é que se cria esse emprego?
Não podemos continuar a ter pessoas que nos vêm pedir e que nós não conseguimos ajudar relativamente a essa questão.
Como é que se cria? É criando maior riqueza, é dando mais e melhores apoios às empresas, é criando condições para que a economia regional possa abranger um maior número de pessoas a nível de emprego.
Não queremos nem temos essa ambição (porque não temos possibilidades) de substituir o privado na questão do emprego. Deveria haver uma resposta eficaz relativamente a esta questão através dos nossos privados, em concertação com os poderes regional e autárquico.
Não é algo que nos encoraja e não queremos ser nós a dar resposta para a situação do emprego. O que nós queremos é ter uma região diferente onde pudéssemos dar uma resposta diferente a nível do emprego.
O que estamos a dar através dos programas ocupacionais é apenas o apagar de um pequeno foco porque passados dois anos a situação volta a mudar. Tudo isto dificulta. A questão que eu faço é: o que será feito um dia que terminem os programas ocupacionais? É preciso percebermos que enquanto não tivermos uma Região capaz de dar resposta às inquietudes da população, temos que ter meios para colmatar essas situações.
Problemas de habitação, falta de medicação e de alimentos são alguns dos problemas que chegam até à Junta. Existem outros, principalmente a nível social.
Devo dizer que Rabo de Peixe é uma “micro-sociedade” dentro de uma sociedade. Para quem não conhece esta terra, logicamente que a primeira opinião que forma pelo que ouve, é que está perante um caso à parte.
Quando digo que é uma “micro-sociedade” dentro de uma sociedade, é porque temos especificidades próprias, e também porque somos uma terra muito grande numa área pequena. Logicamente que em termos ambientais, mais pessoas significa maior sujidade diária; em termos habitacionais, as famílias crescem e não há respostas para lhes dar… outro problema que temos, e que também é transversal, é o combate às toxicodependências. Continuamos a perder esta guerra e é preciso pôr urgentemente um travão nesta situação.
Nesta terra nós temos pessoas capazes, mas têm que ter oportunidades. Há muita gente que está a receber o Rendimento Social de Inserção [RSI], por exemplo, mas acredito que potenciadas, estas pessoas podem dar uma resposta diferente. Não podemos continuar a dar sem receber. Muitas vezes senhoras e jovens vêm cá pedir emprego… essas famílias poderiam ser potenciadas através de formações mais práticas e adequadas. Temos que pôr mais gente a produzir nos Açores e, em específico, em Rabo de Peixe.
Existe um grande estereótipo no que concerne à vila e à população de Rabo de Peixe. A realidade é que as gentes desta vila sabem muito bem receber quem por aqui passa. Há a necessidade de mudar esta mentalidade. O que é que se pode fazer?
Costumo dizer que uma má fama, mesmo que seja mentira, pode acompanhar-nos para o resto da nossa vida. O que se passa nesta vila é exatamente isso. Orgulho-me muito de ser presidente desta vila e candidatei-me de consciência tranquila, aceitando este desafio porque, efetivamente, queria fazer algo por esta vila.
Inicialmente, uma das coisas que quis foi modificar a imagem desta vila de fora para dentro. Como? Trabalhando esta imagem para o exterior e trabalhando a perceção das pessoas. Para isso, é preciso consciencializar cá dentro aquilo que nós temos que fazer. É preciso potenciar algumas zonas.
A Junta de Freguesia tem tentado dar uma ideia diferente. Temos alguns programas culturais que nos têm ajudado, como é o exemplo do Festival do Caldo de Peixe, a Noite do Sarapatel, fazemos a Aldeia de Natal, temos o nosso cortejo etnográfico no aniversário da vila… todos estes programas contribuem para que as pessoas cá venham. Aquela que é a riqueza da nossa terra é mesmo a forma como as pessoas acolhem quem por cá passa.
Temos junto da zona do porto um alojamento local em fase de finalização, cujo dono diz que quer comprar mais duas casas naquela zona. Uma das famílias vizinhas é que cuidam da casa e isto vai potenciando cada vez mais a imagem que pretendemos.
Estamos também a fazer requalificações paisagísticas em certas zonas, de forma a que Rabo de Peixe seja mais apelativo.
Somos uma vila pitoresca, e aquilo que há cá não há em mais parte alguma. Estamos a finalizar um vídeo promocional de Rabo de Peixe que vamos deixar junto das agências turísticas. Já fizemos um roteiro turístico, faltando apenas identificar com placas. Já falámos também com os mordomos das festas do Espírito Santo, com o objetivo dos turistas poderem participar na preparação das carnes, nos cortejos, nos grupos de castanholas… enfim, interagirem com as pessoas, de forma a que estas possam tirar partido daquilo que nós temos de bom e do melhor que temos a oferecer.
Rabo de Peixe não pode ser uma vila apelidada de “pobre” se tem tanta oferta de serviços. No entanto este continua a ser um estigma.
O apelido de “ser pobre” é algo que se criou e estamos a levar tempo a sair do “ser pobre”. Não concordo que sejamos uma vila pobre, não concordo que sejamos os “coitadinhos” e nem gosto que nos apelidem disso. O que têm que perceber é que devido a certas especificidades é mais difícil termos uma resposta a dar.
Nós aqui somos o motor económico da Ribeira Grande: temos a maior comunidade piscatória dos Açores, com grandes embarcações, temos uma grande oferta em termos de serviços, em termos de produção agrícola somos riquíssimos, temos indústrias de construção civil… quem entra nesta vila tem tudo ao dispor. Temos zonas lindíssimas. Até os nossos bairros sociais são lindos, com cada casa da sua cor, tudo de forma ordeira…
Aquilo que nós precisamos nesta altura é que todos percebam que se existem problemas sociais, é porque se nós temos 9.000 pessoas, temos que ter mais problemas. Não somos diferentes nem mais pobres que os outros. Somos uma terra rica, de gente capaz e até os nossos emigrantes são pessoas de grande sucesso. Cá temos grandes empresários e empresas. Não podemos continuar a olhar para esta terra e a apelidá-la de pobre. Todos os nossos problemas são comuns, mas por sermos maiores que os outros, temos mais problemas.
Esta é uma terra com potencial e a riqueza desta gente é ser-se extremamente acolhedor. Queria eu que, nos Açores todos, houvesse um pouco das gentes de Rabo de Peixe.
Qual a relação entre a Junta e as forças-vivas da freguesia?
Até agora temos tentado colaborar, estando ao lado deles. Logicamente que é uma boa relação e que sabem que podem contar connosco para aquilo que necessitam porque quando nós precisamos também batemos à porta deles.
A riqueza de uma sociedade também passa pela capacidade de ela criar instituições e grupos, e nós reconhecemos o mérito e o trabalho de todos aqueles que estão associados a esses grupos culturais e mesmo religiosos. Da nossa parte vai um grande agradecimento por tudo aquilo que fazem.
O que há ainda para fazer até ao final do mandato?
Queremos dotar esta Junta de Freguesia de uma infraestrutura diferente. Temos uma data de ambições e aquilo que eu espero é que consigamos, até ao final do nosso mandato, pô-las todas em andamento.
Queremos adquirir mais um aspirador elétrico porque a limpeza desta vila é uma grande preocupação. Parece pouco mas não é, porque conseguimos dar uma resposta mais rápida e com maior qualidade.
Sempre defendemos um museu do pescador. Já temos uma pequena verba (será uma obra da Câmara Municipal no valor de 100 mil euros) e vamos tentar começar a obra ainda este ano, para que no próximo possa estar concluída.
Queremos dotar a vila de mais espaços lúdicos para as crianças. Temos um ‘smartpark’ que será um espaço intergeracional. Neste espaço há uma grande oferta: casinhas mobiladas por dentro, oficinas, cozinhas… haverá de tudo um pouco para as crianças brincarem. Haverá também dois espaços para formação, ao dispor das escolas, e também poderão brincar e fazer um pouco de tudo lá dentro, uma vez que lá haverá um parque infantil e também uma zona de merendas. É um espaço que estamos a terminar.
Iremos continuar a ter a ambição de procurar espaços para parques infantis, procurando várias artérias e zonas da vila; iremos também dignificar a entrada de Rabo de Peixe, junto à Rua Infante D. Henrique por ali haver um grande congestionamento de trânsito; também vamos demolir a antiga casa do Joe Silva, onde vamos fazer um espaço verde e requalificar o café ali existente; iremos continuar a dotar a vila de alguns parques de estacionamento em zonas já identificadas onde o trânsito é muito complicado.
Acima de tudo, outra das nossas grandes obras é o campo de futebol de Rabo de Peixe, que penso que irá dar resposta a diversas inquietações. Aquilo que pretendemos é que durante o dia as escolas também possam utilizar o espaço.
Tirando isso, vamos também entrar na segunda fase do Largo do Rosário com a colocação de novos bancos e iluminação, assim como um azulejo do charco que ali havia, de forma a embelezar uma das zonas nobres da nossa vila.
A nossa ambição é que as pessoas saibam que tudo faremos para as defender, com as dificuldades que temos. A cada dia que passa há um novo desafio e que qualquer problema que tenham podem vir cá. Não prometo resolver, mas prometo lutar para resolver.
Como é que é ser presidente da Junta de Freguesia de Rabo de Peixe?
Ser presidente da Junta de Freguesia de Rabo de Peixe é estar de frente a um dos maiores desafios da minha vida. É gratificante e é um sonho tornado realidade. Posso dizer isso porque há muitos anos ambicionava e sempre disse que gostava de o ser. Isto porque toda a minha vida foi dedicada a trabalhar em instituições. Fui e sou presidente do Clube Desportivo de Rabo de Peixe há muitos anos, fui presidente de uma cooperativa de habitação, pertenci e pertenço a uma das associações das festas do Espírito Santo, já estive no grupo coral… um dia disse que gostava de ser presidente e poder fazer algo por esta terra.
Encaro isto como algo de gratificante porque, efetivamente, é estar 24 horas à frente de uma população e poder ajudar quem precisa. Sempre disse que poderia ter dois tipos de ação enquanto presidente de junta: ser passivo, trabalhar das 9h às 17h, não atender o telefone e não falar com as pessoas, não bater às portas e ouvir um “não” constante. Mas acontece exatamente o contrário. Sei que nem todas as decisões que tomo ou que tenho que tomar agradam a toda a gente, sei que ao tomar muitas delas posso ter magoado pessoas, porque não podemos dizer “sim” a tudo ou resolver todos os problemas. Estamos a falar de mais de duas mil pessoas que batem à porta desta Junta por ano. Não é uma realidade fácil.
Aquilo que me satisfaz e que me orgulha é poder vir para cá, poder colaborar e fazer algo pelas pessoas. De uma forma muito honesta, não há preço que pague vermos um sorriso de uma pessoa cujo problema foi resolvido.
As coisas são complicadas, mas não me arrependo de quando me candidatei há sete ou há três anos. Sei que tudo aquilo que fiz, fi-lo com a melhor das intenções.
Ser presidente de junta é o concretizar de um sonho de miúdo e poder dizer que fiz e continuo a fazer algo para tentar ajudar na vida de quem precisa.
Estamos a um ano de novas eleições autárquicas. Pensa em recandidatar-se novamente?
Só sou presidente porque a população quis que fosse. Serei candidato se a população quiser que seja.