“O NOVO BANCO NÃO É UM BANCO BOM”

Numa grande e exclusiva entrevista, João Paulo Correia, enquanto deputado da Assembleia da República abordou temas que têm inquietado a opinião pública e, principalmente, vários empresários. Passando do Novo Banco e de toda a informação que tem surgido, recentemente, sobre as alegadas irregularidades de alguns processos, o deputado esclarece que o interesse público está salvaguardado e que tudo isto veio também demonstrar que o sistema financeiro português está assegurado. Posicionando-se sempre muito firme nas suas convicções, João Paulo Correia acrescenta ainda que o PS mantém-se fiel aos seus princípios e aliados e garante que os próximos anos, se tudo correr como planeado, serão de recuperação quer para as famílias quer para as empresas portuguesas.

 

 

 

Como estamos na política portuguesa, tranquilos, com dificuldades, estamos a patinar ou estamos num ato de coragem?

O país está a enfrentar um enorme desafio, que também está a por os políticos à prova. E o que tem sido o empenho da Assembleia da República, do Governo e do Presidente da República, e também da globalidade dos presidentes de Câmara e autarcas de freguesia, tem sido uma demonstração de vivacidade da nossa democracia, ao mesmo tempo que enfrentamos uma crise de saúde pública sem precedentes, e completamente inesperada, lidamos com uma crise económica e social brutal e que veio agravar bastante as dificuldades que se colocaram com o surgimento desta crise de saúde pública. Mas este é o momento em que a classe política, a democracia, conforme a criamos na nossa constituição após o 25 de Abril, está a ser posta à prova e julgo que está a superar este grande teste com sucesso.

 

Esta também é uma altura em que os portugueses parecem estar muito mais exigentes com o trabalho dos deputados. Houve uma inundação de casos polémicos e o João Paulo Correia tem estado também nesses grandes combates. Fale-nos de alguns explosivos como o Novo Banco, a Caixa Geral de Depósitos…

Quando respondi à primeira pergunta, não destaquei os instrumentos que a nossa Constituição ofereceu ao país na altura, que hoje, passadas algumas décadas, são os instrumentos que estão a ser utilizados pelo poder político para responder a esta crise. Quando recorremos à figura do Estado de Emergência, que é uma figura constitucional que tem permitido ao Presidente da República e ao Governo, com a devida autorização da Assembleia da República, mobilizar todas as respostas e as medidas necessárias para atenuar os efeitos desta crise, principalmente no que diz respeito à saúde pública, estamos a falar de instrumentos que à partida não seriam eficientes, uma vez que foram desenhados, pensados e construídos na década de 70, logo após uma revolução e da reinstalação da democracia em Portugal. E isso é uma matéria que, como deputado, me parece que é de valorizar, temos tendência a esquecer os méritos da nossa democracia e da nossa constituição, e este é um dos méritos que eu, como deputado, percebi que facilitou toda esta resposta global que foi lançada pelos três pilares da nossa democracia, Governo, Assembleia e Presidente da República. Porque quando se instaurou e renovou o Estado de Emergência, e estamos a falar da diminuição de direitos, liberdades e garantias, e tudo feito num contexto de enorme aceitação pública e popular, o que também demonstrou que existe uma relação de confiança muito elevada entre o eleitor e o eleito. É certo que o contexto da crise acabou por facilitar essa relação de confiança, mas volvidos mais de 12 meses desde o início desta pandemia, e prevalecendo até há pouco o Estado de Emergência, e apanhando umas eleições presidenciais pelo meio, em que o Presidente da República em funções foi reeleito de forma, do meu ponto de vista, esmagadora e clarificadora, mostra que o sistema democrático conforme o temos tem alicerces profundos, e com uma base de aceitação pública e popular muito elevada. E isso também se deve aos políticos que, neste momento, desempenham as funções de maior responsabilidade, não só o Presidente da República como o Primeiro Ministro, como a própria Assembleia da República no geral que têm estado à altura das suas responsabilidades. Portanto, termino este comentário como comecei, a resposta à primeira pergunta é que a democracia e os políticos foram postos à prova nesta crise, uma crise brutal, sem precedentes, e julgo que estão a superar com sucesso este desafio.

 

O inquérito ao Novo Banco vai acabar em nada?

O inquérito ao Novo Banco foi proposto por três partidos, o PS, o BE e a IL. O PS propôs o inquérito ao Novo Banco porque reinava, e ainda reina na opinião pública, um conjunto de dúvidas e suspeitas sobre a forma como o banco tem sido gerido, e quais as razões objetivas para que um conjunto de ativos esteja a gerar ao longo destes anos elevadas perdas que têm justificado a injeção de perto de 3 mil milhões de euros por parte do Fundo de Resolução, no próprio banco, e o Fundo de Resolução injeta esse dinheiro contraindo empréstimos ao Orçamento do Estado (OE). Este é um inquérito que está a funcionar já com algumas alterações que a AR fez ao regime jurídico dos inquéritos parlamentares, aliás, já a última Comissão de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos, funcionou ao abrigo de um novo regime jurídico. E essas alterações foram importantes porque desde o primeiro Inquérito Parlamentar que a AR ficou privada de um conjunto de documentação e de depoimentos que não eram transmitidos ou não eram realizados porque as entidades ou o depoente refugiavam-se no segredo bancário, no sigilo profissional e essas comissões de inquérito ficaram sempre muito limitadas no seu trabalho, não tiveram acesso a muita informação essencial para produzir resultados e conclusões mais objetivas de interesse judicial. Porque a AR e o inquérito, não se substituem aos tribunais, nem a AR é um tribunal, nem os deputados são juízes desse tribunal. O papel do inquérito é fazer um inquérito público e apurar factos e matéria que possam ser suscetíveis de matéria judicial. Porque o Ministério Público (MP) acompanha os trabalhos das Comissões de Inquérito e toda a documentação que o inquérito obtém é todo ele disponibilizado ao MP que é a quem compete depois abrir um inquérito, ou mais do que um, em função daquilo que ficar provado na comissão de inquérito. Convém enquadrar isto e clarificar porque a esmagadora maioria das pessoas que me abordam sobre os inquéritos parlamentares está convencida que a comissão de inquérito pode substituir-se ao tribunal e esse não é o nosso papel nem temos competências para isso. Porque é que eu fiz aquela introdução relativamente à evolução dos instrumentos que nunca estiveram à disposição dos inquéritos parlamentares e agora estão? Porque quando solicitamos um documento ao Banco de Portugal, ao Novo Banco, ao Fundo de Resolução ou ao Governo, às próprias empresas envolvidas, devedores do Novo Banco, nenhum deles se pode recusar a enviar informação completa. Antes, o que acontecia é que enviavam informação completamente rasurada, ou seja, não se conseguia depreender nada da informação que era dada, páginas em preto e a informação relevante rasurada, ou até nem enviavam, alegando sigilo bancário ou sigilo profissional. Alguns depoentes iam aos inquéritos e diziam que não podiam responder às perguntas porque estavam debaixo do sigilo profissional e bancário. Hoje, isso não acontece. Todos os depoentes e todas as entidades estão obrigadas a enviar informação por completo e a prestar toda a informação ao inquérito parlamentar.

 

Mas para que se possa perceber, nomeadamente quem não acompanha o que se passa, quando foi criado o Novo Banco, foi criado como um Banco Bom, sem problemas. E o banco mau que era aquele que deveria estar neste momento sob inquérito e que tinha problemas, afinal os portugueses ficam a entender que o banco não era bom. Mentiram mais uma vez aos portugueses porque não deveria ter estes problemas e devedores… Como é que isso se explica aos portugueses?

A verdade é essa que retratou. O Novo Banco não é um banco bom. Acabará por ser um banco bom depois da limpeza que se está a fazer a um conjunto de ativos maus do banco através de dinheiro do Fundo de Resolução.

 

Mas, então, quem enganou os portugueses?

Quem enganou os portugueses foi o Governador do Banco de Portugal e o Primeiro Ministro à época, que, a 3 de agosto de 2014, quando anunciaram a resolução do BES e a criação de um banco bom, enganaram obviamente os contribuintes e os portugueses. Desde cedo se percebeu que o Novo Banco tinha problemas graves, aliás, esta comissão de inquérito já nos deu a saber através das atas do conselho de administração do Novo Banco, através da troca de correspondência entre o Novo Banco e o Banco de Portugal que, por exemplo, com menos de um mês de vida o Novo Banco já informava o Banco de Portugal que tinha no seu balanço um conjunto de ativos insuficientemente provisionados que estavam a gerar problemas graves de liquidez ao Banco, e de necessidades de capital. Portanto, antes de completar um mês de vida, a administração do Novo Banco, que como sabe nas primeiras semanas foi liderado por Vítor Bento, viu-se desde início confrontada com esse problema.

 

Quer dizer que logo na génese, houve interesses que levaram a que a escolha entre o que ia para o mau e o que ia para o bom?

Sim, quem acompanha de perto já se apercebeu disso. Quando criaram o Novo Banco, definiram um montante para a criação do Novo Banco, 4 mil e 900 milhões de euros. Foi o capital inicial do Novo Banco. O problema é que foram ao BES e tiraram de lá todos os ativos que não estavam relacionados com a família Espírito Santo e com as outras sociedades do Grupo Espírito Santo. E deixaram no BES os ativos e os passivos, que tem a ver com a ordem dos credores, e do lado dos ativos optou-se por deixar no BES, no chamado banco mau, todos os ativos relacionados com o Grupo Espírito Santo, com os seus acionistas e partes interessadas, etc. E levou-se para o Novo Banco todos os outros ativos e dentro desse pacote, estava um conjunto de ativos relacionado com os grandes devedores.

 

Que tinham ligações diretas ou indiretas com a família Espírito Santo…

Basicamente, para terem conseguido créditos de centenas de milhões de euros com garantias, muitas delas, que não eram reais, foram créditos de favor, não tenho dúvidas quanto a isso. Sociedades como o Grupo Moniz da Maia, Prebuild, Promovalor, Ongoing, estes quatro são os grandes devedores do Novo Banco, que todos juntos já ultrapassaram os mil milhões de euros de perdas no balanço do Novo Banco. Perdas que depois são retratadas no balanço como imparidades, ou seja, obrigam à injeção de capital. Portanto, o Novo Banco, quando nasceu, nasceu com estes ativos no seu balanço, e estes ativos passaram sobrevalorizados, ou seja, como a decisão de criar o Novo Banco passou por injetar só 4 mil e 900 milhões de euros, hoje, nós no inquérito já e consensual que esse capital era insuficiente. O Novo Banco quando foi criado precisava à cabeça, no mínimo, do dobro do valor. Só que isso, obviamente, era muito difícil explicar ao país. Quero recordar que semanas antes o ex-Presidente da República, Cavaco Silva, deu uma garantia pública ao país quanto à solidez do BES. E era muito difícil explicar ao país que no dia 20 ou 21 de julho de 2014 o então Presidente da República dá garantias quanto à solidez do BES, e o BES tinha concluído há dias um aumento de capital de mais de mil milhões de euros, autorizado pelas autoridades, Banco de Portugal e CMVM, e no dia 3 de agosto anuncia-se ao país que afinal o BES colapsou e que para isto não afetar o sistema financeiro ia-se resolver deixando o BES com os ativos maus e criar um banco bom que supostamente iria ter os ativos viáveis. Se fosse dito ao país que a verba necessária para o banco bom era de cerca de 10 mil milhões de euros, era muito difícil de explicar que o mesmo banco passou de sólido a colapsado e que o melhor que o banco tem custaria 10 mil milhões de euros. Então, decidiram sossegar a opinião pública com uma mentira que foi a de que o banco mau não iria custar nada aos contribuintes, embora já custou bastante, porque foi necessário constituir um Fundo de Recuperação de Créditos para os lesados do papel comercial da Rio Forte e da ESI, fundo que foi criado com garantia do Estado e esses detentores do papel comercial passaram os seus direitos para esse Fundo, que está nos tribunais a tentar transformar direitos em dinheiro para remunerar o Fundo. Mas, no fim, vai haver uma diferença entre aquilo que o Fundo já pagou aos lesados e o valor que o Fundo está a recuperar nos tribunais e essa diferença será coberta pelo Estado. Portanto, o banco mau também vai custar muitos milhões de euros ao Estado. O banco bom, teoricamente não custará dinheiro ao Estado, porque o Fundo de Resolução é capitalizado pelos bancos, pela concorrência, por todos os bancos que participam no sistema financeiro português. E todos os anos os bancos contribuem para o Fundo de Resolução, ou seja, o Orçamento de Estado empresta dinheiro ao Fundo de Resolução, e o Fundo tem de pagar ao longo de x anos, ao Estado. Sensivelmente em 2045, o Fundo de Resolução termina de pagar ao Estado, com juros, os empréstimos que o Estado está a fazer ao Fundo de Resolução, que até agora foram 3 mil milhões de euros para o Fundo injetar no Novo Banco. Mas o Fundo de Resolução também já pagou a fatura do Banif e quase ninguém fala sobre isso. E esse dinheiro já foi pago pelo Fundo de Resolução ao Estado através das contribuições anuais da restante banca. Portanto, no plano puramente teórico, a verdade é que o Estado não vai ter um cêntimo de prejuízo com os empréstimos que está a fazer ao Fundo de Resolução. No plano imediato, sim, o Fundo de Resolução não consegue meter dinheiro no banco a não ser que vá à banca. Essa é uma possibilidade, mas a outra é o que tem acontecido ao longo dos anos, que é o Fundo de Resolução pedir dinheiro ao Estado e depois paga em x anos. Mas o facto de o Estado vir a ser ressarcido por completo desse dinheiro que empresta ao Fundo de Resolução, não impede nem impossibilita o Estado de fiscalizar e escrutinar ao máximo a gestão do Novo Banco. E é isso que procuramos fazer no Novo Banco.

 

 

Mas o Novo Banco é um banco bom?

Não é um banco bom. Aliás, se o Novo Banco fosse um banco bom teria sido vendido, em 2015, porque na altura em que prometeram que o Novo Banco era um banco bom, quando o ex-Primeiro Ministro Passos Coelho e o ex-Governador Carlos Costa, anunciaram ao país a resolução do BES e a criação de um banco bom, anunciaram também que ele seria vendido em 2015, e que todo o dinheiro que tinha sido injetado no Novo Banco, os 4.900 milhões de euros, seria recuperado através da compra do Novo Banco. E essa promessa falhou. No dia 15 de setembro de 2015 o Banco de Portugal anunciou a suspensão da venda do Novo Banco. Recentemente, eu anunciei que o PS iria requerer, e requereu, o depoimento escrito do ex-Presidente da República, Cavaco Silva, o depoimento escrito do ex-Primeiro Ministro Passos Coelho, e o depoimento escrito do ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso e a lição presencial do ex-Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, Carlos Moedas. A audição ao Carlos Moedas já se realizou, e as respostas às perguntas que o PS fez aos outros três também já foram respondidas, e numa das respostas que fizemos ao ex-Primeiro Ministro ele, do meu ponto de vista, explica-se de uma forma muito incoerente. Ou seja, em 2015, a venda falhou mas a responsabilidade não foi dele, foi do Governador do Banco de Portugal que, ainda para mais, deu um dado novo que não se conhecia, porque ele diz que o Governador lhe foi criando uma expetativa muito positiva quanto à venda do Novo Banco em 2015 e que ficou muito surpreendido quando lhe comunicou que afinal a venda não ia avançar. Mas o que é certo é que foi o próprio Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho que prometeu vender o banco em 2015. Não foi só o Governador. Mas a incoerência da resposta dele é que em 2015 ele atribui a responsabilidade ao Governador, em 2017 quando o banco foi vendido aí a culpa já é partilhada entre o Governador e o Primeiro Ministro António Costa. Portanto, o quadro legal é o mesmo, o Novo Banco passou a ser um banco supervisionado pelo Banco Central Europeu, no tempo da resolução do BES, o BES era um banco supervisionado pelo Banco de Portugal. Há diferenças entre um banco ser supervisionado pelo Banco de Portugal ou ser supervisionado pelo mecanismo único de supervisão/ Banco Central Europeu porque o acesso à informação e o controlo sobre a supervisão, é diferente de estar aqui dentro de portas ou estar em Bruxelas ou Frankfurt. Aqui a questão, do meu ponto de vista, é que perante o mesmo quadro legal e até com a subida de patamar de supervisão, para um mecanismo único de supervisão, das duas uma, ou a responsabilidade da resolução e da venda falhada e da venda é do Banco de Portugal e ponto final, ou se o ex-Primeiro Ministro acha que em 2017 a responsabilidade da venda é partilhada por ele, pelo Banco de Portugal, pelo Primeiro Ministro e pelo Governo, então em 2015 também porque ele produziu declarações públicas a assegurar que o banco seria vendido. Aliás, depois do Banco de Portugal ter anunciado a suspensão da venda do Novo Banco em 2015, em setembro, o próprio Primeiro Ministro Passos Coelho veio dar garantias de que a venda iria surgir, e iria ser feita até com lucro para o Estado. Portanto, ele veio cobrir a decisão de suspender a venda do Novo Banco.

 

Ele afirmou que iria ter lucro para o Estado e o deputado acabou de afirmar também que também não vai ter prejuízo para os contribuintes. Ou seja, que este negócio, no fim, vai dar zero a zero.

É verdade.

 

Então os portugueses não têm de estar preocupados com a injeção de capital?

Têm de estar preocupados na medida em que, neste momento, é o Estado que tem emprestado o dinheiro ao Fundo de Resolução. Como expliquei, o Fundo de Resolução é uma entidade que é capitalizada anualmente pelos bancos, ou seja, os bancos é que contribuem para o Fundo de Resolução.

 

Mas para o Estado perder esse dinheiro, a banca toda teria de colapsar em Portugal…

Exatamente, tinha de haver um colapso no sistema financeiro.

 

E há essa hipótese?

Não, esta crise também veio por à prova o nosso sistema financeiro. E há dias também soubemos que a Comissão Europeia deu por concluído a monitorização e plano de restruturação da Caixa Geral de Depósitos, que foi outro plano de capitalização que gerou grande polémica e interesse por parte da opinião pública, e foi concluído com sucesso com uma nota muito positiva por parte da Comissão Europeia. Isto porque a CGD é o maior banco a operar em Portugal, é o pilar do nosso sistema financeiro, e portanto, o nosso sistema financeiro e a recuperação económica do país precisam da CGD sólida e que consiga trabalhar com o tecido empresarial, com as nossas empresas, principalmente as PME, com as condições de capitalização de liquidez que são necessárias para que o sistema financeiro acompanhe a recuperação económica do país. Na altura, essa recapitalização foi olhada com muita suspeita, porque as pessoas achavam que aquele dinheiro era injetado a fundo perdido. E se olhar para os números da CGD de 2018 a 2020, recordo que a recapitalização foi em 2017, se virmos os dividendos que a CGD já distribuiu ao Estado e anunciou agora há dias que vai distribuir, respeitante a 2020, mais de 80 milhões de euros de dividendos ao Estado, e os lucros que o banco já gerou, apesar destes 13 meses e adivinha-se mais alguns de crise económica que vivemos e a CGD não passa ao lado disso, mas mesmo assim tem gerado lucro e tem distribuído dividendos para o Orçamento do Estado. Ou seja, todos os anos, a CGD entrega ao Orçamento de Estado parte do produto do seu lucro.

 

Então a Caixa Geral de Depósitos já não é um problema, está no bom caminho?

Exatamente. Além de ser, neste momento, um banco sólido, e um referencial de confiança, a CGD está a retribuir o dinheiro que o Estado lá colocou em 2017. E no dia em que retribuir a totalidade do que lá foi injetado, obviamente que todos os anos a CGD vai gerar uma receita extraordinária para o Orçamento do Estado e isso é extremamente positivo. Por isso é que eu acredito muito que o Estado é capaz de gerir grandes empresas e gerir principalmente ativos estratégicos não só no setor financeiro a CGD foi alvo, várias vezes, do apetite de alguns concorrentes…

 

E até chegou a ser equacionada a venda.

Sim, esteve várias vezes debaixo de uma privatização, houve a tentação várias vezes de privatizar a Caixa Geral de Depósitos e a verdade é que ainda existe uma larga maioria parlamentar à esquerda, e também à direita, que defendem que a CGD deve continuar a ser 100 por cento pública. Se eu já pensava assim antes destes escândalos e destes problemas graves do setor financeiro, mais seguro fiquei dessa perceção e dessa convicção porque, de facto, nós precisamos que o maior banco a operar em Portugal, que tem mais clientes, que tem mais ativos, seja um banco 100 por cento detido pelo Estado. Não pelo facto do Estado puder usar o banco de forma desleal do ponto de vista concorrencial, não para desvirtuar a concorrência nem o mercado, mas porque a CGD tem que ser o banco que, ao contrário do que aconteceu sempre, o Estado possa monitorizar para que a CGD não embarque em algumas aventuras que possam colocar em risco o seu futuro. E a CGD, ao ser o banco com mais clientes particulares, com o maior montante de ativos no sistema financeiro, tem uma responsabilidade que o colocam como o banco de referência, como o banco líder do sistema financeiro. Portanto, esta decisão da Comissão Europeia é um voto de confiança ao sistema financeiro também português. Se esta monitorização não fosse concluída com nota de sucesso, os mercados, os investidores internacionais que estão muito atentos a estes sinais, a estas decisões das autoridades máximas, não iriam ficar sossegados quanto à nossa economia e ao futuro imediato da nossa economia. Acho que foi uma decisão muito positiva.

 

Mas regressando à questão do Novo Banco, em que patamar estão as conclusões?

O Tribunal de Contas, a pedido do Parlamento, está a concluir uma auditoria especial à gestão do Novo Banco relativamente aos ativos que têm gerado as perdas imputadas ao Fundo de Resolução. E essa auditoria também nos dirá se, em algum momento, o interesse público foi desprotegido ou lesado ao longo destes anos de vida do Novo Banco. O que é certo é que, do meu ponto de vista, aquilo que compete ao poder político, quer ao Governo, quer à Assembleia da República, é fiscalizar a gestão do Novo Banco do ponto de vista do interesse público. É certo que o nosso sistema financeiro ficou defendido com a venda do Novo Banco, em 2017, mas o Novo Banco quando foi criado, a 3 de agosto de 2014, foi criado com uma autorização especial de ser um banco de transição, só tinha dois anos para ser vendido, até agosto de 2016. Portanto, estava imposta uma pressão muito grande junto das autoridades portuguesas, quer o Governo, quer o Banco de Portugal, para que o Novo Banco fosse vendido em dois anos. Ao mesmo tempo, o Banco Central Europeu passou a ser o supervisor do Novo Banco porque o Novo Banco foi criado como plano de reestruturação, ou seja, foi criado com metas específicas, diferentes das metas que o supervisor impõe a outros bancos que supervisiona. Como banco de transição, foi-lhe imposto a venda daquilo que não pertence à atividade principal de uma instituição bancária. E foi por isso que o Novo Banco foi obrigado a vender as sociedades que tinha, onde tinha participações no ramo dos seguros, no ramo da saúde, como também aquele pacote de ativos chamados NPL, Ativos Não Produtivos, que são imóveis ou créditos em relação aos quais a taxa de recuperação é quase zero, e foi obrigado a alienar em pouco tempo esse conjunto de ativos. Esta pressão que tem sido colocada ao longo destes anos ao Novo Banco para alienar este conjunto de ativos tem levado o Novo Banco a realizar vendas, muitas delas muito discutíveis, relativamente ao valor da venda e a quem vendeu, se são partes interessadas ou relacionadas ou não, e mais concretamente o valor da venda, muito abaixo do preço de mercado. Mas a questão essencial é se a venda do banco em 2017 defendeu ou não o interesse público. O que é que teria acontecido ao Novo Banco se não fosse vendido em 2017? Tinha acontecido a liquidação do banco, que tinha custos muito maiores para o Estado e para os contribuintes, para os depositantes. E julgo que é uma conta muito difícil de fazer com rigor, mas a ordem de grandeza dessa conta percebe-se bem que é muito superior àquela que são os 3 mil milhões de euros que o Fundo de Resolução tem injetado no banco. Portanto, entre a liquidação do banco e a venda do banco, não tenho dúvidas que o interesse público ficou defendido com a venda do banco.

 

E as notícias continuam a surgir com as novas audições.

Sim, ainda recentemente o tribunal de contas submeteu à AR o relatório da auditoria que o Parlamento tinha requerido ao próprio Tribunal de Contas sobre a gestão do Novo Banco e esse relatório concluiu que a venda do Novo Banco em 2017 salvaguardou o interesse público na medida em que evitou a liquidação do banco e um risco sistémico, um contágio aos restantes bancos do sistema financeiro. O Tribunal de Contas apontou algumas conclusões críticas em determinadas áreas como o reporte informativo que o Novo Banco presta ao Fundo de Resolução a quem compete avaliar e verificar os valores da chamada de capital do Novo Banco ao Fundo de Resolução, é um reporte informativo que segundo Tribunal de Contas precisa de ser bastante melhorado. Critica também o Tribunal de Contas ao conflito de interesses ao nível das funções do conselho diretivo do Fundo de Resolução, do conselho de administração do Banco de Portugal e da administração do Novo Banco e auditores contratados, o Tribunal de Contas defende a separação de funções, por exemplo, é o Banco de Portugal que nomeia o conselho diretivo do Fundo de Resolução, ao mesmo tempo que o Banco de Portugal apoia o Banco Central Europeu na supervisão do Novo Banco. E há aqui interesses que acabam por se misturar e o Tribunal de Contas aponta isso como uma conclusão crítica. A venda do Novo Banco em 2017 não foi uma opção do Banco de Portugal nem do Governo, foi uma obrigação, ou era vendido em 2017 ou caía. O Tribunal de Contas concluiu que a liquidação do banco tinha custos brutais para as finanças públicas e para os contribuintes. Para as finanças públicas porque tinha que assegurar desde logo as despesas inerentes ao conjunto de lesados, ao Fundo de Garantia de Depósitos que tinha que ser financiado para assegurar os depósitos até 100 mil euros, como também o impacto nos juros da dívida pública que seria certamente largas centenas de milhares de euros, que teria a liquidação de um banco em 2017. E teria custado ainda mais porque iria contagiar o sistema financeiro numa altura em que a CGD se estava a recapitalizar, e que o BCP e o BPI também estavam em processos de reestruturação e recapitalização e o sistema financeiro afetado pela queda de um banco importante como o Novo Banco o país, as finanças públicas e os contribuintes iriam assumir um prejuízo muito mais elevado que a venda. A venda foi feita ao único interessado que chegou à etapa final da aquisição do Novo Banco, mas algumas condições de venda que nos suscitam muita contestação ao longo destes anos, foram condições impostas pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu. Porque o Novo Banco foi vendido com autorização do BCE e da Comissão Europeia e a Comissão Europeia só autorizou que o Novo Banco fosse vendido se o Governo português, o Banco de Portugal provasse que o Novo Banco era viável, portanto, não bastou escolher vender, foi preciso convencer a Comissão Europeia e o BCE que o Novo Banco era viável. E para isso a Comissão Europeia aceitou o plano de reestruturação do Novo Banco impondo algumas condições que nos merecem contestação, por exemplo, o Estado tem 25 por cento do NB porque só foram vendidos 75 por cento do capital mas não tem nenhum administrador. Isso é uma imposição da Comissão Europeia. O mecanismo capital contingente foi constituído nestas condições por imposição da Comissão Europeia, portanto, não bastou ao Governo escolher vender, o Governo teve que aceitar as imposições da Comissão Europeia que só considerou que o banco era viável nestas condições. Mas a pergunta que foi feita ao Tribunal de Contas pelo Parlamento foi se o financiamento do NB salvaguarda o interesse público e o Tribunal de Contas respondeu sim, na medida em que evitou a liquidação do banco dando o contributo para a estabilização do sistema financeiro e evitando um risco sistémico.

 

Porquê a venda do banco nestes moldes?

Houve esta necessidade porque só houve uma proposta para adquirir o Novo Banco, só havia um concorrente que foi quem adquiriu o Novo Banco, a Lone Star através de uma sociedade chamada Nani Holdings. A única proposta que chegou ao fim do processo de venda foi essa. E naquele momento ou o Banco de Portugal em nome do Estado vendia o Novo Banco à Lone Star ou liquidava o banco. Se liquidasse o banco era um prejuízo brutal, imediato e irreversível para os contribuintes e para o Estado. Não havia forma de recuperar aquele prejuízo. Se fosse vendido nestes termos, no médio longo prazo, o Estado fica ressarcido. Quem sai a perder são os outros bancos concorrentes que todos os anos contribuem regularmente para o Fundo de Resolução, que é com esse dinheiro que o fundo paga os empréstimos, mas que depois não vão ser ressarcidos neste horizonte temporal. Este foi o primeiro e das poucas experiências que a Comissão Europeia fez na Europa toda. O BES foi a primeira experiência deste modelo de resolução e poucas mais experiências ocorreram deste género na Europa. É humanamente impossível resolver um banco, ou seja, chegar a uma sociedade, a uma empresa, e separar ativos e passivos num fim de semana. Se isso é quase impossível numa pequena empresa, então imagine-se num banco com a dimensão do BES. É um modelo que, do meu ponto de vista, é um modelo absolutamente errado. Essa experiência que a Comissão Europeia fez em Portugal deu mau resultado, mas depois com a venda em 2017 já não era possível recuperar esse mau resultado porque dentro do Novo Banco estava o conjunto de ativos tóxicos que vieram do BES.

 

E porque é que eles são problemáticos e tóxicos?

Porque esses ativos que eram todos créditos não cumpridos, já tinham sido reestruturados. O BES já sabia, e o revisor de contas do BES, que era a KMG, no dia da resolução, e o Banco de Portugal também já sabia, quem supervisionava e fiscalizava o Novo Banco já sabiam que os grandes devedores, não cumpriam com as suas obrigações junto do BES. E quando passaram o valor dos seus créditos para o Novo Banco, passaram pelo valor que estava no BES, quando o valor desses créditos não era aquele, porque já estavam em incumprimento há muitos anos e já tinham sido alvo de reestruturações que falharam. Ou seja, supondo um grande devedor que tinha uma exposição no balanço do BES de mil milhões de euros, se 700 milhões de euros já estavam em incumprimento, já eram ativos não produtivos, eles não deviam ter passado para o balanço do Novo Banco por mil milhões, deviam ter passado por 300 milhões porque 700 já estavam em incumprimento há muito tempo. Mas isso não aconteceu porque o capital inicial não podia ser 4.900 milhões de euros, era necessário o dobro para conseguir que o Novo Banco tivesse no seu balanço ativos problemáticos, mas suficientemente provisionados. E isso não aconteceu porque isso obrigaria que o capital inicial no Novo Banco fosse o dobro. Foi uma decisão política, há uma divergência e este inquérito também já trouxe um facto novo é que há uma versão do Banco de Portugal e uma versão do ex-Ministro das Finanças. O Banco de Portugal disse que propôs ao Governo não 4.900 mas 5.500 milhões de euros, e a ministra das Finanças e o Primeiro Ministro na resposta, porque essa foi uma das perguntas que lhe fiz, disse que sempre se falou em 4.900 milhões de euros. Portanto, há ali uma divergência de fundo entre o Banco de Portugal e o Governo da altura, mas que só agora veio ao de cima.

 

Mas mesmo assim, a diferença não seria suficiente.

Sim, não seria suficiente, mas é uma diferença de cerca de 600 milhões de euros que demonstra que havia ali uma perceção de que o capital inicial acordado não era suficiente. E o mais curioso disto é que também se descobriu neste inquérito, porque permite-nos ter acesso a todas as auditorias que foram feitas ao Novo Banco e aos grandes devedores do Novo Banco, que o Banco de Portugal contratou uma prestigiada consultora que fez os cálculos ao balanço inicial do Novo Banco. Ou seja, o Banco de Portugal pegou no balanço inicial do Novo Banco e pediu à PWC para calcular com rigor o valor dos ativos e dos passivos e ver quais os ajustamentos necessários. E a PWC calculou os ajustamentos no valor de 4.920 milhões de euros. Ora, isto é uma coincidência que confere muitas dúvidas, porque a PWC desenvolveu um estudo ao balanço do Novo Banco e chegou a uma conclusão, passados uns meses que os ajustamentos ou o balanço inicial do Novo Banco era exatamente a mesma conta que o Banco de Portugal o e Governo tinham decidido naquele dia 3 de agosto que seria o capital inicial do Novo Banco. E essa auditoria, do nosso ponto de vista, merece a máxima contestação quanto à sua credibilidade e ainda mais afetada ficou quando passado uns meses o Banco de Portugal contrata outra auditora, a Ernestyong para que avaliasse a exposição dos grandes devedores ao Novo Banco. E a Ernestyong passados seis meses, portanto, a auditoria da PWC é de dezembro de 2014 e esta é de junho de 2015, vem dizer que há uma diferença de 600 milhões de euros. E essa diferença foi a mesma que foi identificada inicialmente pelo Banco de Portugal e que não foi aceite.

 

Mas onde está a diferença dos 5.500 para os 10 mil milhões?

Essa diferença decorre de dois fatores. A auditoria da Ernestyong foi sobre os grandes devedores, que são a maior fatia das perdas do Novo Banco, mas não são toda a fatia, existe uma elevada percentagem de perdas que foram registadas por outros devedores, pequenos e médios devedores, e também porque o grau de degradação dessa exposição desses grandes devedores foi aumentando e as perdas que foram registando ao longo dos últimos anos foram aumentando. Portanto, a questão essencial é saber se a venda defendeu ou não o interesse público, e sim, defendeu através da estabilidade do sistema financeiro. A venda contribuiu para que o nosso sistema financeiro caminhasse na sua consolidação e recordo que nesse período de 2017, tivemos a recapitalização da CGD, a venda do Novo Banco, houve uma reestruturação acionista e uma recapitalização no BCP e no BPI. Portanto, os maiores bancos portugueses, a operar em Portugal, estavam em processos ou de recapitalização ou reestruturação.

 

 

Mas com tudo o que acaba de dizer, e com tudo o que já percebeu, vendo de fora diria que os portugueses são masoquistas ao terem-se mantido clientes do Novo Banco, sabendo que podiam perder o dinheiro a qualquer momento. Mas continua a ser um dos maiores em termos de clientes…

Confiaram. O BES era o grande banco das PMEs, e agora o Novo Banco herdou essa liderança. É um banco essencial até nesta altura de recuperação económica, de ligação às PMEs. Mas o Novo Banco era um banco 100 por cento do Estado até ser vendido. Depois da venda, 75 por cento do capital do banco passou para as mãos de um grande fundo internacional que oferece condições de estabilidade ao Novo Banco, e 25 por cento continua nas mãos do Estado. Ainda para mais com estas condições que o Novo Banco tem relativamente àquele conjunto de ativos maus, o Novo Banco está protegido. E se for analisar as contas do Novo Banco nos últimos dois anos e se tirar do balanço estes ativos maus, o Novo Banco tem gerado resultados positivos. Portanto, o que está a afetar o balanço do Novo Banco são estes ativos maus.

 

Ativos maus que não deveriam ter transitado para o Novo Banco…

Ou deviam ter transitado pelo valor real e não pelo valor que estava no balanço do BES. Esse foi o grande e grave problema da vida do Novo Banco, foi ter no seu balanço ativos que não valiam o que estava escrito no balanço.

 

 

 

“A confiança dos cidadãos no sistema financeiro está recuperada”

O setor económico em Portugal vai ter um período até o Novo Banco e um pós resolução do Novo Banco, ou seja, pós resolvido este problema do Novo Banco, a economia vai respirar melhor e a confiança dos cidadãos será maior?

A confiança dos cidadãos no sistema financeiro está recuperada. Os bancos que operam em Portugal transmitem confiança, aliás, ninguém fala do Banco Popular que caiu nas mãos do Santander por um euro porque colapsou, mas como foi vendido por um euro ao Santander e não custou nada aos contribuintes portugueses, e podia ter custado também, é um assunto que ninguém fala, que ninguém se recorda, mas também foi apanhado na tempestade. A operação do Banco Popular em Portugal foi vendida ao Santander por um euro.

 

Santander que continua a colher milhões de lucro do negócio feito no Banif e no Banco Popular, que eram bancos que estavam com um enorme prejuízo e mal passaram para o Santander passaram a dar lucro. Não terá havido aí algo de estranho?

O Banco Popular era um banco privado, não custou nada aos contribuintes.

 

Mas o caso do Banif, por exemplo, afetou gravemente os Açores e a Madeira…

Mas o Banif caiu essencialmente não por gestão danosa, ao contrário do BPP, BPN e do BES, e no caso do BES cometeram-se todo o tipo de crimes, mas o Banif caiu essencialmente por decisões erradas na gestão estratégica do banco. Não foi uma queda danosa, parte do banco ficou no Estado, e a parte que tinha interesse de mercado ficou nas mãos do Santander. O que aconteceu com o BPP, parte do BPP foi vendida ao Eurobic e outra parte ficou nas mãos do Estado e custou e continua a custar todos os anos. O caso do Banif há um veículo do Banif que tem gerado resultados positivos, portanto, a resolução do Banif não é comparável com a resolução do BES.

 

E o Montepio, chegou a pensar-se que estaríamos perante um mini BES. Isso felizmente está afastado?

Eu punha a questão ao contrário. Nós não temos nenhuma informação de que o Montepio esteja a viver um problema de pré-colapso. É um banco que é devidamente supervisionado, que é devidamente fiscalizado, hoje os poderes da fiscalização, da supervisão e da regulação são muito elevados, incomparáveis com o que era o quadro até 2019, portanto não temos nenhuma informação que nos levante qualquer tipo de receio relativamente ao Montepio. Sobre o Novo Banco, para concluir, a defesa do interesse público é a questão chave naquilo que é a fiscalização do Novo Banco. Em 2015, quando decidiram suspender a venda do Novo Banco fragilizaram o valor económico do banco porque até àquele dia, todos estávamos convencidos que era um banco com valor de mercado. Porque as notícias só diziam que havia mais de uma dezena de concorrentes à aquisição do Novo Banco. E na verdade houve, e ainda é um pouco misteriosa a decisão de não vender o Novo Banco em setembro de 2015. A partir do momento em que se tem um quadro em que tem muitos concorrentes para comprar um banco, mas depois quem tem o banco decide não o vender, há algo que fica por explicar. Aliás, perdeu-se uma oportunidade para vender o Novo Banco, hoje sabemos através do inquérito que todas as propostas eram bem melhores do que a venda de 2017, mas havia ali algo que o Banco de Portugal e o Governo não quiseram falar publicamente. É que estes ativos passaram a ser do conhecimento dos interessados, e os interessados que passaram à fase final das propostas vinculativas, quiseram conhecer profundamente estes ativos e conheceram. Este inquérito também já nos deu a saber que conheceram profundamente estes ativos. A Ernestyong, que foi contratada para acompanhar o processo de venda do Novo Banco, disse-nos no inquérito que os concorrentes interessados acompanharam de perto, e o Banco de Portugal também, os ativos mais problemáticos. E o Banco Central Europeu estava a iniciar uma auditoria especial aos ativos do Novo Banco. Portanto, os concorrentes perceberam que havia um conjunto de milhares de milhões de euros de ativos que precisavam de uma visão e de uma avaliação especial, que essa avaliação tinha um impacto na proposta de venda, e não podiam arriscar uma proposta de aquisição final sem conhecer, em detalhe, cada um desses ativos e começaram a exigir um conjunto de garantias que o Banco de Portugal e o Governo não estavam disponíveis para dar naquela altura depois das promessas todas que fizeram um ano antes. E então decidiram suspender a venda, não só porque não o iam vender pelo valor e condições que prometeram, como também os interessados na aquisição do banco tinham percebido que havia ali um conjunto de ativos sobre os quais precisavam de muita e melhor informação. E também sabiam que estava em curso uma auditoria, por parte da Ernestyong e por parte do Banco Central Europeu uma avaliação da adequação dos fundos próprios. E o curioso disto tudo e que ninguém sabe responder é como é que a Ernestyong foi contratada para fazer uma auditoria relacionada com o processo da venda do banco e entrega a mesma no dia 3 de outubro e o Banco de Portugal decide suspender a venda a 15 de setembro? Como é que o Banco de Portugal, antes de ter a auditoria na mão, decide suspender a venda? E eu recordo que o dia 3 de outubro caiu muito em cima das eleições legislativas de 2015, portanto, antes das eleições iria conhecer-se o relatório da auditoria da Ernestyong. Antes que isso fosse um assunto público, antes que este conjunto de ativos fosse um assunto público, decidiu-se suspender a venda a poucas semanas das eleições legislativas e antes da auditoria poder cair na comunicação social e causar uma bomba no sistema financeiro e contradizendo até o discurso do Banco de Portugal e do Governo.

 

 

 

Orçamento de Estado para 2021

Vamos entrar num novo ciclo com o novo Orçamento de Estado?

Em abril discutimos no Parlamento o programa de estabilidade, com a programação de política económica e orçamental para o país até 2025 que é um documento que todos os anos o Governo tem de submeter à Comissão Europeia e tem que discuti-lo com a Comissão Europeia. No plano do Parlamento este documento não é votado, é discutido, houve projetos de resolução de recomendação apresentados por alguns partidos mas o documento em si não é votado, é discutido no Parlamento, quer na Comissão de Orçamento quer o plenário da Assembleia. É evidente que este programa de estabilidade inicia um novo ciclo porque todos os outros foram preparados para um ciclo que não enfrentava nem esperava enfrentar uma pandemia, mas este programa de estabilidade está pensado e foi preparado pelo Governo para a recuperação económica do país e podemos dividir o programa de estabilidade em dois tempos. Os primeiros dois anos que tem uma perspetiva de crescimento económico acumulado superior a 9 por cento, portanto, a economia irá crescer 4 por cento em 2021 e 4,9 por cento em 2022, isso significa que o crescimento real acumulado será superior a 9 por cento, agora, este programa de estabilidade e as previsões económicas e orçamentais do Governo, são feitas num quadro de alguma incerteza, que é a incerteza da evolução da pandemia, da crise de saúde pública. Sabemos que, nestes dois anos, as regras orçamentais do pacto de estabilidade ao nível europeu e da Zona Euro estão suspensas, portanto, as metas do défice e dos 3 por cento do PIB e a meta da dívida pública, estão suspensos porque a Europa, e bem, percebeu que esta é uma crise que não é uma crise só de alguns países, é uma crise transversal e com impactos demolidores em todos os países, e a resposta à crise passa pelo aumento da despesa pública, necessariamente, e se a despesa pública aumenta com uma queda de receitas os défices aumentam e aumenta a dívida pública. Portanto, nos dois primeiros anos sabemos que estão suspensas estas regras orçamentais, contudo, estas previsões são feitas num quadro em que a pandemia parece entrar numa reta final mas ainda é muito inseguro afirmar que estamos na reta final da pandemia. É também neste momento que soubemos, na altura do debate do programa de estabilidade, da execução orçamental do primeiro trimestre. E a execução orçamental diz-nos que as empresas receberam 1182 milhões de euros de apoios diretos, sabemos também que a Segurança Social já suportou mais de 800 milhões de euros com despesas Covid. Sabemos também que o SNS nos primeiros três meses gastou mais 160 milhões de euros do que no período homólogo de 2020. Estes são números que nos transportam para uma ordem de grandeza que nos permite afirmar que o Governo não está a poupar esforços orçamentais para responder à crise. Aliás, alguns destes números, apesar de serem números de três meses, são superiores ao ano todo de 2020.

 

Mas também estamos a falar da época em que a Covid esteve nos números máximos a nível nacional.

Sim, estamos a falar de uma época que corresponde a um período de confinamento geral em que a economia caiu bastante, se calhar foi a maior queda da nossa economia, o trimestre em que a economia caiu mais, em cima de outra queda e isto tem de ser analisado com este detalhe, que é uma queda em cima de uma grande queda. É evidente que quando a recuperação económica se inicia depois de duas grandes quedas, e refiro-me aos dois grandes confinamentos, a recuperação económica também apresenta números elevados. Mas em termos daquilo que é a destruição ou a degradação da nossa base económica, ela foi muito destruída neste confinamento, e por isso é que o Governo tinha de estar à altura dessa responsabilidade e desse desafio e dessa exigência. E isso foi um compromisso que o Governo assumiu, que o grupo parlamentar do PS também assumiu, de não pouparmos esforços do combate à crise. Mas isto não terminou, porque apesar de estarmos a viver já um momento em que vemos sinais de recuperação económica, e de ser o momento em que a bazuca financeira está quase a entrar em Portugal e é muito importante que as empresas, as autarquias e o Estado estejam preparados para submeter projetos rapidamente ao plano de recuperação e resiliência porque esse é o principal desafio que temos no âmbito dos fundos europeus, o Governo ainda tem de continuar a apoiar nos próximos meses, muitas famílias e muitas empresas. As empresas do setor mais atingidos e que serão as últimas a poderem regressar à sua atividade normalizada, e as famílias que trabalham nesses setores e que muitas delas perderam o emprego. Um segundo momento do programa de estabilidade são os anos 2023/24 e 25, apesar do programa de estabilidade estar construído num cenário de políticas invariantes o que é certo é que perspetivamos que a recuperação económica do país será feita através de um impulso forte do investimento privado e também público, através dos fundos europeus, e do aumento exponencial das exportações que estão a dar sinais também nos últimos meses de dinâmica e de perspetivas de uma recuperação rápida.

 

E mantém os acordos com os partidos da chamada geringonça?

O Primeiro Ministro deu uma entrevista há dias a um órgão de comunicação social nacional e essa entrevista fez com que alguns analistas dissessem que o PM quis recuperar as pontes de diálogo com o PCP, com o BE, com o PEV e com o PAN para a viabilização do OE para 2022. Muitos questionam o posicionamento político ou parlamentar do PS relativamente aquilo que foram os seus parceiros de geringonça e que são e assumimos sempre os nossos principais parceiros de diálogo preferenciais. O PS tem diferenças que sempre assumiu com o BE e o PCP com o PEV e também com o PAN. Mas essas diferenças, estando assumidas e identificadas, não são essas diferenças que nos afastam por completo desses parceiros preferenciais. Nós assumimos sempre que iriamos construir esta segunda legislatura com entendimentos com o BE, com o PCP, com o PEV e com o PAN, e esses foram os entendimentos que viabilizaram o OE para 2021, com exceção do BE que decidiu votar contra, e serão esses, como já fizemos questão de assumir publicamente que são os nossos parceiros para o OE para 2022. É com esses parceiros parlamentares que o PS vai dialogar a viabilização do OE e um conjunto de medidas que nos aproximam, acima de tudo, importa por em cima da mesa todas as medidas que nos aproximam em várias áreas, no trabalho, na Segurança Social, na saúde, essencialmente estas áreas que neste momento e medidas também de estímulo à economia que são as áreas que aproximam bastante o PS destes partidos.

 

Mas há a ideia que as grandes medidas são sempre tomadas com o apoio do PSD e não com esses partidos. Quando o PS quer implementar uma grande reforma não se socorre dos parceiros da geringonça e vai bater à porta do Rui Rio e até o ameaça que se não apoiar ele é o culpado pelo que acontece… em que é que ficamos, os apoios são à esquerda ou ao centro direita ou jogam em todo o campo?

A grande medida anual do parlamento é o OE. É através do OE que são tomadas as grandes decisões para o país, há matérias que ficam excluídas porque não são matérias orçamentais, como a eutanásia, a revisão da lei das finanças locais não é uma matéria que é tratada em sede orçamental, atendendo à complexidade e dimensão tem sempre um debate exclusivo, entre outros. Nas matérias que separam o PS dos seus parceiros parlamentares, o PS tem encontrado no PSD o partido melhor colocado para viabilizar determinadas medidas mas aquelas medidas que fazem a diferença na vida económica do país, essas são tomadas no plano do orçamento e o orçamento tem sido muito reformista porque as reformas não se fazem só fora do orçamento, por exemplo, no plano fiscal, quer para as famílias quer para as empresas tem sido tomadas em sede orçamental e com os parceiros parlamentares, agora nas diferenças que existem entre o PS e os seus parceiros parlamentares da chamada geringonça o PS encontrou no PSD pontualmente o parceiro mais próximo para viabilizar.

 

O enriquecimento ilícito tem sido um assunto que também voltou à ribalta…

Sim, é um assunto que também não está bem esclarecido na opinião pública.

 

A opinião pública diz que há 14 anos que se discute a penalização do enriquecimento ilícito e que o PS tem bloqueado as propostas que foram aparecendo ao longo dos anos.

Isso não é verdade. Aliás se fossemos ver a estatística das medidas que cada partido apresentou no combate à corrupção, e no caso concreto ao enriquecimento ilícito, seria para muitos uma surpresa certamente, porque importa esclarecer a opinião publica que o PS lidera esse ranking dos partidos que mais iniciativas e propostas apresentaram de combate à corrupção. Vou dar um exemplo que já foi notícia, mas escapa hoje ao radar dos mais atentos. Em 2010 o PS apresentou uma proposta para alterar o regime geral das instituições de crédito e das sociedades financeiras, tinha a ver com o levantamento do sigilo bancário. Nos processos de investigação penal só com autorização de um juiz, até 2010, é que o Ministério Público estando a investigar determinado caso podia aceder às contas bancárias do investigado ou dos investigados. O PS apresentou uma proposta em que o MP passou a poder aceder às contas bancárias dos investigados sem que essa autorização dependesse do juiz. O Banco de Portugal já informou que só entre 2015 e 2018 foram pedidos pelo MP o acesso a contas bancárias por 15 mil vezes. O Banco de Portugal ainda não informou quantos pedidos foram feitos entre 2010 e 2014 e 2019 e 2020 e agora 2021, mas pela média desses 4 anos, ultrapassa os 20 mil pedidos, portanto, esta passou a ser uma arma poderosíssima nas mãos do MP para aumentar a eficácia da investigação. Porque nós sabíamos que entre o tempo que o MP pedia ao juiz o acesso às contas bancárias e a autorização dada pelo juiz decorria muito tempo, era o tempo suficiente para que os investigados conseguissem mexer junto dos respetivos bancos e dispersar e extinguir a pegada dos capitais dessas contas bancárias. Essa foi uma proposta do PS aprovada em 2010 que passou a ser uma arma poderosíssima nas mãos do MP. Hoje em dia, os titulares de cargos políticos e públicos, já têm muitas obrigações declarativas, desde um vogal ou presidente de Junta que foi uma alteração recente em 2019, até ao PR, passando pelos deputados, presidentes de Câmara, presidentes de institutos públicos, administradores de empresas públicas, etc. Hoje, qualquer detentor de um cargo político ou público é obrigado a declarar todo o património e rendimentos que aufere, sem exceção. Quando houver dúvidas por parte do Tribunal Constitucional, que é a quem prestamos a nossa informação sobre património e rendimentos, ou por parte do MP, notificam o detentor do cargo e este justifica como é que financiou a valorização do seu acréscimo patrimonial. E se não o conseguir fazer aí sim considera-se que é um enriquecimento não justificado, se ele depois é ilícito ou não, isso são os tribunais que têm de decidir. Existe uma perceção pública geral de que os políticos não estão obrigados a nada mas isso é falso, aliás, mesmo depois de cessar funções temos alguns anos pela frente em que somos obrigados a fazer declarações de acréscimos patrimoniais ou variações de rendimentos. Como também melhoramos bastante o nível de incompatibilidades no momento em que cessamos funções e como deputado penso que tenho o dever de começar a discutir este assunto esclarecendo qual é o quadro legal atual. Depois colocam-se algumas perguntas. É possível evoluir nas obrigações declarativas? Sim, nós sabemos que é possível evoluir, não muito, mas é possível evoluir, e estamos disponíveis para evoluir. Quanto mais transparência, todos temos a ganhar. Depois colocam-se outras questões relacionadas com o quadro penal de eventuais crimes que sejam comprovados de enriquecimento ilícito, se é possível agravar as penas, é. E é nesses caminhos que o grupo parlamentar do PS se encontra, identifica-se com esses caminhos, apresentou um projeto-lei nesta trajetória e estamos disponíveis para, não abdicando de alguns princípios, como inversão do ónus da prova porque já foi testado em anos anteriores, projetos que foram aprovados na Assembleia da República que invertiam o ónus da prova ou seja é a queda da presunção de inocência, é admitir logo à partida que o detentor de cargo público ou político cometeu um crime, e isso no quadro da nossa constituição, num estado de direito como o construímos e como o defendemos, é um principio errado e o Tribunal Constitucional já rejeitou por unanimidade em vezes anteriores projetos que invertiam o ónus da prova que é um principio errado além de ser um principio que fere a nossa Constituição. Mas há caminhos alternativos e devem ser percorridos e o PS está a percorrer através de mais transparência, agravamento das penas, e agravamento das obrigações declarativas. Este é um tema sempre muito sensível porque é um tema fácil do ponto de vista daquilo que são os casos conhecidos de corrupção em Portugal, não só na política, mas também no setor financeiro e até em alguns setores da nossa economia as pessoas têm hoje, infelizmente, existe uma desconfiança considerável nas classes dirigentes não só na classe política, mas também noutras classes de dirigentes também da economia. Portanto, quem está no lugar do poder legislativo, como é o meu caso, sinto-me no dever de dar o meu contributo portanto é assim que me coloco também neste debate, sem o populismo, sem a conversa fácil de atacar a classe política, muitas vezes nós esquecemos que quando discutimos casos do político a ou do político b estamos a falar de uma minoria muito abaixo de 1% no todo da classe política. Temos de ter aqui um sentido de justiça para não tomar o todo pela parte, neste caso, por uma ínfima parte. Mas temos de acabar com isto, é uma tarefa muito difícil acabar com a corrupção, mas também a corrupção não é um fenómeno dos tempos modernos, já vem desde o Estado Novo em Portugal. Alguns tentam passar a ideia que no tempo do Salazar e do Marcelo Caetano não havia corrupção em Portugal, mas havia e muita dela até estava instituída.

 

Mas havia mais desconhecimento também…

Como é evidente.

 

Na opinião de um político, é razoável a afirmação que se faz “o Estado é ladrão”? E isto na perspetiva da enorme dificuldade das pessoas conseguirem algo do Estado, exceto agora na altura do Covid em que houve mais facilidade, ou o facto da própria autoridade tributária estar criada para os grandes…

Não, não têm razão. Aliás, não concordo com a pergunta, acho que a população não diz que o “Estado é ladrão”. As pessoas muitas vezes chateiam-se porque algumas repartições do Estado, quer seja da administração central ou local, não são o melhor exemplo de serviço público, mas isso não faz com que toda a administração pública seja olhada dessa forma. E as pessoas sabem, e esta pandemia também veio provar isso, que se não tivéssemos um Estado social forte não tínhamos conseguido salvar as vidas que conseguimos através do SNS, não tínhamos conseguido dar o apoio que demos a muitas famílias se não tivéssemos uma Segurança Social estabilizada e recordo que na véspera da pandemia tínhamos conseguido dar mais 21 anos de vida à Segurança Social, portanto, a nossa Segurança Social que estava tecnicamente falida em 2015 porque tinha um défice ano após ano na sua atividade porque era mais a despesa do que as contribuições que entravam. Em fevereiro de 2019 a SS tinha um super avit, e não dependia do OE e foi a SS também que assegurou a sobrevivência de muitas famílias por direito próprio porque ninguém teve culpa do que aconteceu ao mundo, à Europa e ao nosso país, esta pandemia surgiu de forma inesperada, sem rosto, mas o que é certo é que se não fosse a SS a apoiar centenas de milhares de famílias, tínhamos bem mais agregados familiares em situação económica difícil.

 

Então apoia a asfixia que o povo sofre com impostos, taxas, coimas e multas desde que isso justifique uma Segurança Social saudável?

Não, mas não há outra forma de financiar a Segurança Social em Portugal ou noutro país do mundo. A SS financia-se através das contribuições.

 

Mas o PCP e o BE que são aliados defendem exatamente que o povo seja aliviado na carga de impostos e que os grandes capitalistas, os bancos, etc, e que até têm isenção de impostos.

Vamos falar de números reais para sair um pouco das nuvens da especulação política. Em quatro anos, entre 2016 e 2019, as famílias portuguesas passaram a pagar menos mil milhões de euros de IRS, ou seja, se o Governo português não descesse as taxas de IRS às famílias, se mantivesse as taxas que herdou do anterior Governo, no final de 2019 as famílias pagavam mais mil milhões de euros. Foi um alívio fiscal às famílias. Estamos também perto do fim das moratórias, ao contrário também do que alguns afirmam o nosso país não tem condições de decidir a prorrogação das moratórias quer para as empresas quer para as famílias de forma unilateral, excluído daquilo que é a decisão da entidade bancária europeia. E é simples a explicação. A média das moratórias dos países europeus, quer para as famílias quer para as empresas, foi de 9 meses, em Portugal são 18 meses, ou seja, o dobro. Já foi autorizado que Portugal tivesse o dobro da média dos países da União Europeia e uma moratória quando não é autorizada ao abrigo de um auxílio de Estado, como é o caso, os bancos são obrigados a provisionar esses créditos. E os bancos só podem provisionar os créditos indo aos fundos próprios, ao capital. E para isso precisam de injetar capital. Ora, o país, quando terminarem as moratórias, tem que escolher, se quiser prorrogar as moratórias não terá autorização da entidade bancária europeia, pelo menos tudo aponta para que não terá. E não tendo essa autorização, significa que os bancos já não podem classificar esses créditos que estão em moratórias como créditos produtivos, têm de classificar os que vierem a ser incumpridos como improdutivos e têm que os provisionar. E vão precisar de injetar capital aí. A quem caberá dar esse auxílio? E estamos a falar de um auxílio que virá sempre na casa dos milhares de milhões. Portanto, aqui temos de escolher qual é a decisão que menos impacto tem nas finanças públicas, nos contribuintes e na economia. E os dados que conhecemos dizem que, há moratórias que já terminaram, que são as moratórias privadas dos bancos, e dessas que já terminaram só 3% é que entraram em incumprimento. Admitimos que quando terminarem as moratórias no final de setembro que isso irá representar um sobressalto grande para as empresas e para as famílias, porventura estes números de créditos incumpridos irá ser maior nas empresas do que nas famílias porque a poupança das famílias atingiu um nível recorde, portanto, muitas das famílias que têm moratórias viram as suas poupanças disparar e estão preparadas para suportar o fim das moratórias mas sabemos também que há muitas famílias que passaram a ter um ou até os dois elementos do agregado familiar desempregados e com rendimentos muito reduzidos porque acima de tudo recebem sempre algum apoio do Estado mesmo que pouco, mas obviamente que ficarão em situação económica muito difícil e não conseguirão cumprir com os seus créditos. E aí os bancos têm necessidade de reestruturar esses créditos, portanto, acho que tem de haver respostas específicas e não uma resposta geral que pode ser contraproducente e ter consequências ainda mais devastadoras do que o problema que temos em cima da mesa. Portanto, acho que o setor privado tem que ter e vai ter certamente, o Governo está a preparar essas medidas, respostas especificas para as empresas e para as famílias que no fim das moratórias ou antes até que se coloquem em situação muito difícil.

 

Sim porque esta situação que é difícil e que se pode vir a tornar grave se a coisa descambar, mas a verdade é que as pessoas depois interrogam-se se o Governo não deveria tomar uma atitude preventiva, por exemplo, de impedir que houvesse distribuição de dividendos nos bancos. Isto porque continuamos a ler que o banco A distribui 300 milhões pelos acionistas e daqui a um ano faltam 600 milhões e o Estado injeta, mas os acionistas já tiraram o deles.

Todas as empresas que foram apoiadas pelo Estado não podem distribuir dividendos. A CGD distribui dividendos ao Estado. Certamente que as empresas que vê que estão a distribuir dividendos não foram apoiadas pelo Estado. As empresas apoiadas pelas medidas Covid em 2020 não puderam distribuir dividendos de 2019. As empresas que estão a anunciar a distribuição de dividendos em 2021, relativos ao ano económico de 2020, só olhando para os casos concretos para saber do que se fala, sei, por exemplo, que a CGD vai distribuir 80 e tal milhões de euros diretamente ao Estado. Estamos numa altura de recuperação económica, numa altura em que os investidores precisam de regressar ao nosso país, precisam de acreditar no futuro económico do nosso país, e também não podemos tomar decisões que ergam muros.

 

 

 

 

“Nem tenho uma visão diabolizada do Estado nem dos serviços públicos como também não tenho dos empresários”

Na posição de deputado, é otimista ou pessimista quanto ao que se anuncia que as empresas estão a assegurar os postos de trabalho até ao período de quarentena obrigatório por terem recebido apoios e depois vão mandar tudo embora?

Julgo que nenhum empresário irá despedir por prazer, se o fizer será mesmo por situação extrema. Nem tenho uma visão diabolizada do Estado nem dos serviços públicos como também não tenho dos empresários. Acho que há maus exemplos que não devem servir para formularmos as nossas opiniões gerais. Acredito muito nos nossos empresários porque já foram capazes de ajudar o país a fazer uma recuperação económica exemplar no plano europeu entre 2016 e fevereiro de 2020, e essa economia não desapareceu, não foi destruída. Recordo que quando desconfinamos mais um pouco, entre o terceiro e o quarto trimestre de 2020 a nossa economia teve uma reação rápida e isso tem a ver com as fundações da economia. Portanto nós conseguimos entre 2016 e fevereiro de 2020 criar uma base económica no país, a base da nossa economia é uma base mais sólida porque deixou de ter as ameaças habituais do Estado endividado, défices orçamentais, juros da dívida pública elevados, uma enorme desconfiança sobre a nossa economia, deixou de o ter, o setor financeiro estabilizou-se, os investidores começaram a olhar para o nosso país com confiança, o investimento estrangeiro continuou a entrar ano após ano a bater recordes, aliás, o stock de investimento direto estrangeiro em Portugal atingiu o máximo nesse ciclo, os juros da dívida pública estão em patamares minimamente históricos, portanto, as ameaças que pairavam habitualmente sobre a economia portuguesa desapareceram, e isso ajudou imenso a que o nosso tecido empresarial também conseguisse consolidar-se. E uma grande parte das nossas empresas está a resistir a esta pandemia e isso deve-se à parceria saudável que passou a ter com o Estado.

 

A propósito disso, ainda está recente o grito lançado pela personalidade do ano da Gala do AUDIÊNCIA, como empresário que se tem empenhado a combater a pandemia criando alternativas e o grito dele quase de desespero mas ao mesmo tempo de confiança que vai em frente contra tudo e contra todos é sinal que o Estado apoia a nata dos empresários, os médios/altos, mas não apoia os mais pequenos que têm um potencial enorme mas que têm quase de chorar para que os deixem vencer.

Ouvi atentamente esse pequeno discurso, percebi que o empresário em causa, Eduardo Ferreira, está muito desagradado. Conheci-o pela primeira vez na Gala, mas isso não invalida o que vou dizer, porque percebi que aquilo foi um grito de revolta contra o Governo Regional porque a certa altura do seu discurso ele pede o mesmo estatuto para as empresas dos Açores que é dado às empresas da Região Autónoma da Madeira, que tem a ver com a cana do açúcar e com os seus derivados e certamente está a falar até de apoios fiscais. É uma matéria que deve merecer a máxima atenção dos políticos regionais, porque se alguma vez for submetida à Assembleia da República obviamente que estou desperto para a questão, para o problema que foi colocado, mas a quem cabe responder diretamente a essa pergunta são precisamente os atores regionais, quer o Governo Regional quer a Assembleia Legislativa dos Açores. Certamente que o tempo era escasso e não foi possível desenvolver aquilo que o estava verdadeiramente a incomodar, mas foi o máximo que consegui depreender das palavras que foram ditas.

 

Quando está no Parlamento, o que o move? Que responsabilidade tem e o que o preocupa?

Em primeiro lugar, eu pertenço a um grupo parlamentar, fui eleito por um partido não sou um deputado em nome individual. Fui eleito com compromissos e acima de tudo são esses compromissos que norteiam o meu trabalho e o dos eleitos do PS. Naquilo que é o trabalho específico no Parlamento, tenho a minha responsabilidade, a área do orçamento e finanças, obviamente que o grupo parlamentar é liderado pela presidente Ana Catarina Mendes a quem cabe todas as decisões do grupo parlamentar. Mas nas áreas que me foram confiadas procuro cumprir a missão das decisões que são tomadas em sede do OE, aqueles que são os principais compromissos que inscrevemos no nosso manifesto eleitoral, porque cada vez mais temos de regressar ao tempo em que a redação do manifesto eleitoral, seja por uma Junta de Freguesia, seja para o Governo da República, tem de ser o momento mais nobre e mais importante de um ciclo eleitoral. De nada vale fazer estados gerais, convenções nacionais, ouvir especialistas na matéria, nacionais e internacionais, para vender através do marketing político grandes compromissos eleitorais e redigir manifestos eleitorais para depois os espalhar e forra-los durante a campanha eleitoral pelas paredes, assim como nas televisões e jornais, se depois a governação passa ao lado, ignora esses compromissos. Sempre acreditei que é possível governar olhando sempre para o manifesto eleitoral e para os compromissos, acho que esse deve ser também uma das coordenadas do trabalho de um deputado e é uma das minhas coordenadas. E depois do ponto de vista ideológico, há quem diga que a ideologia não interessa para nada, mas eu não acredito nisso, acho que não se faz política sem ideologia. Quando alguém que desempenha funções políticas me diz que a ideologia não interessa para nada fico sempre assustado porque quando alguém não tem ideologia a sua conduta fica subalternizada a outros interesses que não são propriamente os interesses ideológicos. Tento imprimir sempre à minha conduta, às minhas decisões e às minhas intervenções uma linha ideológica. Considero-me um político que ideologicamente se posiciona na esquerda moderada, numa esquerda mais conservadora mas moderada, reconheço que há causas que são defendidas pela direita moderada que merecem a minha subscrição como também há causas que são defendidas pela esquerda mais radical e mais liberal que não merecem a minha subscrição, e tenho essa situação bem resolvida, não sou daqueles que ainda procuram o seu posicionamento ideológico ou que procuram posicionar-se naquilo que é a moda política, nunca hesitei, nunca me senti em dúvida quanto ao meu posicionamento ideológico nem nunca me procurei situar naquilo que são as propostas da moda só porque isso faz mais notícia no momento. Achei sempre que tinha de ter uma linha ideológica e nas minhas intervenções e na minha postura parlamentar tenho que evidenciar sempre uma certa linha ideológica. As pessoas têm de me conhecer para além da pessoa, e o cartão de visita de um político são os seus discursos, as suas intervenções e em tudo isso tem de haver uma linha ideológica. Há uma marca que eu acho que me define muito que é procurar aquelas áreas e as propostas que concorrem muito para a justiça fiscal e para a justiça social. Vejo no Parlamento ainda muitos portugueses sem força para serem ouvidos, sem pontes para o poder para que as suas reclamações e reivindicações sejam ouvidas. Coloco-me sempre do lado daqueles deputados que estão sempre disponíveis para ouvir estas pessoas, desde os lesados do sistema financeiro até às pessoas que enviam emails diariamente para a Assembleia da República a expor a sua situação. Já tive encontros felizes com algumas pessoas que não conhecia pessoalmente mas que tive, e acho que é um dever responder às pessoas que nos dirigem diretamente os emails e que nos colocam o seu problema pessoal que tenham uma resposta, uma orientação e a esmagadora maioria das vezes a resposta não é a solução para o problema mas é uma orientação, uma satisfação e já tive a felicidade de me cruzar pessoalmente com essas pessoas, a última das quais até é de Mafamude, que me disse que fui o único deputado que tinha respondido e isso deixou-me satisfeito porque talvez tenha sido o único porque era dos poucos que tinha a informação para dar, não porque os outros não se interessassem mas a política faz-se muito disso, porque as pessoas têm que sentir que estão próximas do poder. Um deputado, um governante, não pode nunca dar a entender que não está a meio passo de falar com um cidadão, porque ser político para não enfrentar os cidadãos é fácil. Quando cheguei à Junta de Freguesia de Mafamude e Vilar do Paraíso, a porta de entrada do público era uma porta lateral e a porta de entrada e saída do presidente era a porta principal. E a primeira medida que tomei quando cheguei à Junta de Freguesia foi que os cidadãos entram e saem pela mesma porta que o presidente. Eu percebo, e sinto isso, que muitas vezes tenho que enfrentar algumas pessoas, mas no dia em que eu não estiver disponível e interessado em enfrentar as pessoas, deixo de ser político. Porque político é isso. Um governante, seja nacional ou local, que esteja com receio ou não tenha interesse nem paciência para falar com as pessoas, já esgotou a sua validade, não tenho dúvidas quanto a isso. E muitas vezes não temos as respostas que as pessoas querem ouvir, mas o facto de estarmos a ouvir e dar uma satisfação, acho que deve ser valorizado, portanto, considero-me também esse político que está sempre disponível para ouvir as pessoas e remato esta resposta com este episódio. Estava a chegar a um congresso do PS e vinha com um governante ao lado, e estava um conjunto de manifestantes à porta do congresso. Obviamente o ruído era imenso e eu disse a esse governante que tinha de dar uma palavra aos manifestantes porque era com ele que eles queriam falar, atendendo ao tema da manifestação. E quando nos aproximamos chamaram-me a mim e não ao governante que era quem tratava do assunto deles. E eu questionei se não tinham visto quem vinha comigo e a resposta foi que eu é que os ouvia e atendia sempre. E isso faz toda a diferença.