No seu segundo mandato como presidente da Câmara Municipal do Nordeste, António Miguel Soares admitiu, em entrevista ao AUDIÊNCIA, que sentiu que “era uma questão de missão” assumir este cargo pelo bem do seu concelho. Dando primazia à proximidade com a população e ao desenvolvimento do concelho, o autarca deu a conhecer nesta entrevista os seus sonhos e projetos para o Nordeste, mas também as dificuldades que ainda tem por causa das dívidas com que assumiu a presidência.
Para quem não o conhece, conte-nos um pouco sobre a sua história e como chegou à presidência da Câmara do Nordeste.
Iniciei as funções na política relativamente novo, por volta dos meus 14 anos, porque o meu pai, durante vários anos esteve envolvido na política. Ele chegou a ser vereador na Câmara do Nordeste pelo CDS e, mais tarde, foi convidado para ser candidato à Junta de Freguesia da Vila do Nordeste, onde ganhou as eleições. E nesse entretanto, foi presidente de Junta até falecer com 62 anos, relativamente novo. E enquanto ele esteve neste percurso, eu acabei por me envolver na JSD e fazia o trabalho de campo, portanto, desde muito novo andei na lida da propaganda e de colar cartazes. Depois de casar, fui residir para a freguesia ao lado, para a Lomba da Fazenda, e qual a minha surpresa quando fui convidado para fazer parte das listas do partido para a candidatura à Junta de Freguesia. Inicialmente, julguei que era só para fazer parte das listas, mas depois foi-me comunicado que ia ser o candidato a secretário e abracei este projeto porque já estava a trabalhar na freguesia, na Caixa Económica da Misericórdia de Ponta Delgada e já tinha alguma proximidade e contacto com as pessoas. Ganhamos as eleições e acabei por fazer quatro anos como secretário e depois o meu colega desistiu de se candidatar e eu fui convidado pelo partido para avançar como presidente. Ganhei dois mandatos e depois, como o PSD tinha perdido a Câmara para o PS em 2013, e o nosso relacionamento entre Junta e Câmara não correu, institucionalmente, corretamente, acabei por tomar a decisão de avançar com a candidatura e recuperei a Câmara. Para quem não me conhece, sou uma pessoa simples, e espero continuar a ser. A minha missão sempre foi servir, pelos sítios que passei acabei sempre por criar grandes amizades e tentar ser a solução do problema e não um entrave ao que é preciso resolver, e, de facto, tenho em várias áreas tenho ajudado no que posso e no que está ao meu alcance e ainda hoje, apesar de estar nas funções de presidente de Câmara, ainda tenho algumas pessoas que me ligam para pedir opiniões sobre questões financeiras, que era a minha área profissional. Além dessa situação, que, de facto, não é muito fácil, sou muito presente, muito próximo das pessoas, faço atendimentos para além do que está instituído, também acabo por lidar com as pessoas no dia a dia, na rua, em qualquer lado toda a gente me aborda, o que demonstra também que continuo a ser a mesma pessoa. Costumo dizer que sou um presidente do povo, não tenho formação superior e toda a minha vida foi trilhada a pulso e com muita formação interna a nível profissional e com muita dedicação à causa.
Então mesmo antes de ser presidente já conhecia bem a realidade do Nordeste. Mas como encontrou a situação na autarquia? Até porque a sua vitória provocou um autêntico terramoto no Nordeste…
O que aconteceu foi que as pessoas do Nordeste, além de serem pessoas sérias e trabalhadoras, a verdade é que a Câmara, desde que foi instituída, a partir de 1975, foi sempre PSD. E tivemos alguns presidentes que vinham a fazer um percurso perfeitamente normal, mas houve, nos últimos anos do mandato do Dr. José Carlos Carreira, que, infelizmente, pela falta de apoio na altura de obras de grande importância para o concelho, houve um desgaste e a Câmara teve algumas dificuldades financeiras e, neste momento, estamos no reequilíbrio. Com esses fatores, e também com o desgaste de vários anos, a população entendeu dar a oportunidade, na altura, ao presidente que me antecedeu e passou para o PS. O que é certo é que, passado alguns anos, percebemos que a população não estava satisfeita com essa situação e eu não era para me envolver se as coisas tivessem corrido bem, mas a determinada altura percebi que era uma questão de missão porque as coisas não estavam bem e foi por isso que me pus neste projeto. É claro que, como gerente bancário do concelho, conhecia as famílias todas, como conheço as dificuldades, os potenciais e via no dia a dia das pessoas as dificuldades e comprometi-me também na minha candidatura que não ia estar constantemente a dizer que não se podia fazer algo por causa da dificuldade da dívida. No entanto, neste momento, estamos com uma redução já muito significativa, tenho continuado a fazer o que é possível, claro que vamos ponderando as prioridades dentro dos nossos orçamentos, nunca recorri a endividamento, estamos a amortizar um milhão por ano e as coisas estão a correr dentro daquilo que eu perspetivava. E os meus colegas que fazem parte do executivo também são pessoas muito dedicadas e temos conseguido com pouco, tentar fazer mais.
Quais considera serem os projetos mais emblemáticos?
Os projetos mais emblemáticos, neste momento, era o aumento do parque industrial que já foi adjudicado e estamos a aguardar o visto do Tribunal de Contas. É um projeto que entendo ser fundamental para o nosso concelho, não só pelas várias intenções de investimento que temos para o concelho, mas também pela possibilidade de criar alguns postos de trabalho, porque é uma dificuldade que temos no nosso concelho devido à falta de empresas existe falta de fixação das pessoas e dos jovens. Além deste projeto, que julgo que vai ser concretizado, existe também, e já se fala há vários anos, a requalificação da zona balnear da Foz da Ribeira do Guilherme, tenho batalhado bastante nisso e estamos já com o projeto praticamente em fase final, e já em conversações com Governo Regional para ver as hipóteses e possibilidades através de Fundos Comunitários, porque é um projeto de grande envergadura. São essas as prioridades, além das pessoas, a fixação das pessoas. Ainda no último ano tivemos a preocupação de criar alguns regulamentos para ajudar na fixação de pessoas, nomeadamente, o apoio à aquisição, até 2500 euros, para quem compra a primeira casa própria permanente. Aumentamos também o apoio ao incentivo à natalidade, temos um regulamento que foi modificado para apoio à habitação degradada, para pequenas obras, atendendo às dificuldades financeiras das famílias, portanto, é um projeto que está sempre em crescimento e que tem sido desafiante porque as funções em que estou, acabam por ser funções de execução e como realmente estou muito perto da população, vou também seguindo aquilo que a população quer.
Atendendo a que é o concelho mais longe do aeroporto, como é que o executivo promove a visita ao concelho, sabendo, por exemplo, que os turistas vão à barreira do Chá da Gorreana e não vão mais para a frente… que incentivos tem o executivo criado para aliciar as pessoas a irem ao Nordeste e não voltarem para trás?
Fazemos várias campanhas de publicidade, acabamos por ter um contrato anual para colocação de placards em zonas estratégicas à saída do aeroporto e em outras vias, e vamos também nos próprios jornais, vamos investindo, dentro das nossas possibilidades. Também distribuímos um roteiro do município a agências de viagens, em pontos de turismo em toda a ilha, costumamos participar na BTL que é uma forma também de divulgação de tudo o que temos. Ou seja, o que era antes da pandemia está a voltar à normalidade e já vejo nos empresários que, anteriormente havia um pico durante quatro meses e depois quebrava, agora cada vez mais é mais pequeno e esse é um sinal positivo. E sem esquecer a criação de alguns eventos com alguma dimensão e qualidade de forma a ter também os meios de comunicação social, nomeadamente televisão. Posso dar como exemplo o Mês do Capão, as nossas festas de verão das várias freguesias…
Que provocam alguma dor de cotovelo no resto da ilha…
Eu penso que cada um faz aquilo que pode e dentro do que pode. O que está a dizer é pelo facto de serem gratuitas, mas eu comprometi-me com os nordestenses que assim seria e isto porque o nosso festival está incluído na nossa festa religiosa, do nosso padroeiro, que é a Festa da Vila do Nordeste. Se houvesse a capacidade financeira de fazer um festival à parte, claro que seria pago por quem visita e quisesse ir. Mas estamos a falar de uma festa religiosa e não posso por um lado fazer em conjunto com a festa religiosa e estar a cobrar para as pessoas que estão todo o ano no concelho, são residentes e contribuem para o desenvolvimento do concelho, estar a obrigar a pagar. Ainda foi ponderada a perspetiva de fazer o festival à parte, mas entendemos que ia trazer mais um custo. Então, temos dentro do orçamento, daquilo que se fazia anteriormente mesmo pago, temos conseguido, uns anos mais, outros menos, fazer dentro da mesma qualidade e dimensão e ser gratuito para todos os nordestenses. Infelizmente temos uma grande quantidade de pessoas no concelho que vivem com o ordenado mínimo e que até têm um ou dois filhos e para conseguirem ir aos três dias do festival ia ficar algum bem de necessidade para trás. Entendo que essas pessoas também têm o mesmo direito de gozar a sua festa porque o objetivo principal não é o festival só em si, é também a festa religiosa do nosso padroeiro.
Inicialmente, atendendo às dificuldades que o município atravessava, a oposição acusava o presidente de estar a tentar arruinar o concelho com essas festas.
Um dos meus objetivos quando me pus nesse projeto foi efetivamente esclarecer as pessoas. Porque houve vários meios de comunicação social que informaram que a Câmara tinha dívidas de duas vezes mais, que havia dívidas de 30 milhões, houve números que não sei se lançados propositadamente, que é o meu pensamento, e de facto comprometi-me a esclarecer a situação. E por isso também fizemos uma auditoria. Portanto, quando o meu antecessor assumiu a responsabilidade da Câmara Municipal, a autarquia devia 23 milhões de euros. Quando eu assumi a responsabilidade, a Câmara devia 19 milhões. Neste preciso momento, passado praticamente seis anos, estamos com 11 milhões e qualquer coisa. Portanto, a média é a amortização de um milhão de euros. Tudo aquilo que temos feito é muito bem pensado tendo em conta o nosso orçamento. Agora, é claro que eu percebo que não é fácil de gerir quando, log no primeiro mandato, se perde, porque a população acaba por dar uma segunda oportunidade. Neste caso, essa situação não aconteceu e percebo que a questão de compreender e de assumir a vontade popular da população faça com que crie alguns anticorpos. E depois lança-se notícias, tenta-se denegrir a imagem da pessoa… mas passados os primeiros dois anos, já me vacinei contra isso. O que me interessa é a minha consciência, aquilo que estamos a fazer e o meu objetivo que é servir e não servir-me, como se vê em tantas notícias. A minha família está preparada para isso, eu já não ligo, inclusive sou abordado muitas vezes nas redes sociais por pessoas que não me conhecem, pessoas que nem sabem o trabalho que se está a desenvolver, e acabamos por, na maioria das vezes, sermos injustiçados com atitudes que não são corretas. Mas se as pessoas que entram nisto se sentem felizes, eu quero é o bem delas.
Mas o presidente não tem dúvidas que provocou um tumulto político na ilha de S. Miguel apesar de ser o concelho mais pequeno? Isto porque, até aí, o PS dominava a ilha, mas com a sua vitória desequilibrou a situação e provocou que o PS tivesse de partilhar o poder ao nível dos órgãos e das empresas intermunicipais com o PSD… talvez se tivesse sido eleito na atual conjuntura, fosse mais fácil, não?
Não sei. De facto, na altura aconteceu isso, porque as instituições acabam por ter aqui uma relação com as forças políticas em cada município. Mas, o facto de ter acontecido isso foi mesmo da forma como a pessoa em questão estava a trabalhar em termos de desenvolvimento do concelho e em termos de opções para o concelho. Na altura, quando me candidatei, nem pensei nisso, estava a pensar na população e nas várias coisas que achava que poderiam ser melhoradas. Tive também, como presidente de Junta, na Assembleia Municipal e apercebi-me de várias situações que, na minha ótica, e conhecendo alguns dossiers, não concordava com elas. Foi uma questão de repor a justiça perante tanta inverdade. O facto de eu me candidatar, o facto de fazer esse esforço, comecei praticamente do zero e quando o poder está instituído existe sempre mais aquele receio das pessoas se envolverem porque acabam por ficar com reticencias em situações futuras, e foi toda essa situação que fez com que tomasse essa iniciativa, e depois de saber, claro, os apoios que tinha. E tive os apoios do povo diretamente.
Há pouco falou de vacinas, em termos políticos, mas vem a propósito lembrar que quando a Covid-19 apareceu na ilha, o Nordeste esteve no centro das atenções e o presidente, qual guerreiro, deu a cara por essa situação. Considera que o município agora já está mais bem preparado para enfrentar uma situação dessas do que no passado?
Claramente que sim. E penso que a nível regional e nacional e do mundo até ninguém estava bem preparado para essa situação. O Nordeste, se não tivesse acontecido o problema da Santa Casa, não teria acontecido praticamente nada. Foi uma altura muito difícil, mas procurei estar sempre à altura do que me era exigido, em colaboração com o Governo Regional dos Açores, que era do PS, e fiz sempre as recomendações e tudo o que me foi exigido. Implementamos várias iniciativas além das que eram exigidas, para não só apoiar a população, mas também vedar o alastramento da pandemia, evitando assim que a situação ficasse mais grave. Em relação à Santa Casa, de facto, tive de intervir algumas vezes porque sentimos que havia falta de apoio a médicos e enfermeiros depois dessa situação. E lamento as perdas que houve na altura, os nossos velhinhos, que deram muito ao concelho e que, alguns deles, estavam muito debilitados, e foi um choque muito grande. O concelho esteve durante algum tempo de luto porque envolveu várias famílias. Mas temos de olhar com perspetivas positivas para o futuro. Com a questão da vacina a situação tem vindo a melhorar, e ainda bem, claro que mantemos os planos de contingência a nível da proteção civil, e claro que a experiência é outra e temos procurado aperfeiçoar essa dinâmica de maneira a que, se tivermos a infelicidade que volte mais alguma variante ou outro tipo de pandemia, vamos ter outra capacidade de resposta.
Além das belezas naturais do concelho, que tipo de infraestruturas carece, ou já tem para oferecer o concelho a quem visita o Nordeste e quer ficar?
Neste momento, temos um alojamento local de excelente qualidade, acabamos também por ter turismo em espaço rural também de muito boa qualidade e temos um hotel que tem capacidade para 50 quartos, além de um hostel. Nessa perspetiva, temos bons alojamentos, estamos já num patamar de excelência. Depois, já vão aparecendo alguns negócios de atração também, temos a Quinta dos Irmãos Pimentel, onde tem animais e onde as pessoas podem interagir não só no tirar a leite como andar a cavalo e fazer passeios. Temos também outra iniciativa de negócio dentro da mesma área onde as pessoas vão tirar o leite e acompanham as vacas durante um tempo. Temos a zona da ribeira dos caldeirões que é uma zona bastante atrativa e onde temos uma loja de conveniência, além da restauração que temos e da aposta em produtos tradicionais do concelho. Portanto, é um concelho pequeno, periférico, mas que tem sinais positivos de muita confiança e os nordestenses são pessoas resilientes e quero crer que vamos continuar a cavalgar no bom sentido.
Qual o seu sonho para o Nordeste?
O meu sonho é ter mais pessoas, porque, neste momento temos cerca de 4400 pessoas em nove freguesias, assim como uma taxa de desemprego a zero e a felicidade da população. Este é o meu sonho político porque o meu sonho pessoal é continuar a ter saúde e viver feliz com a minha família.
Que mensagem gostaria de deixar à população, e a quem visita?
A mensagem que gostaria de deixar à população é que acredito no nosso Nordeste, acredito em todos os nordestenses, e juntos vamos continuar a levar o nosso concelho a bom porto e ao sucesso. Para quem nos visita, são sempre bem vindos ao concelho, quem não conhece que venha disfrutar das nossas lindas paisagens da nossa gastronomia, como os torresmos de caçoila, com batata doce ou inhame, que é um prato tradicional do Nordeste, e na época de novembro, mês do capão, porque não um capão assado no forno com batata e recheio, sem esquecer o peixe fresco e o feijão assado. E geralmente, quem visita o Nordeste, quer repetir.