“O MEU CORAÇÃO ESTÁ CÁ”

Natural da Freguesia da Ribeira Grande – Matriz, José Carlos Teixeira emigrou para o Canadá há 45 anos. Inspirado pelas comunidades açorianas emigradas naquele país, fez o bacharelato e o mestrado em Montreal, seguindo-se o doutoramento em Toronto. Atualmente, vive perto de Vancouver e é professor catedrático na Universidade de British Columbia, somando mais de cem publicações, incluindo livros, em revistas académicas e científicas. De passagem pela terra que o viu nascer, o geógrafo social e urbano falou, em entrevista ao AUDIÊNCIA, sobre o seu trabalho, que começou com os portugueses, mas rapidamente se estendeu a outros grupos étnicos. Apaixonado pelo arquipélago, o investigador evidenciou que a língua portuguesa está a desvanecer-se no Canadá, ressaltando a importância de a diáspora ter uma voz mais ativa no parlamento açoriano.

 

 

José Carlos Teixeira é um emigrante com algumas particularidades. É natural de onde?

Sou natural da Freguesia da Ribeira Grande – Matriz. A minha mãe é da Ribeira Seca e o meu pai é da Matriz, por isso não podia ser mais ribeiragrandense do que isto. Eu passei, aqui, a minha juventude até aos 18 anos e, depois, fui para o Canadá, como estudante estrangeiro. Primeiramente, estive em Montreal, porque vivia lá um tio meu, que foi pioneiro da emigração açoriana e frequentei um colégio para aprender a língua francesa, durante um ano e meio. Depois, em 1980, dei início ao meu bacharelato e, mais tarde, ao meu mestrado na Université du Québec à Montréal, tendo terminado em 1986, aproximadamente. Quando eu cheguei ao Canadá, há 45 anos, estávamos a comemorar os 25 anos da presença portuguesa naquele país e, na ocasião, verifiquei imediatamente que não existiam estudos sobre a comunidade, então, durante a minha tese de mestrado preocupei-me em estudar a mobilidade residencial da comunidade portuguesa em Montreal, em procurar saber onde é que se fixaram quando chegaram, se compraram ou arrendaram casas, que tipo de trabalhos tinham, as dificuldades que sentiram para se integrarem, até à ida para os subúrbios. Como geógrafo, e este é o meu campo de especialização, geografia urbana e social, eu fiquei fascinado com esta questão, depois como vivia com o meu tio no coração da comunidade portuguesa de Montreal, na famosa Rua de l’Hôtel-de-Ville, que era aquilo que nós chamamos de “Little Portugal”, a tendência dos portugueses de formarem aquilo que nós chamamos de “Pequeno Portugal”, ou décima ilha açoriana, sempre me fascinou, porque tínhamos jornais, padarias e mercearias, ou seja, tudo e mais alguma coisa. Claro que isto, no princípio, foi uma barreira para a integração dos emigrantes, porque quando a primeira geração chegou lá, com conhecimentos básicos ou muito poucos da língua inglesa, este “Pequeno Portugal” facilitou-lhes a emigração, porque até mesmo os bancos se preocupavam em ter pessoas que falavam português. Basicamente, foi isto o que eu fiz em Montreal e o título da tese é “La Mobilité Résidentielle Intra-Urbaine des Portugais de Première Generation à Montréal”. Quando eu acabei a minha tese, fui para Toronto, porque era onde vivia a minha mulher, no maior laboratório social para um homem que tem como especialidade a Geografia Urbana e Social. Só para lhe dar um exemplo, 53% da população de Toronto, neste momento, nasceu fora do Canadá. Portanto, para um investigador, como eu, Toronto seria, realmente, o laboratório que eu queria e juntou-se o útil ao agradável. Portanto, fiz o meu doutoramento em Toronto, onde me preocupei em estudar, mais uma vez, a comunidade portuguesa, e não só, aliás comparei a comunidade portuguesa a outros emigrantes e voltei a estudar a saída dos portugueses de Toronto para Mississauga, que é um subúrbio que cresceu muito desde os fins dos anos 70 e, em grande parte, devido aos portugueses, porque como são trabalhadores pagaram rapidamente as suas casas no centro da cidade, porque o principal objetivo era possuírem uma habitação, pois isso representava que faziam parte e tinham sucesso no país e esta foi uma das suas características. Então, os portugueses foram para Mississauga, compram casas fantásticas e integram-se e muito bem naquilo que é, hoje, a cidade. Portanto, o título da minha tese em inglês é “The Role of “Ethnic” Sources of Infornation in the Relocation Decision – Making Process: A Case Study of the Portuguese In Mississauga”. Na altura, o que tornou a minha tese original foi o facto de existir um modelo que tinha sido elaborado por Brown e Moore, dois grandes geógrafos americanos, e aquilo que foi fiz foi tentar introduzir, no mesmo, a variável etnicidade e a variável cultura, porque nós não podemos colocar todos no mesmo saco, apesar de que existem modelos que assumem que todos seguem aquele mesmo percurso. Eu vivi em Toronto durante 25 anos e dei aulas na Universidade de Toronto, que é a maior do Canadá, durante cinco anos.  Entretanto, surgiu a oportunidade de ir para um Campus novo da Universidade de British Columbia, que é uma das maiores universidades do Canadá, que tinha aberto em 2005, no interior da província. Portanto, foi uma oportunidade única que me surgiu, porque eles precisavam de pessoas com experiência de trabalho numa grande universidade. Aí, realmente, saiu-me a lotaria. Eu concentrei-me, trabalhei muito, pois já tinha uma certa formação que a Universidade de Toronto me tinha dado e cheguei a professor catedrático num curto espaço de tempo, aliás passei a associado dois anos depois de fazer parte dos quadros da Universidade de British Columbia e, em 2013, passei a professor catedrático e o resto é história.

 

O seu tio vivia em Montreal, mas o que o levou a ir viver para esta cidade?

O meu tio, como mencionei anteriormente, era pioneiro da emigração açoriana. Recuando um pouco até aos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976, foi aí que começou a surgir a minha paixão por Montreal. Toda a família da minha mãe estava lá, o meu tio Augusto, na altura, levou 37 membros da família para Montreal. O ensino, aqui, estava uma salada, era só greves. Os meus pais vieram de famílias pobres, mas, felizmente, naquela altura tinham possibilidades financeiras, porque não era comum enviar um filho para entrar no Canadá, neste caso em Montreal, para estudar no estrangeiro. Portanto, a razão principal foi o facto de eu ter um tio e uma tia em Montreal e ir viver para o coração da cidade, muito perto do Estádio Olímpico. A razão que fez com que eu não fizesse o meu doutoramento em Montreal foi pelo facto de eu ter casado quase a completar o meu mestrado e a minha esposa, que é natural de Rabo de Peixe, e foi para o Canadá com seis anos, Maria Teixeira, viver em Toronto. Eu não me arrependo de ter ido para Toronto, aliás já tinha sido aceite no doutoramento em Montreal, mas as limitações eram muito grandes, para um emigrante fazer uma carreira universitária no mundo francófono com toda aquela questão política, eu vi que havia ali muita instabilidade e, portanto, fui, realmente, para o maior laboratório social e continuo, hoje, a fazer trabalhos com os mais diversos grupos étnicos. O meu estudo mais recente tem a ver com os refugiados na área onde eu vivo, com um aluno do doutoramento e intitula-se “O papel e o impacto das instituições religiosas na integração dos refugiados”. Não tem nada a ver com os portugueses, mas foi através dos portugueses que eu criei estas ferramentas, a facilidade de conversar com as nossas gentes e de ser aceite pelas nossas gentes, mas tive de me estender a outros grupos étnicos, pois só assim se pode chegar a professor catedrático. Eu tenho mais de cem publicações, incluindo livros, todas elas em revistas científicas e é assim que se faz uma carreira numa grande universidade, porque “you publish or you perish”. Isto faz parte da vida académica, nós temos de publicar em revistas académicas, pois muitas delas que têm um “impact factor” importante e só assim é que se consegue ser reconhecido. Não há muitos ribeiragrandenses que tiveram esta possibilidade, eu tive, agarrei-a e hoje venho cá com muita frequência, pelo menos três vezes por ano, porque o meu coração está cá e é aqui que eu quero ser sepultado.

 

Como é que caracteriza os portugueses, nomeadamente os açorianos em Montreal ou em Toronto, desde o momento em que chegou, até aos dias de hoje?

Essa é uma pergunta muito interessante, pelo seguinte, quando eu cheguei a Montreal a comunidade tinha 25 anos, portanto estava a florescer, a crescer e é basicamente da primeira geração, nascida em Portugal e nos Açores. Hoje, já temos três gerações, que é a primeira que nasceu em Portugal, nos Açores, e as segunda e terceira nascidas no Canadá. Eu tenho verificado que aquela área residencial conhecida como “Little Portugal” ou décima ilha está-se a desvanecer lentamente, porque não há uma emigração contínua para substituir aquela primeira geração. Em relação às segunda e terceira gerações, elas estão a ir para os subúrbios, falam inglês e muitas pessoas casam com habitantes de outras origens étnicas, portanto está a haver uma integração boa, que era expectável, das novas gerações na sociedade. Entretanto, eu tenho verificado que, apesar de muitos estes jovens terem nascido no Canadá, tem havido como que um retorno às origens e como viajo com uma certa frequência noto, muitas vezes, nos voos que faço jovens que nasceram no Québec, com 20 ou 25 anos, que vêm com os seus filhos à terra de origem. Portanto, há sempre um bichinho que os faz quererem vir cá, para redescobrirem a terra dos pais e dos avós. Eu tenho verificado isto. Um outro fator, e eu tenho um estudo que acabei de fazer com outros dois colegas, com base nas estatísticas de 2021 do Canadá que saíram agora, que eu verifico é que os portugueses estão a perder a língua materna. Como tal, esta integração ou assimilação das segunda e terceira gerações é seguida de uma perda grande da língua materna. Na segunda geração havia jovens que falavam com os avós ou com os pais português, mas, agora, isso já não acontece, logo, o conhecimento da língua portuguesa está a desvanecer a um ritmo muito acelerado, mas o mesmo está a acontecer aos restantes grupos étnicos mais antigos que chegaram ao Canadá, sejam italianos, gregos, ucranianos ou polacos. Hoje, temos outros grupos de emigrantes, mais qualificados e com conhecimento da língua inglesa, aliás o Canadá, neste momento, vai aceitar 500 mil emigrantes, quando antes da Covid-19 só aceitava 250 mil, porque temos um problema demográfico. Fala-se tanto do problema demográfico em Portugal, das taxas de natalidade que são baixas e é a emigração que poderá compensar este défice demográfico que nós temos, também, no Canadá. Portanto, o envelhecimento populacional é um problema global e, portanto, nós, hoje, estamos abertos à emigração, mas eu continuo a pensar que a emigração não deve ser a única solução para tapar este buraco e este problema demográfico que nós temos no Canadá e é engraçado, porque em duas semanas aqui já li inúmeros alguns artigos e Portugal tem exatamente o mesmo problema e os países com problemas demográficos têm de se virar para a emigração, com todas as vantagens e desvantagens que isso poderá trazer.

 

No seguimento do que afirmou, acredita que pode acontecer uma perda de identidade devido ao aumento do número de emigrantes no Canadá?

Sim, mas o Canadá já se habituou a isto. O Canadá é um país multicultural, nós adotamos a política do multiculturalismo, portanto, para nós, não é nada de novo.

 

No Canadá, nenhum emigrante podia entrar caso não soubesse o mínimo da história do país e em Portugal isso não acontece…

Sim, há testes que têm de fazer. Qualquer emigrante para ser canadiano, depois de três anos de residência no Canadá, tem de fazer um pequeno exame e tem de saber, nomeadamente, as províncias do Canadá e o nome do Primeiro-Ministro. Mas, o Canadá adotou a política do multiculturalismo nós habituamo-nos a isto. Agora, penso eu que, em sociedades mais pequenas, como em Portugal, que era culturalmente um país muito homogéneo, aí esta grande diversidade cultural que é boa, é positiva, vai-se evidenciar, mas não podem fugir a ela, por motivos demográficos e pela própria economia, que está a depender de uma mão-de-obra muitas vezes não qualificada, porque os portugueses não querem fazer, mas isso é um tema para outra conversa. Eu acho que nas sociedades mais pequenas isso poderá levar a conflitos. O meu curso favorito é quando eu falo de diversidade, quando eu falo das vantagens e das possíveis desvantagens da diversidade, que muitas vezes levam ao racismo, porque há muitas pessoas que não aceitam a diversidade religiosa, cultural ou linguística.

 

Na Europa, o expoente máximo da emigração, neste momento, estará em França, assim como o aumento do radicalismo, daí o chamado populismo europeu.

Eu sigo de perto o que acontece em Portugal, através da RTP, porque eu gosto muito desta terra e também é importante para mim, enquanto professor universitário. Portanto, eu foco-me muito sobre a Europa e eu gosto de mostrar as similaridades e diferenças entre o Norte da América, sobretudo Estados Unidos e Canadá e aquilo que se passa na Europa, comparando dados económicos, demográficos, sociodemográficos. Mas, esta xenofobia e esta questão da discriminação é um tema para o qual a sociedade tem de estar preparada, porque as pessoas têm de estar preparadas para a diversidade. Eu tenho ido a alguns restaurantes na Ilha de São Miguel e eu até pessoas do Nepal encontrei nas Sete Cidades, porque os proprietários dizem que não há mão-de-obra para trabalhar. Por um lado, eu acho que é bom e eu espero que os jovens se habituem, pois gosto de ouvir as pessoas a falarem em inglês, francês ou alemão, porque isso dá vida. Isto já não tem nada a ver com os meus Açores dos anos 60 ou 70, quando nós estávamos fechados, pois, agora, estamos abertos ao mundo. Depois, também há a questão do turismo, que desempenha um papel muito importante, independentemente daquilo que eu penso sobre isso, porque é outro tema, pois toda a gente fala de um turismo sustentável, mas eu acho que temos de prestar a atenção ao tipo de turismo que nós temos, porque as nossas ilhas têm características únicas e eu conheço praticamente todas as ilhas das Caraíbas e é com alguma tristeza que sempre que faço um cruzeiro, por aquelas redondezas, vejo a tal pegada ecológica, que não deixa nada de positivo, mas deixo isto às novas gerações que estão cá. Portanto, esta é uma terra que eu adoro e disso não há dúvidas nenhumas.

 

Há pouco referiu que as novas gerações da emigração estão a recuperar o “vício” dos Açores e de Portugal e a regressar às origens. Contudo, também encontrei, nomeadamente, um açoriano residente em Montreal, que já não vinha cá há 57 anos. Acredita que, atualmente, são os mais jovens que estão a trazer a primeira geração de emigrantes?

Eu tenho uma justificação para isso. Houve pessoas da primeira geração com quem falei em Toronto que me disseram que não iam aos Açores há 27 ou há 30 anos, porque tinham sido tão sacrificados, tinham comido pão com pimenta e que os Açores os tinham massacrado, pelo que não queriam ouvir mais falar do arquipélago. Para isto acontecer, é porque eles foram mesmo muito sacrificados, porque de uma maneira geral, um emigrante pode levar dez anos ou 15 anos, mas vem cá. Neste caso, posso garantir-lhe que a dureza da vida e a fome foram tantas nesta terra, a comer pimenta, inhame, pão e ossos que iam buscar ao talho, que eu não sei como é que eles aguentavam. São casos raros de pessoas que não vieram durante muitos anos, porque foram marcados pela negativa, mas depois regressaram e apaixonaram-se de novo pela terra. Como referi anteriormente, o que deixa feliz é que nas muitas viagens que eu faço para São Miguel eu vejo muitos jovens que vêm com os filhos e com aquela alegria tremenda à terra dos avós e dos pais e isto é um bom sinal. Claro que a região também tem feito um trabalho muito positivo, que é “vender” a beleza das nossas ilhas, junto da emigração e disto tem de se dar crédito aos Governos que estão envolvidos na promoção da terra Açores, que se deve fazer não só para os que estão na Europa, porque muitas vezes o transporte é muito caro para nós que estamos na diáspora, enquanto que há pacotes muito acessíveis para europeus se deslocarem para minha terra, que é os Açores. Nós, no Canadá, não temos sido muito favorecidos, ao longo das décadas, porque os preços são bastante elevados. Em termos de políticas de transporte, isto seria um tema para outra conversa, porque muitos casais com filhos não têm disponibilidade financeira para virem cá, por isso tem de se acarinhar mais e apoiar mais a diáspora, com preços mais acessíveis. Não matem, por favor, a galinha dos ovos de ouro e eu já disse isto, há muitos anos, numa entrevista a um jornal dos Açores. Nós somos açorianos, nós nascemos, aqui, nos Açores, temos filhos e netos de descendência açoriana, portanto está no nosso sangue e esta é que é a população, o turista, que deve ser mais apoiado e mais acarinhado.

 

 

Mencionou que costuma vir aos Açores pelo menos três vezes por ano. Quando chega ao Aeroporto João Paulo II o que é que sente?

Essa é uma pergunta extremamente interessante. Vou dar-lhe um exemplo: eu fiz um cruzeiro de 21 dias com a minha mulher há quatro semanas, pelos países nórdicos, mais concretamente Noruega, Suécia, Dinamarca, Estónia e Finlândia. Foi tudo normalíssimo, regressei ao Canadá e não consegui dormir dois dias antes de vir para os Açores. Este é o único sítio neste planeta terra que faz com que eu deixe de dormir devido à paixão e ao entusiasmo de vir a São Miguel. Posso dizer-lhe que quando chego ao aeroporto, o cheiro é diferente, depois entra-se, aqui, na Ribeira Grande, onde passei a minha infância e é muito difícil de descrever isso, mas eu não tenho dúvidas e posso-lhe garantir isto: eu tenho ido para vários países devido à minha vida profissional e o único local que me impede de dormir, pelo menos 48 horas antes de aterrar, é a Ilha de São Miguel, nos Açores.

 

Que diferenças positivas e negativas encontra nos Açores que deixou quando partiu para Montreal e nos Açores de hoje, onde regressa por questões profissionais e pessoais?

Quando eu saí de cá, em 1978, dois anos depois da inauguração da Universidade dos Açores e da chegada da RTP, isto era muito fechado. Era um mundo em que nós olhávamos para o mar e pensávamos que aqui não íamos a lado nenhum, pois não tínhamos muito futuro. Portanto, eramos uma aldeia tão fechada que as freguesias dos pequenos concelhos eram completamente isoladas de Ponta Delgada, pois havia uma hierarquia de isolamento e quanto mais longe estivessem de Ponta Delgada e da Ribeira Grande ainda maior era o afastamento. Portanto, a imagem, por um lado, apesar de ter tido uma infância muito positiva e feliz, não há dúvidas nenhumas, é que não havia um grande futuro aqui para os jovens. Por outro lado, nestes últimos 45 anos eu vi e vê-se muita coisa boa que aconteceu aqui, porque Portugal passou a fazer parte da União Europeia, vieram investimentos para cá, autoestradas, hospitais e, mais importante do que tudo isto, aeroportos para ligar todos os açorianos. Quando eu estava cá, já pensava nos Açores e conhecia todas as ilhas, com a exceção de uma, a Graciosa, e nunca fui o típico bairrista que só pensava na minha Ilha de São Miguel, portanto a falta de hospitais, de habitação para os mais jovens, apesar de os jovens, hoje, terem de viver com os pais durante alguns anos, o que é um problema grave, porque não há trabalho quando acabam os estudos, mas esses problemas são europeus e são problemas que também estão a acontecer connosco no Canadá, só que como é um dos países mais ricos do mundo e tem mais recursos naturais, não se nota tanto, mas há coisas que estão a acontecer aqui aos jovens que também estão a acontecer lá. Todavia, os Açores, hoje, são um mundo diferente para melhor. Eu sempre que venho cá tenho um espírito crítico, porque muitas vezes gostava de ver mais limpeza em determinadas áreas, gostava de ver pessoas com problemas de mobilidade terem um acesso maior e melhor o que não acontece e relativamente à questão do turismo, como eu gosto muito desta terra, nós temos de refletir e de pensar no tipo de turismo que nós queremos, na quantidade versus qualidade e este é um outro tema que nós temos de repensar, até mesmo, aqui, na própria Ribeira Grande, porque o concelho, hoje, estendeu-se, tem bairros lindíssimos e a população triplicou. Hoje, a Ribeira Grande é aberta não só para o mar, porque durante anos andamos de costas voltadas para o mar e, atualmente, não, é um mundo diferente, porém os nossos jovens têm preocupações de ordem social, económica, que me preocupam. Portanto, acabar os estudos, ter um trabalho e recomeçar uma vida torna-se difícil e eu que falo com alguns destes jovens preocupa-me um pouco.

 

Se eu me chamasse José Manuel Bolieiro e o convidasse para ir ao Palácio da Conceição aconselhar-me sobre o que deveria fazer para que os Açores fossem mais Açores. O que me diria?

Isso é uma pergunta difícil. Uma coisa que me choca é ver, muitas vezes, divisões e regionalismos ao nível das ilhas. Eu acho que temos de continuar a trabalhar de uma forma mais unida, para que os Açores sejam realmente os Açores, nove ilhas, da Terceira ao Corvo, sem distinção. Eu digo sempre que conheci os Açores quando fui para a diáspora, onde frequentava, nomeadamente, o Clube do Lusitano, o Clube do Angrense e o Clube do Micaelense, pois foi aí que eu me tornei açoriano e passei a viver os Açores. O que eu gostaria dos Açores é que quando houvesse um problema num porto ou numa pista, por exemplo, se resolvesse esses problemas, porque, ao fim e ao cabo, todos beneficiam e eu verifico que as coisas andam muitas vezes devagar e não é só com este Governo, é com todos os Governos. Eu digo sempre que não tenho partido, aqui, em São Miguel, porque o meu partido é aquele que defende a diáspora açoriana e, felizmente, no que diz respeito à diáspora, desde o Governo de Mota Amaral, Carlos César, passando pelo Vasco Cordeiro, até hoje ao José Manuel Bolieiro, eu noto que há um carinho muito grande, através da Direção Regional das Comunidades, em relação à nossa diáspora.

 

José Andrade é uma pessoa presente?

Em relação ao José Andrade, eu vou-lhe ser muito sincero, eu acho que ele está no lugar certo. Já conheço o doutor José Andrade há alguns anos, ele sempre teve uma grande paixão e não é o tipo de político astronauta que aparece no momento em que menos esperamos, como há pessoas que aparecem. E eu gosto dele, neste caso, com uma posição entregue à pessoa certa, porque ele tem um grande conhecimento da diáspora e já escreveu muito sobre as nossas comunidades.

 

Entende, como alguns já defendem hoje, inclusivamente o presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, Luís Garcia, que a diáspora deveria ter uma voz mais ativa nos Açores de hoje, nomeadamente tendo representantes no parlamento regional?

A resposta é sim. Nós temos, praticamente, 5 milhões de portugueses espalhados por todo o mundo, das várias gerações, e temos 1,5 milhões de açorianos, portanto não há dúvidas nenhumas de que nós temos de ter uma voz mais ativa, porque a grande maioria dos açorianos que vivem lá fora, independentemente de ser nos Estados Unidos, Canadá, nas Bermudas ou outras partes do mundo, eles gostam muito desta terra e muitos deles têm investido nos Açores, através de compras de casa e de comércio, pelo que é importantíssimo fazer exatamente como os italianos e israelitas fazem, dar uma importância capital aos emigrantes. Nós somos o prolongamento dos Açores e, como tal, há que acarinhar tudo isso e não é preciso muito dinheiro para trazer cá algumas pessoas que sejam selecionadas para debater problemas, muitas vezes, graves, devido à assimilação das camadas mais jovens e da perda da língua materna. Portanto, poderemos e deveremos ter uma voz mais ativa.