A abrir a edição de hoje, quando alguns insistem na celebração do 25 de novembro de 1975 no ano do cinquentenário da Revolução dos Cravos, queremos prestar uma sentida homenagem à luta travada por largas centenas de homens e mulheres contra um poder feroz e autocrático, que nos condenou durante 48 anos ao obscurantismo, à repressão, à fome e à miséria, pagando muitas vezes essa coragem com o degredo e a própria vida para que esse “milagre” pudesse acontecer. “Milagre” que ficou a dever-se aos militares que ousaram sair dos quarteis numa madrugada libertadora, para nos devolver o sonho e a esperança e colocar nas nossas mãos a construção do nosso futuro coletivo. “Milagre” que ficou igualmente a dever-se a um povo que desobedeceu aos seus libertadores e saiu à rua para exigir que, daquela madrugada, não resultasse apenas num mero golpe militar de raízes corporativas, mas uma verdadeira revolução política, social e cultural!
Posto isto, e antes de passarmos à publicação da I parte do VI conto do concurso “Um Caso Policial no Natal”, queremos recordar que maio foi o mês da realização do Convívio Policiário Nacional, onde procedemos à entrega dos prémios do Torneio de Decifração “Solução à Vista!” e do Concurso de Produção “Mãos à Escrita!” – 2023, que conheceram os seguintes resultados finais:
Torneio de Decifração “Solução à Vista!”
Da Vinci (Taça Madame Eclética – 1º lugar); Búfalos Associados (Taça Joaquim Ferreira Leite – 2º lugar); Detetive Jeremias (Taça Salvador Santos – 3º lugar); Paulo (Medalha – 4º lugar); Inspetor Gigas (Medalha – 5º lugar); Dona Sopas (Medalha – 6º lugar); Inspetor Mucaba (Medalha – 7º lugar); Elisa Bethy (Medalha – 8º lugar); Inspetor Moscardo (Medalha – 8º lugar); Pim-Pim Leite (Medalha – 8º lugar).
Concurso de Produção “Mãos à Escrita!”.
Bernie Leceiro (Taça Jornal Audiência GP – 1º lugar); Detetive Jeremias (Taça O Desafio dos Enigmas – 2º lugar); Rigor Mortis (Taça Local do Crime – 3º lugar).
“Um Caso Policial no Natal” – SEXTO CONTO
AMEM-SE UNS AOS OUTROS, de Inspetor Moscardo
I – PARTE
O espírito da paz entrara no íntimo de toda a gente. Era a véspera de Natal.
Filipe relera um versículo bíblico: “Amem-se uns aos outros. Como eu os amei”.
Tão longe, se encontravam as coisas do mundo, do conteúdo, desse mandamento.
Pensando nisso, uma destruidora amargura espalhou-se dentro de si.
As adversidades ocorridas pela vida, saltaram do fosso das masmorras do alheamento, e cercaram-no ali, dentro de sua casa, a casa que ele recuperara com dificuldades, e dentro da qual esperava os seus familiares para a consoada.
Solteiro, no ano que passara, subjugara-o um agreste isolamento, uma sensação de incomodo constante, de imparidade sombria.
Uma amiga dissera-lhe:
— És a perfeita natureza morta, da imperfeita solidão viva.
Respondeu-lhe algo, que não desse a entender, precisamente, que não tinha entendido.
Anos mais tarde, soube que afinal, a amiga queria mesmo perceber, é que ele, não tinha percebido.
Neste Natal convidara para a consoada, os irmãos e os sobrinhos.
Armara a árvore com os presentes à volta, e uma serpentina de pequenas lâmpadas, a acender e a apagar, ao redor da copa.
Aguardava que chegassem, e tencionava depois da ceia, irem à missa do galo.
O seu telemóvel tocou, uma videochamada, era o seu irmão mais novo.
Perguntou-lhe como se encontrava de saúde, e se, se andava a sair bem, na empresa onde trabalhava em informática. Do melhor respondeu-lhe. Na chamada IA, estou entre os primeiros.
E disse-lhe o irmão que a esposa, os meninos e ele próprio, encontravam-se também bem — apontou para eles a câmara do telemóvel, — mas lamentavelmente, não poderiam passar a consoada com ele, porque os sogros fizeram finca pé, e quase os “obrigaram” a passar a noite com eles.
Notando a sua deceção, disse-lhe o irmão que ficariam para a passagem de ano. Que contasse com eles para o ano novo.
Não conseguira disfarçar a seu desapontamento.
Ligou a televisão. Iria dar umas boas gargalhadas a ver o filme “Sozinho em Casa”. Distraído como sempre, não reparara que o filme desta vez, não fazia parte da programação natalícia.
Entretanto ligou o seu outro irmão, e também, por um motivo de última hora, não poderia também estar presente.
Uma angústia sem explicação, se alastrou pelo âmago da sua alma. E decidiu-se a beber qualquer coisa.
Passaria a noite sozinho.
Pegou na bíblia, folheou-a e abriu-a ao acaso. Leu:
— “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam”.
Lembrou-se então do senhor regedor, com quem tivera alguns litígios.
Tinha ele praticamente toda família emigrada. Em França uns, Suíça e Luxemburgo outros, e só vinham à mãe Pátria, de vacances no verão.
Provavelmente estaria nas mesmas circunstâncias.
(O regedor era pouco religioso. Não frequentavam a missa.)
Reparou na fantasia que comprara de Pai Natal, arrumada sobre o sofá e que tencionara vestir, para a festa.
E pensou que mesmo sem celebração, iria vesti-la para surpreender o regedor, com uma garrafa de champanhe, e remirem-se mutuamente, das contendas antigas.
Aproximava-se a meia-noite.
Vestiu a fantasia de Pai Natal. As ruas da cidade estavam iluminadas. Saiu de casa.
Ao aproximar-se da casa do regedor, viu por uma janela que havia luz na sala. Bem, ainda não se deitara. Bateu à porta. O regedor surgiu à janela, para ver quem o visitava.
— É pá, quem és tu, vestido dessa maneira, que apareces a esta hora, sem assistires à missa do galo, e vens interromper a construção do presépio, que é a minha companhia na consoada solitária?
(continua na próxima edição)