“A AGRICULTURA É CAPAZ DE VIVER SEM O TURISMO, MAS O TURISMO DOS AÇORES NÃO VIVE SEM A AGRICULTURA”

No rescaldo da XVII edição do Concurso Micaelense da Raça Holstein Frísia, que decorreu entre 1 a 3 de junho no Parque de Exposições de São Miguel, o AUDIÊNCIA esteve à conversa com o presidente da entidade organizadora, Jorge Rita.

Apesar de o evento ter sido um enorme sucesso, à semelhança de outros organizados pela Associação Agrícola de São Miguel, o seu presidente garante que é necessário mais apoio e incentivo à agricultura e afirma mesmo que não aceita que “a agricultura passe para segundo plano”, até porque, segundo Jorge Rita, os números demonstram que o valor das exportações do setor é bastante superior ao valor que o turismo tem dado à região.

 

Realizou-se, recentemente, mais uma edição do Concurso Micaelense da Raça Holstein Frísia. Qual o balanço que a associação faz deste evento?
O balanço é extremamente positivo. As expetativas em relação a esses eventos são sempre muito altas, porque a qualidade dos mesmos, ao longo dos anos, tem vindo sempre a crescer, e com a possibilidade de termos um espaço magnifico para este tipo de evento, que só dignifica o setor e o próprio evento em si, que foi também a construção do pavilhão que potencia essas situações. Sendo as expetativas sempre muito altas, tive alguma preocupação porque nunca sabemos como irá decorrer, embora a experiência seja muita neste tipo de eventos, e de outros. Fazemos, desde há alguns anos, dois concursos anuais e isso traz-nos a nós e a toda a equipa da casa alguma tranquilidade no sentido de percebermos como é que tudo funciona. Mas até terminar o concurso estamos sempre em alerta na expetativa de alguma coisa não correr conforme desejamos. Mas, felizmente, as coisas correm sempre com muita normalidade, com um público ordeiro, com criadores extraordinários, e corre tudo sempre com muita serenidade, tranquilidade e responsabilidade. E eu, como presidente da organização do evento e presidente da Associação, reconheço e felicito aqueles que estiveram envolvidos, começando, precisamente, pelos criadores, que são a génese do evento em si, que apresentam os seus animais com muita arte, muito saber, muito conhecimento e muita paixão que é o que relevo sempre. E foi precisamente até em o que o Primeiro Ministro de Cabo Verde achou, não sendo um conhecedor da matéria, a envolvência extraordinária deste concurso, rodeado de uma grande paixão. E isso, para nós, é fundamental porque também sabemos que este é um setor de grandes paixões, não só um setor importante na economia da região mas um setor onde a maior parte dos agricultores que estão ligados têm essa paixão. Penso, por isso, que correu tudo na perfeição, ganharam novos criadores que têm vindo a crescer na sua qualidade ao longo dos anos e isso é extremamente importante, a diversificação dos prémios.

 

Quantos animais a concurso teve esta edição?
Tivemos 240 animais a concurso, o que, neste tipo de concursos, é uma enormidade. O juiz ficou espantado pela qualidade dos animais, mas também pelo ambiente que se criou à volta disso. Sintetizando o evento em si, para nós é com grande satisfação que chegamos ao final de domingo, sabendo que as coisas correram muito bem, que os criadores estão muito satisfeitos com o evento, que as pessoas que visitaram gostaram, que os patrocinadores viram bem empregue o seu investimento e agradecemos a todos os que colaboraram, desde as instituições oficiais, o Governo Regional, a Câmara Municipal, a Associação Portuguesa de Criadores de Raça Frísia, e todos os patrocinadores de uma forma geral. E um agradecimento muito particular aos nossos colaboradores da Associação, que num trabalho espetacular fazem com que o evento acabe por correr com essa normalidade e categoria. Aqui viu-se, evidentemente, o trabalho que tem sido feito pelas associações, em prol do melhoramento genético na região: temos os melhores animais a nível nacional, indiscutivelmente, este é o melhor concurso que se faz a nível nacional, a grande distância de qualquer outro, pela dinâmica, pela dimensão, pelo entusiasmo, pela paixão, pela qualidade das vacas, pelo número de animais que se apresenta e pelo número de explorações. Falamos de 240 animais mas 70 explorações estiveram cá, tivemos perto de 40 miúdos aqui a concurso também com os seus animais, o que dá uma imagem fantástica de crianças de 4 e 5 anos a passarem os seus animais aqui. O juiz ficou encantado porque é algo que não se vê em parte nenhuma.

 

Mas já é a 12ª vez que isso acontece.
Sim, já implementamos isso há vários anos e hoje vemos que grande parte da formação que demos nessa área, grande parte dos jovens que foram passando por aqui, são hoje os responsáveis pelas explorações, e algumas de grande dimensão. E isso também se deveu àquilo que é incutir na juventude, principalmente àqueles que estão mais ligados à agricultura, no caso concreto, os que são familiares dos agricultores, incutir-lhes o espírito e o gosto pelas vacas. E é isso que se tem conseguido, associado a uma formação adequada precisamente nessas áreas e claro que estes eventos também servem para aumentar a autoestima mas também para dar notoriedade à excelência do que se tem feito na região, no caso concreto, no melhoramento genético. Se há bons exemplos que a região pode dar ao país e ao mundo da sua evolução, penso que não há muitos melhores do que a evolução genética na Região Autónoma dos Açores.

 

Houve também um evento especial, destinado às crianças que estiveram aqui, do 3º e 4º ano das várias escolas de São Miguel, e foi um momento particularmente significativo.
Sim, é um dos momentos mais nobres desta instituição do meu ponto de vista. Os concursos é quase uma obrigação fazermos para dar notoriedade ao setor, mas um trabalho que na região, e não só, que temos de fazer é com a juventude. Ensina-los o que é a agricultura, principalmente à juventude urbana porque as pessoas não podem pensar que o leite, o queijo, a carne e as hortícolas vêm dos supermercados. Mas isto é um trabalho a montante que é feito e é pedagogia. E penso que as escolas também acabam por aderir muito bem a este evento porque as escolas têm um papel importantíssimo na divulgação da nossa agricultura e num ambiente saudável, numa agricultura saudável e que tenha sustentabilidade ambiental. E isso temos conseguido e é isso que pretendemos para o futuro, é que as pessoas sejam cativadas pela via dos miúdos neste sentido porque o setor agrícola é um setor muito sujeito a críticas violentas por causa da alimentação, há os fanatismos alimentares de muitas pessoas e as pessoas evitam falar disso, mas há muitos suicídios derivados do fanatismo alimentar. As mulheres principalmente quando querem ser modelos, quase que se suicidam por via alimentar. Portanto, há as manias toda a gente sabe disso, há facões contra e favor do leite, mas é vital no nosso dia a dia. Mas claro que quando se comete exageros, é como em tudo na vida, não é só na alimentação. E é preciso que as pessoas percebam o que é uma alimentação saudável também o mecanismo da produção. E nada melhor que trazer os miúdos cá porque esses é que percebem, porque os adultos já vão ter mais dificuldade em alterar as suas mentalidades. O trabalho tem de ser feito nessa base e de uma forma pedagógica. Ter aqui 4 mil crianças não é fácil de fazer, em qualquer parte do país, acho que foi um evento de grande nobreza.

 

E o presidente da CAP ficou surpreendido.
Nós somos pessoas que gostamos de trabalhar e depois só apresentamos o trabalho, não andamos nas pontas dos pés a dizer o que fazemos. E o meu papel também passa muito por aí, ser crítico, mas saber fazer não é só criticar e depois se me pedem como é que se faz, não saber. Quando eu faço uma crítica sei como se resolve o problema. Perguntaram-me há uns tempos sobre as indústrias de lacticínios, por causa do preço do leite, num evento que foi feito aqui também com muito sucesso, e diziam que a associação é que devia ter uma fábrica de leite. E eu disse, “sim senhor, deem-me, mas não as falidas, dêem-me uma como já deram aos outros”. Houve empresas que tiveram as fábricas dadas pelo Governo, e continua a acontecer. Deem-nos uma fábrica de leite sem ser falida e depois vê-se se resolvemos o preço do leite ou não. A questão é essa porque também sabemos como as coisas são feitas. Os eventos que fazemos aqui é sempre sinónimo de sucesso.

 

Em simultâneo ao concurso decorreu a 3ª mostra de aves.
Sim e é muito interessante porque as pessoas gostam muito. Aliás, a Associação das Aves e a Associação Equestre de São Miguel também são parceiras do evento.

 

De ano para ano, em termos de iniciativas que acompanham o concurso, há um crescendo. Isto transforma quase um arraial no exterior com muito movimento neste local.
Sim. O local é aprazível e tem todas as condições, quer a nível das acessibilidades, quer a nível do espaço em si com muita segurança para as pessoas virem com as suas famílias e também há sempre um espaço para as pessoas andarem entretidas e as crianças a brincar. Depois temos a gastronomia também, além do restaurante, com as tasquinhas, e obviamente cria-se aqui um cenário muito interessante para as pessoas passarem um bom fim de semana, além dos concursos em si. O objetivo é trazer as pessoas que gostam de cá vir, não é trazer, como uma vez, o Tony Carreira e termos 2 ou 3 mil pessoas aqui dentro e ninguém se mexia. O objetivo não é esse, não é dizer que tivemos mais pessoas que os outros, as Câmaras é que têm de fazer essa contabilidade ou os governos quando estão em campanha eleitoral. O objetivo da Associação é que as pessoas venham e gostem de cá estar precisamente pelo motivo que cá estão. A animação, ao longo dos anos, tem sido sempre regional, não há grandes novidades em relação a essa matéria.

 

Os resultados destes eventos e de outros, dão-lhe a segurança suficiente para não desistir da ideia de realizar um evento a nível nacional em 2020?
Sim. Esse é um facto consumado. Em 2020 o concurso nacional será feito na Região Autónoma dos Açores. Não há volta a dar. Aliás, está estipulado na Associação Portuguesa de Raça Holstein Frísia, da qual sou presidente da assembleia geral, essa situação está resolvida e os criadores nacional estão entusiasmadíssimos. Agora, também compete aqui à região preparar a logística para trazer cá o concurso nacional, ou seja, as vacas têm de ter condições para cá virem porque o presidente também defende muito e desafia-nos para irmos com os nossos animais a um concurso internacional, mas é preciso preparar um avião com um mês ou dois de antecedência para isso, se nos prepararem isso, o resto nós fazemos. Nós queremos isso cá mas temos de ter as condições de segurança e de logística precisamente para que este evento seja feito. E será feito, quase de certeza absoluta, porque temos condições para isso e, aliás, mais de 70% das vacas excelentes do país estão aqui na ilha de São Miguel.

 

 

 

No seu discurso de abertura, alertou para a importância da agricultura nos Açores e deu até como comparação o turismo, que toda a gente enche a boca com o turismo, dando como exemplo a exportação de leite e demonstrando que é quatro vezes o valor arrecadado com o turismo.
Para que as pessoas não tirem ilações erradas daquilo que digo, nós não temos nada contra o turismo. Temos a consciência, ao longo dos anos, desde que sou presidente, que o turismo é um setor muito importante para a diversificação da própria economia e que todos ganhamos com o turismo. A própria agricultura também ganha com o turismo. Agora, não aceito nem nunca irei aceitar, é que a agricultura passe para segundo plano. Todos podem querer fazer isso em termos de imagem e de conversa, mas, na prática, em termos económicos, ainda não há nenhum setor que consiga substituir nem uma parte do setor agrícola. E dei dois exemplos e frisei os números porque gosto que as pessoas fixem isso. Chegou-se ao final do ano com uma expetativa muito positiva em relação ao turismo que deixou líquido, na região, entre 80 a 90 milhões de euros. São contas anunciadas pelo Governo, só eles é que as conhecem. Deve ser, na melhor das expetativas, esse montante, mas acreditando que seja esse valor, mas costumo dar outro número que é muito fácil de as pessoas perceberem. Só por sermos uma zona periférica e haver agricultura nos Açores, recebemos 77 milhões de euros, já há anos, líquidos, da União Europeia. Só por haver agricultura. Sem qualquer comparticipação da região nem do Governo central. São 77 milhões, está muito próximo dos 80 milhões líquidos que o turismo deu. Se quisermos falar de outros números, a Região Autónoma dos Açores exporta, só de queijos, e quase 80% vai para o continente, uma média de 300 milhões de euros. Não estamos a falar do leite nem do restante leite que sai transformado, nem da carne que também sai muito, ou das pequenas produções de chá, mas tudo o que sai da agricultura estamos a falar de montantes elevados. Obviamente que não é muito fácil um setor com esta dimensão ser substituído ou passar para segundo plano. Por isso digo que nunca aceitarei que este setor passe para segundo plano. E há mais. A agricultura é capaz de viver sem o turismo, mas o turismo dos Açores não vive sem a agricultura. Não tem qualquer tipo de hipóteses porque os turistas vêm cá porque existe paisagem que é feita pelos agricultores. A manutenção da paisagem quem é a faz são os agricultores, transformada, porque ela não é intacta, está transformada pelos agricultores. Quem faz o jardim da nossa terra são os agricultores, com os nossos pastos, as nossas florestas que também pertencem à agricultura, portanto, nós é que somos os verdadeiros jardineiros de toda essa beleza natural que temos. Isso é um valor inquestionável e que nem é valorizado, muitas vezes, porque todos sabem que o turismo vem cá para ver isso. Não quer dizer que não passe nas praias, mas o nosso turismo não é um turismo de praia, é um turismo de natureza, rural, que tem a ver essencialmente com a nossa agricultura. Por isso, acabamos por ser uns potenciadores extraordinários de um outro setor muito importante na região que é o turismo, portanto, somos apologistas e defensores de um bom turismo na região, todos ganhamos com um bom turismo, que é a venda do nosso produto, a marca do nosso produto e, para mim, não há melhor exportação que aquela que sai do estômago das pessoas. Se as pessoas vieram cá e comerem os nossos produtos não pagamos o transporte com a deslocação nem precisamos de fazer muito marketing, desde que ele seja bem feito na região. E para isso precisamos de bom turismo, tratar bem o nosso turismo e valorizar muito bem os nossos produtos.

 

Nos últimos tempos tem-se ouvido falar de que grande parte da carne que é utilizada na restauração e hotelaria dos Açores é importada da Argentina ou do Chile porque não existe carne açoriana suficiente para abastecer a restauração local. É verdade?
Carne suficiente existe, só que grande parte é exportada. Depois, para consumo local, também falta, principalmente nas peças nobres. Temos de ser realistas em relação a essa matéria. E esse é um desafio para a região, quer em relação à carne, quer em relação ao peixe. É saber se queremos um bom turismo cá e o que temos para oferecer, se vamos comprar peixe do continente ou congelado ou se vamos ter carne importada para oferecer aos turistas. Esta é uma situação que tem de ser repensada nos próximos anos. Nas peças nobres a oferta do mercado regional, neste momento, não é suficiente, na restante carne é mais do que suficiente, mas nas peças nobres não, por isso, temos, se calhar, que repensar essa situação. E quando digo isso da carne digo precisamente o mesmo do peixe. São duas situações em que, em termos de gastronomia, são muito fortes, como é obvio, mas o que me compete falar é da carne e tenho tido essa conversa com o presidente e vice-presidente do Governo Regional, porque há coisas que temos de começar a repensar, porque os números da exportação são muito importantes mas para nós, neste momento, se calhar, menos exportação de algumas variedades, mesmo na carne, poderá ser muito melhor para a região, precisamente para fazer com que a oferta se mantenha na íntegra da carne da região porque, neste momento, confesso que não é possível com a dimensão que atingiu o turismo cá, e aquilo que está no mercado, satisfazer todas as necessidades em relação às carnes nobres, que são os lombos e as vazias.

 

E que no caso dos Açores, porque é um grande produtor de leite, as vacas leiteiras não darão essa carne nobre. É isso?
Isso é o que muita gente pensa, mas eu não concordo. Em termos de qualidade organolética das vacas da nossa carne, a melhor é das vacas de reforma. As vacas que vêm do leite e que vão para a reforma. A questão da conformação desses animais não é tão boa em termos de peças com a mesma quantidade, em termos de quilos. Ou seja, não é a qualidade porque, por exemplo, a grande percentagem de carne que vendemos aqui no restaurante vem das vacas, não vem dos novilhos, nem dos animais de engorda, vem das vacas de leite. As vacas saem do circuito do leite por várias razões, ou porque não são boas produtoras ou porque não conseguem fecundar, e vão para o abate, por isso é que são as vacas de reforma. Por exemplo, um animal que é típico de engorda, tem 56% de aproveitamento da carne, pode até passar dos 60% se for puro, mas se for de leite raramente está dentro dos 50%, portanto, 50% é osso como costumamos dizer, e os outros 50% é carne. E se for na engorda, aumenta, portanto, quanto mais as raças apuradas são, mais aumenta a percentagem, por isso é que as pessoas criam os animais para engorda e os outros são para leite. Mas o aproveitamento das vacas de reforma de leite e a sua qualidade na alimentação é extraordinária, mas claro que todos sabemos que nas vacas com mais idade as peças nobres são extraordinárias porque são tenrinhas, mas as restantes carnes menos nobres têm sempre muito menos aceitação no mercado. Mas por isso é que já existem, e cada vez mais, as carnes moídas e uma série de aproveitamento das carnes neste sentido.

 

 

“Temos um dos melhores leites do mundo, mas temos também o leite mais mal pago da Europa”

O leite é um dos produtos mais procurados no continente e também aqui na Região Autónoma dos Açores. No entanto, o preço atualmente pago ao produtor ainda é 2 cêntimos, pelo menos, abaixo do que era há quatro anos atrás. Apesar do secretário regional ter “jogado” com os números, está pior do que há quatro anos, verdade?
Eu penso que o senhor secretário se enganou claramente nos números, ele está a basear-se nos números desde que é secretário, penso eu. Os números estão claramente errados. A partir de novembro de 2014 o leite baixou 10 cêntimos em média na região. E no ano de 2017 subiu três cêntimos em algumas indústrias. Portanto, ainda continua 7 cêntimos abaixo. E com a agravante de uma das indústrias, no princípio do ano, ter baixado novamente um cêntimo. Ou seja, os números reais são estes e são comprovados. O que para nós é estranho é porque é que essa indústria, de uma forma antecipada, ainda os mercados estavam a anunciar pequenas descidas, tenha descido. É preciso que as pessoas não se esqueçam que quando houve o momento das subidas, houve subidas até 16 cêntimos, a média esteve durante muito tempo em 8 cêntimos de diferença entre a região, só que a região teve subidas tímidas e tardias. E claro que sabemos que isso tudo tem ciclos, começa o ciclo da descida já algumas indústrias se começam a antecipar nas descidas. Retardam as subidas, se leva um ano ou dois em subidas nos mercados, a região faz meio ano, e só faz já quando sabe que no ano a seguir, quase de certeza absoluta, o leite está em declínio. Ou seja, os milhões só por esse facto das indústrias fazerem dessa forma, o que a lavoura perde é enorme. Com as descidas do preço do leite em 2014 para 2017, a lavoura deixou de ganhar mais de 80 milhões de euros, ou melhor, não deixou de ganhar, deixou de os ter. Porque se ganhássemos esses montantes estávamos muito bem, ou seja, agravou muito a situação financeira das explorações. E hoje vê-se alguma descapitalização no setor, precisamente também por causa dessa razão, o que é lamentável. À parte dessa situação do leite, e de não se fazer repercutir o valor que o leite tem em toda a cadeia, o que é lamentável para nós é percebermos que temos um produto extraordinário que é o nosso leite, que tem uma aceitação nos mercados nacionais e não só, tanto o leite como os derivados. Consideramos, mas sou parte interessada na matéria, que é um dos melhores leites do mundo, mas temos o leite mais mal pago da Europa. Isso é que é lamentável e não podemos aceitar.

 

A que é que se deve que, de 2014 a 2018, no consumidor final, o preço aumentou sempre quando há aqui um abaixamento de 8 cêntimos na produção?
São as questões meramente comerciais que nós não entendemos. Há aqui dois discursos na região que são totalmente antagónicos. Quando se anuncia que é preciso baixar a produção aos produtores, que é uma coisa extremamente difícil, obriga-nos a baixar a produção porque os mercados têm excedentes. E depois se argumentamos que então vamos canalizar apoios em vez de ir para as indústrias para outras áreas, para que as pessoas reduzam a sua produção para manter um rendimento estável, as pessoas assustam-se logo e dizem “mas nós até somos tão pequeninos no mercado”, os outros absorvem esse mesmo mercado. Há um discurso totalmente contraditório, até das entidades oficiais, que eu lamento profundamente. Porque quando se quiser ter estratégias as coisas têm de ser feitas independentemente de ser politicamente correto ou não. Dou só um exemplo. Houve aqui um ano em que, por haver excedentes de leite na Europa, houve países que tomaram decisões drásticas. Por exemplo, a Holanda, abateu 250 mil vacas. Em 2017 eles já tinham o preço a 40 cêntimos. Os lavadores foram ressarcidos pelo abate das vacas em termos de apoios, e depois, logo a seguir, o leite aumentou para 40 cêntimos. Aumentou 15 cêntimos. Portanto, estamos a ver a diferença de estratégia, aqui na região não houve qualquer tipo de estratégia. Nem das indústrias nem do Governo Regional. E quando assim é torna tudo mais difícil para o que vem a seguir, por isso é que continuamos na cauda da tabela em termos de preços. Depois é a questão de marketing. Temos um produto bom, de facto, e qual o marketing que fazemos de forma consistente? Tirando o das “vacas felizes” não há mais nenhum. Andamos sempre a vender muito para as marcas brancas, mas leite dos Açores para as marcas brancas porquê? Então porque é que se há de continuar a fazer mais leite UHT quando se podia fazer mais queijo? Há que fazer a valorização por via dos queijos e a rentabilização nos transportes. 10 litros de leite dão para fazer um quilo de queijo, a diferença que isso dá em termos de exportação é impressionante. A exportação do leite em termos de dimensão, em número de contentores é muito bom, mas é para as empresas de navegação, para os transportes marítimos, não é para nós. Quanto mais transportes pagamos pior, portanto, se eu puder transformar um produto de 10 para 1, reduzir e ter valor acrescentado no produto final, que é o caso dos queijos, ainda por cima com maior segurança de venda e com maior valorização, e com um custo de transporte mais baixo, é essa a política que tem de ser feita na região. E deixar só uma parte para o leite UHT, não concentrar demasiado a produção no leite UHT que, ainda por cima, é o produto mais barato do mercado. E ter na região os produtos mais baratos do mercado não faz qualquer sentido, deixamos de ser competitivos, porque temos custos acrescidos por sermos uma zona periférica e por falta de dimensão e de escala. Portanto, o caminho não pode ser esse. O caminho é inovar com produtos que podem acrescentar valor. Sempre, em primeira linha. E reduzir ao máximo aqueles que depreciam valor, que são os de marca branca. A gente percebe que é preciso, e há os acordos comerciais, que tem de haver alguns produtos de marca branca, mas esse não pode continuar a ser o caminho.

 

Relativamente ao leite e ao queijo, em Portugal continental, por exemplo, se perguntarmos o que conhecem em termos de queijos dos Açores resume-se ao queijo de S. Jorge e ao leite das “vacas felizes”. O que estará a faltar e termos de estratégia?
O leite dos Açores, por via do leite das “vacas felizes” todo ele apanha um benefício, foi sempre isso que considerei. Portanto, a estratégia da Bel em promover o leite das “vacas felizes”, da forma que o fez, teve um sucesso extraordinário. Não sei em termos de receitas, em termos económicos, tem o retorno que eles pensavam, mas estou convencido que sim, eles não o dizem mas julgo que será melhor do que o que dizem. E foi um marketing muito bem feito, que correu bem, as pessoas gostaram, gostaram da promoção e o produto final é de extrema qualidade. E esse produto assim é que alavanca os outros, porque já começamos a ver que outros leites também produzidos nos Açores, estando conotados com os Açores, vão a reboque. E é isso que precisamos, os rebocadores e os outros a reboque. Temos de ter sempre aqui, em termos de alavanca, alguns produtos importantes. O queijo de S. Jorge é um exemplo extraordinário do que é um bom queijo. Pena é, e lamento profundamente, que muitas vezes seja mal vendido. Mas isso não é uma questão da produção, a produção está a fazer o seu papel que é produzir um produto que a indústria nos exige, um produto com qualidade. Nós damos essa qualidade que eles pretendem, pena é que ela não seja transformada e valorizada em produtos de maior valor acrescentado. Acho que, muitas vezes, os grandes projetos que se têm feito na indústria na região, muitos deles, deviam ter sido mais bem pensados, muito mais bem discutidos e não deixar muito ao critério de duas ou três pessoas que é quem decide, muitas vezes, em relação a isso. Porque há projetos que não deviam ter sido feitos, nalgumas indústrias, já foram regulados e não deviam ter sido, e deviam ter sido regulados de outra forma para produzir outro tipo de produtos, que é o que as pessoas querem. Não vamos vender aquilo que queremos, vamos vender aquilo que o consumidor quer consumir. E quem produz, quem transforma, e quem comercializa se não tiver uma estratégia do consumidor não tem sucesso. O sucesso é curto, porque o consumidor é que dita as regras, temos de trabalhar em função daquilo que o consumidor quer. Se o consumidor já começa a querer produtos biológicos, mais leite e produtos biológicos, se há algum nicho de mercado para esse consumidor, tem de se trabalhar nesse sentido. As tendências de mercado é que definem o produto na sua sequência normal até ao final. E aqui, cada vez mais, com o turismo a crescer, e esperamos que seja um turismo de qualidade, que é esse o objetivo para todos nós, porque também não sou da opinião que temos de ter turistas e barcos todos os dias a encher Ponta Delgada para poucos resultados. Sou muito mais defensor de um turismo que venha cá, que gaste, que consuma, que passe cá alguns dias e que depois incentivem famílias e amigos a virem cá também e depois também a possibilidade de exportarmos para alguns desses países em que eles vivem. Temos os EUA que é um cartaz espetacular, na nossa opinião, estou convencido que se houver um sucesso nessas viagens nos próximos tempos pode inverter muito aqui a situação dos Açores, porque os americanos quando gostam pagam e repetem. É dos melhores mercados. Vamos aguardar para ver, mas a estratégia comercial dos Açores tem melhorado, é um facto, mas é demasiado desagregada. Está a ser feito um bom trabalho no sentido de agregar mais todas as produções regionais e dar-lhe notoriedade no exterior mas depois, a parte final que compete aos empresários, mesmo na área dos lacticínios que é aquela que tem mais impacto e dimensão, vejo sempre alguma desagregação, ou seja, infelizmente, ainda não se tem conseguido articular bem a marca Açores e os nossos produtos no mercado em que tendo uma boa aceitação não tem a devida valorização.

 

Há pouco mais de um ano o Grupo Bel lançou o leite de pastagem que foi um passo à frente em termos de qualidade, prometendo na altura, remunerar melhor os produtores desse tipo de leite. Há algumas semanas atrás, a diretora geral, Ana Cláudia, esteve em S. Miguel e pré-anunciou a criação de um leite ainda de melhor qualidade que seria a grande aposta para os Açores. Portanto, está na mesma linha de pensamento…
Completamente. A Bel, muitas vezes, é o meu alvo de ataque preferido porque é uma multinacional, de grande dimensão e quando não paga aquilo que nós pretendemos obviamente não os deixamos de atacar, mas como indústria e filosofia da indústria em relação ao produto final não temos grandes ataques a fazer. A relação comercial com os produtores é que achamos que eles são demasiado rígidos e que podiam pagar muito mais. É a nossa opinião, obviamente eles podem ter a opinião contrária. Mas no aspeto de estratégia de indústria e de valorização, penso que a Bel está muito à frente das restantes indústrias, custa-me dizer isso, não é isso que gostava de dizer, mas temos de ser realistas. O conceito das “vacas felizes”, a aceitação que teve no mercado e a forma como está a alavancar os outros, embora muitos tenham tentado puxar o projeto para trás – infelizmente somos muito assim – quando há uma coisa boa não gostamos que alguém tenha uma coisa boa na nossa terra, na região e no país. Mas felizmente que esse projeto andou e que houve grande insistência da Bel, no caso concreto da engenheira Ana Cláudia Sá, penso que é o mérito deles que temos de felicitar pelo conceito muito interessante da promoção de um produto, associado à qualidade intrínseca que o leite tem, porque se não a tivesse não tinha o sucesso que está a ter, e que aqueles outros projetos que já foram anunciados e que temos conhecimento são projetos arrojados, como é o caso do leite biológico, mas que vão no caminho certo. Agora, para que as pessoas percebam bem, o leite das “vacas felizes” e leite biológico, não é o leite todo que a Bel vai transformar. Há uma parte do seu leite que sairá para isso, e ao sair para isso, deixa pressão nos outros produtos que se vendem menos e com menos valor acrescentado. Gostava eu que todas as indústrias tivessem 20 ou 30% do leite já com valor de topo, ou seja, acima das médias. Em vez de estarmos com muitos produtos de gamas mais baixas, como os queijos de barra, como o leite em pó ou a manteiga, que agora está a ser valorizada, quanto mais sairmos disso e quanto mais tivermos produtos com nome, com marca, ou seja, a marca Açores é o chapéu de tudo, mas uma marca como a das “vacas felizes”, ou de outros que possam vir a aparecer, para a valorização penso que esse é o passo que a região tem de dar. Não temos dimensão, não temos escala, temos a diferenciação. E essa diferenciação é que tem de ser alocada a um produto final na área dos lacticínios. E aí sim, fará toda a diferença.

 

“O grande handicap de tudo isso tem a ver com os transportes”

No seu discurso também mencionou o evento que estava a ocorrer em simultâneo, que reunia representantes das ilhas aqui à volta. O comunicado final é de muitas promessas, de que agora é que vai ser. Está confiante que isso pode ser positivo?
Eu não sou uma pessoa demasiado otimista, sou realista. E por aquilo que tem sido feito ao longo dos anos, se me perguntar de todas as cimeiras o que temos de concreto, tirando a boa imagem que todos dizem que levam dos Açores, no caso concreto do que têm sido as nossas conversações, até mesmo a nível empresarial, se temos tido algum sucesso derivado dessas cimeiras, não conheço. Que eu conheça, nas nossas áreas não há nada de especial. Por exemplo, a nível de exportação para Cabo Verde, ela existe, mas já existia antes, mas não tem uma grande expressão. Antes da CEE tínhamos um grande canal de exportação para a Madeira porque os apoios na Madeira são diferenciados dos nossos, eles têm o apoio à importação, nós temos o apoio à produção, e eles não podem duplicar o mesmo apoio naquilo que temos de exportar. E em relação às Canárias, são mercados que podem ser muito interessantes, mas que estamos sempre a falar, e falamos muitas vezes, mas há um problema que nunca está resolvido. Podemos discutir todas as estratégias que quisermos em relação à parte comercial com essas regiões e esses países mas enquanto não tivermos transportes adaptados e adequados à circulação de bens e serviços entre esses países, nunca irá haver sucesso comercial. O grande handicap de tudo isso tem a ver com os transportes.

 

Nos contactos que tem tido com o Governo Regional, além do “vamos ver”, há algo em concreto que possa anunciar ou prever que o Governo venha a anunciar para resolver esses problemas imediatos que a agricultura tem?
Em relação aos transportes, que é transversal a todas as ilhas e a todos os setores, mas no nosso há muitos anos que temos vindo a reivindicar melhores transportes em todas as áreas, nos marítimos e nos aéreos. Nos aéreos, com a liberalização, não tendo um impacto verdadeiro na agricultura, mas de uma forma transversal na economia, parece que essa questão está salvaguardada. E nos marítimos pretendemos mais ou menos a mesma coisa, a liberalização que, parecendo que não, as pessoas acham que por termos três operadores a operar nos Açores que existe liberalização mas da forma que eles atuam não é liberalização, para mim é capitalismo, muito perto do cartel. E não é dessa forma que iremos ter sucesso em relação ao que são as nossas exportações nos Açores que são transportáveis por via marítima, e que são quase todas. Essa é uma grande questão que já há muitos anos reivindicamos e ainda não está resolvida. Outras situações têm a ver com o setor. O desagravamento fiscal deve ser transversal, nós já apelamos a um desagravamento fiscal nos Açores há muito tempo porque somos muito penalizados. Os Açores e o continente são as regiões da Europa que mais penalizadas são em fiscalidade. Para agravar temos uma Segurança Social que agravou claramente todos os jovens agricultores nos últimos anos e para o futuro. Outra situação são os caminhos de água e luz que são as reivindicações normais que temos de fazer mas em relação àquilo que para nós é uma grande preocupação tem a ver com o rendimento dos agricultores, e assenta naquilo que é a reforma da PAC, 20/30. Aí é que está busílis da questão para a região. Quando ouvi o ministro da agricultura a anunciar que até têm ganhos, eu penso que o ministro deve estar a fazer algum favor à Europa e já deve ter algum comprometimento. Um ministro da agricultura que transmite uma mensagem a dizer que Portugal ganha quando toda a gente sabe que perde, e com aquilo que está no momento em cima da mesa, Portugal passa para o último país da Europa em termos de ajudas comunitárias, penso que ministro Capoulas Santos, que conheço bem, foi muito infeliz nas declarações e não é dessa forma, dizendo que está satisfeito antes de começar as negociações, que vamos conseguir reivindicar. E espero é que, e o desafio para a região é esse, é que a região tenha sentido de estado, sentido de região, em relação ao que são as nossas pretensões. Não podemos aceitar menos verbas, temos que aceitar é mais verbas, quer a nível do desenvolvimento rural, quer a nível das ajudas diretas porque os próprios comissários já disseram que nas ajudas diretas não existe menos verba. Depois disse que no POSEI, onde estão implícitas as ajudas diretas, vai haver uma redução de 4%, mas esta redução nunca poderá existir porque o estado membro no seu envelope financeiro tem que cobrir essa situação. O que nós não queríamos é que fosse o estado membro a cobrir, porque sabemos que os estados membros ou a região, a par do pagamento da região do estado membro, retardam sempre. E o desafio que tenho feito ultimamente ao Governo, e em todas as minhas elocuções públicas, é o calendário do pagamento das ajudas regionais que não existe. Existe um calendário de pagamentos a nível da comunidade e é cumprido na íntegra, os pagamentos que temos de fazer às Finanças e à Segurança Social não podem falhar um dia, é cumprido na íntegra senão somos penalizados. E o único que não cumpre em toda esta rede é o Governo Regional que devia, até para dar o exemplo, fazer um calendário dos pagamentos das ajudas que tem para os agricultores. Outra questão é que a região tem de demonstrar aqui a sua força por via da razão e a razão é: nós somos uma região periférica, que temos mais de 30% da produção leiteira a nível nacional, 50% dos queijos que se produzem a nível nacional são dos Açores. Temos uma região fragmentada e a coesão económica e social ainda se faz bem na região porque existe alguma agricultura em todas as ilhas, ao deixar de haver agricultura nas ilhas ou ao deixar de haver apoios, essa situação poderá ser muito mais dramática porque o que fixa algumas pessoas nos meios rurais são precisamente os apoios que vêm da comunidade. E os apoios não são dados só para nós, são dados a todos. E somos os que menos recebemos, a opinião pública tem sempre uma ideia errada de que somos aqui os grandes absorventes de subsídios. Essa é a parte mais negativa que os agricultores têm, e o mais injusto que as pessoas podem dizer. Porque em toda a Europa, tudo o que é agricultor, recebe mais que nós.

 

Temos também o caso mais ou menos recente da SINAGA, uma empresa de capitais regionais que deixou de aceitar produção açoriana, passou a importar o produto. Isso traz algumas consequências para a agricultura nos Açores?
Sim, o processo da SINAGA é um processo que envergonha muita gente do meu ponto de vista. Até porque tem-se falado muito pouco da SINAGA e isto resolve um pouco a imagem da região, precisamente por se falar pouco. Um dos problemas da SINAGA que ficou mais ou menos resolvido, que tinha a ver com o pessoal, com a mão de obra que lá trabalhavam, mas a outra parte nunca foi resolvida que é os custos que a compra da SINAGA e os exercícios anuais que teve em termos financeiros são desastrosos para a economia da região. Penso que é melhor nem fazer essas contas porque as pessoas podem-se assustar. Foram mais prejuízos acumulados que não dignificam nem uma região nem uma gestão da região, por isso é que as pessoas acreditam menos quando é a governação a fazer a gestão de qualquer empresa e aqui evidenciou-se bem essa situação. Lamentamos profundamente que isso tenha acontecido e que o desfecho seja esse. Nós previmos isso há seis ou sete anos quando a SINAGA foi absorvida e a estratégia que eles utilizaram, disse isso várias vezes publicamente, que era o fim da SINAGA com a estratégia que o Governo estava a adotar. Infelizmente, essa situação aconteceu, é mais uma produção secular que sai dos Açores. Sabíamos que aquela fábrica não tinha as condições que toda a gente dizia para continuar a produzir da forma que queriam que produzisse. O que eu lamento é que perante essa situação é menos uma produção secular, menos áreas de produção que havia aqui muitos agricultores, mais de 40, que ainda estavam muito ligados a essa área, obviamente que os terrenos não se perdem, são sempre absorvidos por outras produções, mas não tardará daqui a cinco, seis ou sete anos, que as pessoas vão dizer “afinal a agropecuária é que absorve todos os terrenos”. Pois, mas quem pôs os terrenos de fora praticamente de uma produção foi o próprio Governo Regional por parte da SINAGA. Portanto, a estratégia da SINAGA é que fez com que esses terrenos ficassem disponíveis novamente para a pecuária. E o ciclo do leite cresceu precisamente porque as outras produções, durante muitos anos, trabalhava-se e ninguém ganhava, além que não há mão de obra disponível. Estamos todos muito enganados quando apesar de termos muitos desempregados, a mão de obra disponível para a agricultura não existe. Nem sequer estou a falar da qualificada, não existe. Quem quer pessoal para trabalhar na agricultura não consegue, nem no leite nem nas outras áreas. Se queremos um crescimento na agricultura vamos ter sempre um grande handicap na região, a mão de obra disponível. Até porque algumas pessoas já se habituaram a não trabalhar e se não aprenderam a trabalhar durante o tempo que devia ter aprendido a trabalhar, já não vão querer trabalhar e isso é outro problema. Por isso era muito importante tratar da escola de formação que queríamos em parceria, para formar especificamente agricultores, quer na área da pecuária, quer na área da agricultura. E não vou descansar enquanto isso não for feito dessa forma. Porque senão não vai tardar que daqui a 10 ou 15 anos não temos ninguém para trabalhar na agricultura. E não queremos uma agricultura na região só mecanizada. Para já, não é possível dada a orografia dos nossos solos, e nós precisamos de mão de obra na agricultura, precisamos de alguém que trabalhe a terra, e esse alguém é que faz a história do produto. E os produtos da Região Autónoma dos Açores serão sempre muito bem vendidos com uma boa história. A história vende o produto e cada vez mais há essa procura. E se tem mão de obra ligada ao produto mais valorização tem. Não é mão de obra de escravatura, que isso não existe nem pode existir, mas mão de obra com alguma qualificação que faça o serviço que tem de fazer e bem feito. Mas para isso precisa de ter conhecimentos, precisa de incentivos, não é continuar a incentivar para as pessoas não trabalharem, com os RSI e os fundos de desemprego as pessoas não querem trabalhar, ganham mais não trabalhando do que trabalhando. É uma situação que, se continuar dessa forma, quer a região quer o país, vamos ter de importar muitas pessoas, fazer com que haja uma emigração muito grande para os Açores e para Portugal para trabalhar na agricultura.

 

 

A propósito de especialização, numa conversa recente com o presidente da Câmara da Ribeira Grande, ele mostrou disponibilidade, e até grande vontade, em que a Escola Profissional da Ribeira Grande passe a ter um papel importante na colocação destes cursos de formação e especialização. Como é que vê essa situação?
Vejo isso como um bom sinal. A nossa pretensão, e o presidente da Câmara já falou comigo dessa situação, e o atual presidente da escola também falou comigo algumas vezes, no sentido de fazermos parcerias e obviamente que é assim que se faz. Quando pretendemos ficar isolados nessas situações é tudo para ter mais custos. Aproveitar o que existe, o que está feito, e acrescentar aquilo que é preciso fazer. E o que nós precisamos, neste momento, é acrescentar aquilo que é preciso fazer. Se uma parte está feita tem de ser bem aproveitada. E agora precisamos é de dar andamento ao que é preciso ser feito e o que é preciso ser feito nós é que nos vamos chegar à frente e a expetativa é essa. Fazer parcerias com aqueles que estão ligados a este ramo, no caso a formação, em que a nossa área mais específica terá que ter o cunho da Associação Agrícola de São Miguel porque nós é que sabemos o que pretendemos e queremos.

 

A propósito da formação, numa conversa com Alberto Ponte, presidente da Junta de Freguesia da Lomba da Maia, e sócio da Associação, este disse que já este ano levou algumas dezenas de pessoas para o continente, para o Canadá e para os EUA. Porque, segundo ele, aqui eles não trabalham, mas lá fora são ótimos profissionais na ordenha, e no continente tinham falta disso. O que estará aqui a faltar de motivação aos jovens para se agarrarem à agricultura?
A grande questão é essa, isso encaixa perfeitamente naquilo que eu disse. Não trabalham mas não é por falta de motivação porque trabalho existe quando temos vontade de trabalhar. É a filosofia que foi incutida durante muitos anos, é que, para já, trabalhar na agricultura nunca foi muito fácil, e o setor leiteiro transformou-se e cresceu muito precisamente devido à sua mecanização e à sua dimensão que foi crescendo ao longo dos anos. E a restante agricultura foi penalizada precisamente porque não havia mão de obra disponível, porque muita dela transitou para a construção civil e outra imigrou. O que acontece, neste momento, é que as pessoas para trabalhar, por exemplo nas vacas, hoje o grau de trabalho e a qualidade que é exigida no leite e não só, é de uma exigência tremenda e nem todos querem ter essa disponibilidade nem essa responsabilidade. As outras restantes produções não acarretam tanta responsabilidade mas acarretam muito trabalho e é muito mais fácil, se calhar, a pessoa ter um ordenado sem fazer nada, mesmo que ganhe menos, pode reduzir algumas coisas nas suas despesas, e quando não reduz o governo dá, nas campanhas eleitorais eles acertam todas as contas, de forma transversal desde algumas freguesias a algumas Câmaras e Governo Regional. E as pessoas aproveitam-se muito dessa situação para não trabalharem e depois serem ajudados por não trabalharem. E isso é o inverso do que devia acontecer.

 

Portanto, há um problema de educação também…
Há um problema de educação. O que devia era inverter-se claramente a situação. Apoiar a economia, apoiar as empresas para estas darem trabalho às pessoas. Não é as pessoas estarem em casa porque não é estimulante, não é educativo para os filhos que vêm os pais em casa e também não é bom para os pais terem os filhos sem trabalhar em casa. Tem de haver estímulo e o estímulo também passa por algumas situações que, infelizmente, não acontecem. Sabemos que há falta de trabalho nalgumas áreas, mas nas outras há trabalho e as pessoas não querem. Digo isso com frontalidade porque é um facto, sei que muita gente politicamente não pode dizer isso, mas esses são os que gostam de ser politicamente corretos. Há muita gente que não faz quase nada, há muita gente que está ligada aos programas ocupacionais que fazem muito pouco, se nós precisamos deles para trabalhar nas nossas empresas eles não querem ir porque preferem estar lá meio dia, ou a fazer de conta que estão a trabalhar, e ganhando um ordenado no final do mês.

 

Qual a disponibilidade que os agricultores têm de mudar em termos de produtos produzidos na região, e nomeadamente em São Miguel? Isto porque, recentemente, um empresário de São Miguel, de produtos tradicionais, Eduardo Ferreira, deitava as mãos à cabeça dizendo que tinha problemas gravíssimos, que punha anúncios na imprensa, que compra toda a produção de vinho de cheiro que possa existir porque não chega, ou por exemplo, a cana de açúcar que tem aqui condições especialíssimas porque dá duas vezes ao ano a produção, ao contrário de outras regiões, e também no café.
O Eduardo Ferreira é um empresário de eleição. É um empresário que tem dado mostras da sua grande capacidade de crescimento, e crescimento com qualidade e inovação que é o que precisamos na região, são empresários com este carisma e com esse querer e vontade e saber trabalhar da forma como sabe. Portanto, é dos empresários que conheço e felicito não só por ser amigo dele, mas felicito pela sua atitude comercial e a forma como tem crescido. E claramente que toca aqui na ferida de algumas situações. A questão da cana de açúcar, para mim, honestamente, não sei se se adapta bem ou não nos Açores. Sinceramente não sei se é possível, mas sendo possível é uma questão experimental que se podia fazer com alguns agricultores. Tal como se irá fazer com o leite biológico ou com outras produções que se fazem na região. Já a questão dos vinhos é meramente comercial e quem está nessas áreas é que sabe. Agora, quem olha para o empresário Eduardo Ferreira e para a sua família, da forma que eles estão no mercado, é aquilo que pretendemos para os Açores, que é criar melhores produtos, sempre em crescimento, sempre com novos produtos, a inovação é isso, é apresentar novos produtos.

 

E é um bom cliente também do leite…
Sim, obviamente. O Eduardo Ferreira é um empresário de grande sucesso, precisamente pelas dinâmicas económicas que conseguiu atingir e juntar uma série de produtos em que vai sempre derivar alguns dos produtos e isso é excelente.

 

Mas tem problemas relativamente ao fisco, por causa dos impostos que são aplicados sobre as bebidas que não são aplicados a outros países que estiveram cá.
Pois, isso já é a parte competitiva. É outra questão. E ser competitivo dessa forma não se consegue. Por melhor atitude que se tenha, por melhor conhecimento, por habilidade, por mais gente que possamos ter, quando se está estrangulado pelo fisco comparativamente com outros, não tem qualquer hipótese mesmo que tenha o melhor produto. Até porque a tributação fiscal em relação a matérias de álcool é uma coisa exorbitante e se os outros estão isentos penso que dá para perceber claramente que o sucesso à partida já está limitado. Mas o Eduardo é uma pessoa que nos seus produtos tem sempre na sua génese a parte da agricultura e aquilo que nos compete a nós Associação, e até pela amizade, respeito e admiração que tenho por ele, se nos competir dar alguma ajuda nessa matéria obviamente que estamos cá para isso.

 

Aproveitando a conferência que se realizou aqui, pelo menos o Primeiro Ministro de Cabo Verde fez uma visita e ficou surpreendido com a qualidade do evento.
Sim, é verdade. O primeiro-ministro de Cabo Verde é uma pessoa simpática, muito agradável, gostamos de estar com ele aqui, aperceber-se do que é a dimensão do setor leiteiro aqui na região e nada melhor que ver o que vi. Ele teve o privilégio, assim como eu, porque nem todos aqui conseguem ver, ou porque não querem ou porque algumas pessoas têm dificuldade em querer ver, e ele teve essa oportunidade de ver o que é uma dinâmica no setor leiteiro, num simples evento que é o concurso. E perceber a dimensão que a agricultura tem, no caso concreto o leiteiro, e ele ficou espantado com a dimensão e tudo o que fazemos em prol da agricultura, e aquilo que mais o espantou, do que me transmitiu, não foi tudo o que foi vendo no dia a dia, mas sim a paixão que as pessoas têm pelas vacas e a forma como o evento decorreu, viu-se claramente que havia aqui uma empatia enorme entre o setor. E isso para nós é extremamente importante. Agora claro, o que é que importa essa visita do Primeiro Ministro de Cabo Verde? Essa é a parte que é engraçada de se falar, mas a parte prática que é a expetativa que as pessoas têm, será que é agora que vamos conseguir aumentar as nossas exportações? Cabo Verde é uma terra que em termos de logística tem muitas dificuldades, e tudo o que é produtos perecíveis nem vale a pena as pessoas fazerem tentativas de exportação. Claro que a situação da SATA a viajar frequentemente para Cabo Verde pode ajudar a levar algumas desses produtos que temos aqui, mas na carne, possivelmente, isso não terá sucesso porque a carne não acrescenta valor suficiente para pagar o transporte, mas para outros produtos como o caso dos queijos esta pode ser uma situação muito favorável. Mas estamos sempre a falar dos transportes porque enquanto não houver uma política de transportes a nível da Macaronésia em que haja um circuito normal entre essas ilhas, iremos estar sempre a falar e fazer mais cimeiras. Pode-se falar das plataformas digitais, podem falar em tudo isso, porque isso sai tudo de um circuito da comercialização dos produtos. Mas quando nós queremos falar da comercialização dos produtos está emperrado sempre nos transportes. Ou resolvemos o problema dos transportes de uma vez por todas entre ilhas, para fora das ilhas e para o mercado da Macaronésia, ou então não vale a pena estar sempre a falar do mesmo.

 

O Primeiro Ministro de Cabo Verde não deixou nenhum desafio à Associação Agrícola, ou vice-versa, ou para o Governo Regional, para que isto passe das palavras aos atos?
Sim, com a Associação Agrícola foi uma conversa muito simples e agradável no sentido de dizermos o que sabíamos fazer, o que fazíamos e a possibilidade de, através do conhecimento que temos, haver a possibilidade de, mais tarde, Cabo Verde também, se houver essa apetência, que existe mas muito limitada, da produção de leite. A questão vai muito nesse sentido, falou-se na cana, naquilo que são os produtos que temos, não somos transformadores mas somos produtores, e a Associação com a dimensão que tem a nível nacional obviamente que pode ajudar sempre no sentido de poder inverter ou não, ou canalizar. Foi uma conversa interessante mas não houve compromisso porque o objetivo também não era esse, houve o perceber de toda a situação, claro que agora a parte diplomática também irá continuar a trabalhar, mas a parte comercial, não pode ficar dissociada da situação, portanto, não basta só a classe política, e bem, nesse aspeto fazer essas cimeiras, nem que seja só pela ideia do show off, é preciso depois que isso tenha sequência e a sequência lógica é a política canalizar a informação e esforços no sentido de se encontrarem com o que foi feito e, a partir daqui, também têm de ser os operadores da região, perante os operadores de Cabo Verde ou de outras localidades, começarem a operacionalizar, não ser só na esfera política. Porque a esfera política depois esvazia-se completamente porque não é o Governo que vai fazer as vendas para Cabo Verde nem vice-versa, portanto, esse é um trabalho que os empresários da região é que têm de fazer.

 

Há pouco falamos do Eduardo Ferreira, ele já está em Cabo Verde e está a levar produtos dos Açores para lá.
É um bom exemplo. É um bom exemplo do intercâmbio comercial que ele tem quer a nível da cana do açúcar porque produz lá, quer a nível daquilo que exporta. Portanto o Eduardo Ferreira é um exemplo a ter em conta.

 

Para terminar, também tiveram aqui recentemente o Presidente da República.
Sim, no Fórum com a Câmara do Comércio onde esteve o Marcelo Rebelo de Sousa, que levou uma banhada de gente, muito entusiasmo, e é fora de série. Nunca vi ninguém tão acutilante politicamente, nem os de cá têm essa coragem, parece que ficam amedrontados, no caso concreto do Carlos César, mas o Marcelo não, diz que o queijo de São Jorge é o melhor que conhece, que o leite dos Açores é do melhor que conhece sem qualquer tipo de problema e vive num contexto nacional.