“A HORA DE NOS REENCONTRARMOS ESTÁ A CHEGAR”

A menos de três meses da realização do 49º Congresso Mundial das Academias do Bacalhau, o AUDIÊNCIA esteve à conversa com Valter Franco, presidente da Academia do Bacalhau de São Miguel, que foi o grande mentor e impulsionador para que esta edição do evento, que ia decorrer em Pretória, na África do Sul, mas não se concretizou fruto dos dois anos de interregno impostos pela pandemia, acontecesse nesta ilha do arquipélago açoriano. Assim, entre os próximos dias 13 e 16 de outubro, São Miguel vai receber 350 compadres e comadres das 64 academias, que estão espalhadas, um pouco, por todo o mundo, e que vão ter a oportunidade de visitar os seis concelhos, que compõem o território. Há três mandatos à frente dos destinos desta academia, que se guia por valores como a amizade, solidariedade e portugalidade, Valter Franco enalteceu a importância deste “Reencontro” que vai acontecer em pleno oceano, assim como de todas as ações e iniciativas, que são levadas a cabo em prol de quem mais precisa e que unem todos os fiéis amigos, em torno de um objetivo comum.

 

O Valter Franco está já há seis anos à frente da Academia do Bacalhau de São Miguel. Como é que caracteriza este período de tempo, em termos de atividade académica?

Não sendo juiz em causa própria, reconheço que me empenhei nestes três mandatos à frente dos destinos da Academia do Bacalhau de São Miguel, que foi fundada em 1994. Tentei desenvolvê-la, mostrar a sua existência, dando a entender que a academia não é uma confraria gastronómica. O nome de bacalhau aparece, porque quem a fundou, entendeu que o melhor elo de ligação entre os portugueses espalhados pelo mundo, seria o bacalhau como refeição e, também, conhecido como o fiel amigo, que é, realmente, o que é necessário, o que existe e o que se fomenta entre todos os membros das Academias do Bacalhau, sediadas em 18 países, de quatro continentes. Os membros das academias tratam-se, entre si, por compadre ou comadre, nivelando, assim, o relacionamento entre qualquer classe social. Um membro de uma academia é membro de todas as academias. Os nossos valores baseiam-se na amizade, portugalidade e solidariedade. Neste contexto, enveredamos e pontuamos pela solidariedade. Mantemos, há quatro anos, uma bolsa de estudos na Universidade dos Açores, suportada a 100% pela Academia do Bacalhau de São Miguel. Socorremos, na altura crítica da pandemia, o Centro de Saúde do Nordeste, com a oferta de um eletrocardiógrafo e um medidor de sinais vitais. Também, oferecemos 300 metros de tecido TNT ao Hospital de Ponta Delgada e três computadores a um centro de acolhimento de menores. Ainda recentemente, no nosso aniversário, oferecemos um desfibrilador aos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada. No final do ano passado, disponibilizamos, também, uma cadeira de rodas para a Associação Machado-Joseph e para a Amizade 2000 – Associação de Apoio aos Deficientes e Inadaptados de Nordeste e, respondendo a um apelo público do Banco Alimentar, ofertamos mais de 400 refeições para recém-nascidos e bebés.  Paralelamente, temos apoiados várias associações de integração social, com computadores. Portanto, tem sido este o nosso desempenho, além de fomentarmos o convívio e a boa disposição, entre os compadres.

 

Neste momento, a Academia do Bacalhau de São Miguel é composta por quantos elementos, aproximadamente?

Somos, sensivelmente, cerca de 130 compadres efetivos. É claro que, as presenças nos eventos, nomeadamente, no nosso jantar mensal, que decorre na primeira quarta-feira de cada mês, rondam 40% a 50%, o que é normal, tendo em conta as vicissitudes e as ocupações de cada um. Nos jantares é onde se tenta angariar o pecúlio necessário para o desempenho solidário, que temos tido, e que tem sido muito significativo. Os nossos jantares fazem parte da atividade da academia e são destinados aos compadres, assim como aos seus convidados, que devem comungar dos princípios da Academia do Bacalhau.

 

Referiu anteriormente que esta é uma Academia do Bacalhau e não uma confraria. Perguntava-lhe, agora, qual é o motivo de todo o cardápio do jantar ser composto por bacalhau, desde os aperitivos, até à sobremesa?

Julgo ainda estar a cumprir a tradição. Se todas o fizessem, teríamos nas 64 academias mais um ponto em comum. Poderá até ser interpretada como uma forma de nos cumprimentar-nos em vários sítios do mundo. Olhe que não é fácil estar sempre a alterar a confeção.

 

Neste seguimento, a Academia do Bacalhau de São Miguel criou um prato novo, relacionado com o Espírito Santo.

Sim, precisamente para variar. Aconteceu no jantar de junho, época do Espírito Santo. Como entrada, criamos umas sopas do Espírito Santo, nas quais substituímos a carne pelo bacalhau. Este prato foi muito apreciado e muito bem confecionado pelo nosso compadre e chefe de cozinha, Paulo Mota.

 

Uma coisa de que nem todas as Academias do Bacalhau se podem orgulhar é de terem é uma sede e a de São Miguel tem.

A nossa primeira sede foi-nos entregue há 20 anos. Nos meus quase seis anos de mandato com esta já é a segunda, de um total de três em espaços, que foram gentilmente cedidos pela Câmara Municipal de Ponta Delgada. Esta, certamente, será por muitos anos. Estamos instalados numa das salas de um edifício camarário, onde constam 16 associações sem fins lucrativos. Pessoalmente, tenho muito orgulho nesta sede, por ter sido feita, praticamente, com a prata da casa e com a resposta imediata dos compadres, ao solicitado.

 

Esta é, também, provavelmente, uma das academias mais jovens, em termos de compadres, de todas as 64 que existem.

Nós renovamos e eu acho que é normal. Temos de acompanhar a evolução que nos rodeia. Há quem consiga, mas também há quem não consiga e quem não consegue pode deixar de gostar. Eu acho que, atualmente, a nossa renovação é de 65% e, felizmente, temos quatro compadres com menos de 30 anos, o que não é fácil de se encontrar neste ou noutro tipo de organização, cuja continuidade por ficar comprometida pela elevada percentagem etária.

 

O Congresso Mundial das Academias do Bacalhau vai realizar-se em outubro. Considerando que, desta vez, a responsabilidade da organização deste evento recai nos ombros da Academia do Bacalhau de São Miguel, o que está a ser projetado?

O nosso objetivo para realização do 49º Congresso Mundial das Academias do Bacalhau que, 20 anos depois, vai voltar à Ilha de São Miguel, é torná-lo num momento inesquecível para os compadres e comadres que venham participar. Este congresso, previsto para ser realizado em Pretória, foi adiado durante dois anos, fruto da proliferação da Covid-19 e das dificuldades inerentes à África do Sul, no combate à pandemia, que impossibilitaram a sua concretização. Neste contexto, a Academia do Bacalhau de São Miguel candidatou-se à sua realização e foi prontamente apoiada por muitas outras academias. O programa já está elaborado desde março e vai ter início no dia 13 de outubro, com o jantar de abertura, encerrando no dia 16. A reunião do Congresso Mundial das Academias do Bacalhau terá lugar no dia 15 de manhã, na Aula Magna da Universidade dos Açores. Nos restantes dias, o programa contempla a passagem por todos os concelhos da Ilha de São Miguel, pelo que contamos com o apoio de todas as Câmaras e com a presença dos seus presidentes, enaltecendo, assim, a importância do evento, que, supostamente, irá representar muitas das 64 academias, oriundas de 18 países.

 

Quantos congressistas deverão estar presentes?

Contamos com, aproximadamente, 350 participantes, se tudo correr por bem.

 

Portanto, os compadres que vierem ao 49º Congresso Mundial das Academias do Bacalhau podem estar descansados, porque vão ter, para além do bacalhau, as grandes especialidades da região.

Apresentar seis refeições de bacalhau, já é de mais para qualquer um. Os compadres vão poder degustar dois ou três pratos de bacalhau. O primeiro será uma caldeirada de bacalhau feita nas caldeiras, que será servida no jantar de abertura e o segundo um bacalhau à Brás, à nossa moda. O bacalhau é oferta da Lugrade, tido como o melhor do mundo. As restantes serão, certamente, produtos tradicionais, como os bifinhos à moda de São Miguel, carne guisada, cozido das Furnas, bifes de atum, entre muitos outros.

 

Disse-me há pouco que conta com a parceria dos seis municípios de São Miguel e que os congressistas vão ter a oportunidade de visitar a ilha toda. O Governo Regional pôs-se de parte nesta iniciativa ou vai ser um parceiro importante na sua organização?

Os presidentes de Câmara compreenderam, gostaram e acarinharam este congresso. Há meses que, entre nós, está tudo tratado e contamos com a respetiva presença, aquando da passagem por cada concelho. A Academia do Bacalhau tem a sua sede em Ponta Delgada, mas é de São Miguel e, precisamente por isso, há uns anos a esta parte, efetuamos um dos tradicionais jantares mensais e uma ação solidária de Natal, em cada concelho da ilha, duas iniciativas que, possivelmente, iremos retomar no próximo ano. Por conseguinte, fizemos questão que os nossos congressistas conhecessem toda a ilha e os seus municípios, tendo, assim, a possibilidade de se inteirarem a 100%. Da parte da tutela do Turismo, em apoios para este tipo de eventos, a legislação promete muito, mas pouco ou nada dá. Não me compete, aqui, opinar sobre os critérios de atribuição, mas, também, não pretendemos aceitar migalhas. Acredito que, com compreensão, a proposta de apoio recebida será revista. Assegurada temos a colaboração da Portos dos Açores, na pessoa do comandante Rui Terra, do doutor António Almeida, da AVEA, da Lugrade, da Predicado Inclinado e do Banco Santander. Neste momento, ainda continuamos a aguardar resposta a um pedido de audiência feito ao senhor presidente do Governo Regional, doutor José Manuel Bolieiro.

 

Os Açores são considerados o paraíso na terra, mas para uma iniciativa destas, não teme que se possam transformar num inferno, em termos de custos e logística?

Os custos e a logística da organização estão calculados. A dificuldade é sempre a descontinuidade territorial, que é mais uma agravante que, em princípio, nos fará baixar de patamar, em relação às localidades com continuidade territorial. A descontinuidade territorial dificulta e encarece, em muito, as deslocações. Se é um inferno organizar um evento desta envergadura em São Miguel? É sim senhor, porque além de deslocações e estadias bastante caras, não há condições materiais, na ilha, para acolher qualquer grupo considerável. Nos últimos três meses, tenho apresentado o congresso nas sedes de outras academias e a primeira iniciativa tem de ser comprar uma passagem de avião, o que nem sempre é acessível e menos ainda para quem nos visita. A três meses do congresso, já escasseiam lugares de Lisboa e Porto, para as datas pretendidas, que são as portas para 80% dos congressistas, o que faz disparar o preço das passagens. Nestas datas Paris/PDL/Paris é mais barato. O 49º Congresso Mundial das Academias do Bacalhau foi delineado e calculado de modo que a inscrição de cada congressista corresponda ao custo per capita. Qualquer outro apoio que se possa ter, e temos, faz com que possamos aumentar a nossa capacidade de oferta, a quem nos visita. Tirando o sábado de manhã, os restantes dias são passeios turísticos, onde se inclui um Torneio Internacional de Golfe, que, também, já está programado e vai decorrer no Campo de Golfe da Batalha.

 

Portanto, serão três dias que serão recordados para o resto da vida de todos os congressistas?

É verdade, serão recordados pela positiva. O básico está assegurado, pelo que tudo o que vier é lucro. O congresso vai realizar-se de 13 a 16 de outubro, mas já há quem chegue a 11 e parta a 17. A propagação turística está à distância de um clique, do envio de uma mensagem ou de uma publicação no Facebook, que passados poucos segundos chega a um dos 18 países, onde estão plantadas as 64 Academias do Bacalhau.

 

Este Congresso aparece na Ilha São Miguel, em substituição de Pretória, na África do Sul, mas a academia mãe, de Joanesburgo, vai estar presente.

Sim, vai estar.

 

Existe alguma surpresa preparada para estes dias?

O que se pretende é que esteja tudo em paz e que, com amizade, se aproveite a vontade de sair e de conviver. “Reencontro” é o lema do congresso, que vai acontecer, aqui, no meio do oceano, pelo que será quase como um ponto neutro, para recomeçarmos. A pandemia estremeceu-nos, dispersou-nos, mas a hora de nos reunirmos e de nos reencontrarmos está a chegar e será no 49º Congresso Mundial das Academias do Bacalhau, que se aproxima. E como refere o nosso hino, havemos de levar “a nau ao porto”.