“A IDEIA É CONSEGUIRMOS LEVAR A FORMAÇÃO NO MAR A TODAS AS ILHAS”

Sediada no município da Horta, na Ilha do Faial, a Escola do Mar dos Açores (EMA) foi inaugurada em 2020, com a missão de ser um farol de conhecimento, formação e capacitação para os Açores e todos aqueles que se querem contactar com o mar. Tutelado pela Associação para o Desenvolvimento e Formação do Mar dos Açores (ADFMA), atualmente presidida por Ana Rodrigues, este estabelecimento de ensino ministra cursos em todas as ilhas e visa promover a sustentabilidade deste património natural. Ressaltando que o mar é uma fonte de riqueza, mas não é inesgotável, a diretora executiva da EMA falou, em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, acerca do projeto “Pescador+”, que está a ser implementado em Rabo de Peixe, com o intuito de contribuir para a alfabetização e certificação dos pescadores, para que “possam ter verdadeiramente uma carreira”.

 

 

Qual é a história da fundação da Escola do Mar dos Açores?

Esta escola fez, este ano, três anos de existência e é tutelada pela Associação para o Desenvolvimento e Formação do Mar dos Açores (ADFMA), que tem como membros fundadores e associados principais o Governo dos Açores, sob a alçada da Secretaria do Mar e das Pescas, a própria Universidade dos Açores, a Escola Superior Náutica e o município da Horta.

 

Qual é a principal missão e objetivos deste estabelecimento de ensino?

A Escola do Mar tem como principal desígnio toda a formação para marítimos e apoiar todas as iniciativas que a própria Associação para o Desenvolvimento e Formação do Mar dos Açores realiza neste âmbito, no que diz respeito a tudo o que esteja relacionado quer com o cluster de marca, quer com a economia azul, que é um monstro. O ano de 2023 foi muito importante para nós, pois conseguimos o licenciamento definitivo para a lecionação de cursos profissionais. Como tal, temos obtido todas as certificações para a área do mar, desde segurança básica a marinheiro maquinista, tendo em vista o desenvolvimento da economia azul dos Açores. Neste momento, está a decorrer o curso de Construção e Manutenção Naval e Embarcações de Recreio. É de salientar que, apesar de estarmos sediados na Ilha do Faial, lecionamos em todas as ilhas. Portanto, acabamos por nos deslocar, para permitir que os formandos não tenham de se ausentar muito tempo e também temos a modalidade online. Atualmente, a escola está focada para a área do mar e tem adotado toda a literacia para a sustentabilidade e para as dinâmicas desta área e, naturalmente, isso vai entroncar com aquilo que temos de maior, que é a parte marítima. Nós temos a maior zona exclusiva e sem esta postura mais proativa, acabamos por ter, aqui, algumas dificuldades em controlar aquilo que é nosso. Não obstante de estarmos a trabalhar nas profissões ditas tradicionais do mar, estamos também a trabalhar nas emergentes, que passam pelos operadores de drones, roffs e gliders o que permite, também, ter um know-how muito grande para que possamos desencadear alguns projetos e, inclusive, ajudar a investigação a chegar a bom porto. Aquilo que nos propomos sempre é, também, a avançar na área do empreendedorismo azul, de modo a darmos, aqui, um salto e capacidade aos jovens de se poderem fixar e ter salários apetecíveis.

 

Podemos, então, depreender que o mar dos Açores serviu de inspiração e incentivo para os jovens seguirem esta área profissional?

Sim, até porque nem as escolas no seu currículo têm alguma disciplina de mar, para que possa ser uma opção de profissão, pelo que esta escola vem, no fundo, colmatar estar parte, ou seja, há efetivamente a opção. Eu costumo dizer, em tom de brincadeira, que nós fomos muito bons em 500 no mar, mas depois deixamos, um bocadinho, as coisas apaziguarem e voltamos as costas ao mar e, enquanto ilhéus, é o que nós temos, é uma das nossas maiores riquezas e nunca o exploramos, pois só agora, recentemente, é que começamos a olhar para o mar de outra forma.

 

Também havia um grande estereótipo em relação às profissões ligadas ao mar.

Sim, aliás o estigma que as pessoas têm em relação aos pescadores é verdadeiramente notório, sendo que quem lida com eles diariamente percebe que é uma classe que não adquiriu valorização profissional. Neste âmbito, nós implementamos, recentemente, um programa pioneiro em Portugal, em Rabo de Peixe, que é o “Pescador+”, que ao mesmo tempo que desencadeia para a profissionalização do mar, contribui para a literacia e a alfabetização, para que possam fazer as suas escolhas e possam ter habilitações, do ponto de vista das certificações. Portanto, o objetivo passa por não terem de viver da temporalidade dos certificados e possam ter, verdadeiramente, uma carreira. Este é o nosso desígnio e é por ele que nós temos vindo a lutar, no sentido de deixarmos de ter um setor um bocadinho precário. Naturalmente que, no meio deste ciclo todo, procuramos dizer-lhes que o mar é uma fonte de riqueza, mas não é inesgotável, pois tem de ser cuidado e a sustentabilidade dos nossos mares passa muito por esta literacia.

 

Quantos alunos estão inscritos na Escola do Mar dos Açores e que cursos estão a ser lecionados neste momento?

Neste momento, estamos com 22 alunos no Curso de Construção e Manutenção Naval, do Nível IV, com equivalência ao 12º ano. Paralelamente, está a decorrer a formação de Marinheiro Maquinista na Ilha das Flores, com 13 formandos. Também, estamos a dar Controle de Multidões a todos os colaboradores da Atlânticoline, que é um requisito obrigatório e são mais de 60, sendo que, ao mesmo tempo, damos a esta empresa e aos nossos parceiros Reciclagem e Segurança Básica, que lhes permite ter condição de embarque e também são 60. Brevemente, vamos começar a lecionar no grupo ocidental o Curso de Manobra e Manuseamento de Gruas, que é outro dos problemas da região.

 

A seu ver, qual é o papel que este estabelecimento de ensino tem junto da comunidade?

A Escola do Mar dos Açores é um estabelecimento de ensino que tem uma matéria muito específica. Nós falamos do mar, de economia azul, que passa desde o turismo até à biodiversidade e a escola em si, enquanto local sediado na Estação da Rádio Naval, com uma longevidade e uma importância enorme, aqui, na cidade da Horta, visa, efetivamente, recuperar esse espírito. Esta deve ser o único estabelecimento de ensino do país que não tem vedação e isso é, exatamente, para atrair a comunidade para um dos seus bens mais preciosos e que muitas vezes não é valorizado. Portanto, enquanto Escola do Mar dos Açores procuramos reforçar a oferta formativa e as opções de carreira, ou o melhoramento, porque o ensino também permite isso, a melhoria, com outras certificações, do ensino para o mar.

 

Nesse seguimento, podemos afirmar que a oferta formativa também se adapta às necessidades de contratação das empresas da região?

Sim, aliás, adapta-se à sazonalidade, que é uma coisa muito boa, porque permite que os trabalhadores não tenham de se deslocar ao continente e conseguimos adaptar-nos à empresa, para que decorra com normalidade todo o seu planeamento, como acontece com a Portos dos Açores e com a Atlânticoline. Portanto, criamos as condições para que não haja entropia durante a época alta e eles possam fazer formação em época baixa.

 

Dado o retorno da aproximação ao mar, tem notado um aumento da procura por este tipo de ensino?

Não havendo opção, a procura não existe e, neste seguimento, havendo opção, naturalmente, ela começa a ser procurada e até na própria área da Construção Naval já se consegue perceber que pode, efetivamente, haver uma carreira muito promissora. A verdade é que, hoje, há espaço, uma vez que as pessoas querem ficar, aqui, porque os Açores são muito apelativos, pois os parques de hibernagem e os estaleiros ajudam e as próprias empresas privadas estão a investir. Portanto, há, verdadeiramente, potencial para este investimento. Logo, este voltar de costas aconteceu porque não havia opção, nem onde tirar cursos para o mar e os açorianos tinham de ir para o continente, o que implicava uma série de constrangimentos e acabavam por desistir. Agora, havendo, aqui, esta opção, eu creio que este novo paradigma possa ser devagarinho atenuado, porém ainda há um longo caminho.

 

O facto de a Escola do Mar dos Açores se deslocar até aos seus alunos, nas restantes ilhas, é algo, por si só, também bastante inovador.

A ideia é conseguirmos levar a formação no mar a todas as ilhas e isso fez com que pudéssemos desenvolver uma série de parcerias extremamente importantes, porque, em cada ilha, temos os nossos parceiros que nos permitem dar a formação. Portanto começamos com a possibilidade de levar a formação a todas as ilhas e a desenvolver, ao mesmo tempo, um ecossistema que, para nós, também é extremamente importante. Esta ideia surge pela necessidade. Como tal, bastou uma auscultação por todas as ilhas para percebermos que era muito difícil e extremamente oneroso para qualquer região montar um polo, até porque não existe necessidade, porque as novas tecnologias vieram, e bem, colmatar qualquer distância e a verdade é que o facto de a Escola do Mar dos Açores estar dotada com equipamentos móveis faz com que nós, facilmente, consigamos colocá-los num contentor e transportá-los para outra ilha. Todos os nossos investimentos têm sido feitos com esta premissa porque, enquanto escola, não podemos negar o ensino a ninguém e esta é a primeira rampa.

 

Anteriormente mencionou um projeto inovador que está a ser implementado em Rabo de Peixe. Quantas pessoas o integram?

O curso “Pescador+” surge com base no que vai acontecer nos próximos anos, no setor das pescas, que vai entroncar com a digitalização. Nós não conseguimos chamar alguém à digitalização eficaz, se nos apercebermos que há mais de cem pescadores na região que nem alfabetização mínima têm. Neste seguimento, nós fizemos um rescaldo, em Rabo de Peixe, juntamente com a Rede Valorizar, para encontrarmos, aqui, uma valorização que fosse plausível, para avançarmos para esta alfabetização. Neste momento, estão quase 50 pessoas a frequentar este curso nos vários níveis, desde a alfabetização base, até ao quarto ano, B1, e ao sexto ano, B2. Posso dizer-lhe que nós estamos mesmo num bê-á-bá, pois chegamos ao ponto de perceber que nem o cabeçalho com o seu próprio nome conseguiam preencher na totalidade e nós, em pleno século XXI, não podemos deixar que isto aconteça em nenhuma classe, em específico os pescadores, que é um setor que nos é muito querido, porque o facto de eles não terem a alfabetização, vai fazer com que não consigam tirar as certificações, nem acompanhar o desenvolvimento, estando constantemente nas embarcações, o que tem uma propagação, inclusive, para as suas famílias, porque a maior parte deles são pais de família. Portanto, nós queremos, também, que eles sejam o orgulho das suas famílias e isso passa por ultrapassarem esta fase, superarem-se a si próprios. Posso dizer-lhe que estamos a falar de homens que trabalham todo o dia e estão das cinco às oito ou nove da noite a tirar o seu curso e isto tudo surgiu para que eles, devagarinho, consigam atingir aquilo que se está a implementar, que são os diários de bordo, porque a digitalização do mar não é a longo prazo, é a muito curto prazo.

 

Relativamente ao futuro, quais são as suas perspetivas para o futuro do setor. Acredita que abrir-se-ão novas portas e oportunidades?

Nós temos tentado abrir novas portas. Uma delas passa pela criação e o manifesto interesse que entregamos para uma nova zona livre tecnológica, no setor primário dos Açores, que nos abrirá, aqui, muitas oportunidades em diversas áreas, quer de mar superfície, quer de mar profundo. Portanto, a ser considerada toda a área proposta, nós teremos a maior zona livre tecnológica da Europa e isso abrirá muitas portas dentro da economia azul. Por outro lado, foi uma aposta nossa investirmos na Estação Costeira Açores, que tem uma importância enorme para a classe dos pescadores, e não só, porque, muitas vezes, é a única comunicação que têm com a terra, é uma facilitadora de dados, quer meteorológicos, quer outros que sejam importantes para o seu dia a dia e, este ano, envolvemos uma plataforma para a transparência da safra do atum. Também, enquanto o projeto Tecnopolo – Martec não avança, abrimos a incubadora de base tecnológica para o mar, que contribui, em larga escala, para a economia azul e a formação no seu todo, pelo que tem uma componente de valorização desta economia.

 

Quais são as suas maiores ânsias para a Escola do Mar dos Açores?

A minha maior ânsia é mesmo as pessoas acreditarem no potencial que têm na área do mar e esta abertura de mentalidade e de valorização, como já acontece em tantos países, como por exemplo Malta que, hoje em dia, que vive à custa do mar e voltou-se completamente para esta área, depois de se aperceber que era uma das maiores riquezas. Portanto, eu gostava que este desígnio de 500 voltasse a estar no nosso ADN e que olhássemos para o mar com uma grande hegemonia.

 

Qual é a mensagem que gostaria de transmitir?

Eu gostava, efetivamente, de frisar que a ADFMA, que tutela a Escola do Mar dos Açores, está recetiva a novos desafios e está, aqui, para que, no fundo, toda a comunidade açoriana possa olhar para este estabelecimento de ensino e para esta associação como uma referência nacional e internacional.