“A TERRA É SEMPRE A NOSSA, O CHEIRINHO DA MARESIA É SEMPRE O MESMO E É UM REGALO PARA O CORAÇÃO”

Natural da Freguesia da Ribeira Grande – Matriz, Alfredo da Ponte emigrou para os Estados Unidos da América (EUA) há 40 anos. De passagem pela terra que o viu nascer, o escritor falou, em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, sobre o que o motivou a emigrar, as dificuldades, a sua vida em Fall River e a saudade que o inspira. Apaixonado pela história da sua cidade natal, decidiu escrevê-la nos três volumes de “Os Fusíadas”, para além de colaborar regularmente com a imprensa regional através dos artigos intitulados “Os Fusíadas da América do Norte”. Anunciando o regresso do Convívio Ribeiragrandense da Nova Inglaterra, evocou a importância do encontro e do abraço, assim como o impacto que a revista que publica aquando do certame tem junto dos participantes. Não escondendo o seu olhar crítico sobre o elevado preço dos voos para os Açores, Alfredo da Ponte destacou que sem a implementação de uma tarifa especial que beneficie os emigrantes, “é impossível” visitar o arquipélago.

 

 

Alfredo da Ponte, mais um regresso à sua terra natal, como é que se sente?

Sinto-me em casa. Todas as vezes que cá regresso sinto-me em casa e reparo nas pequenas diferenças que, hoje, vistas por um emigrante, são grandes em vez de pequenas e há sempre diferenças de ano para ano. A idade também avança sempre bem, mas a terra é sempre a nossa, o cheirinho da maresia é sempre o mesmo e é um regalo para o coração.

 

Mas, este ano, é capaz de ter um significado um bocadinho diferente, porque o senhor passou um período um pouco complicado, pois esteve quase a visitar alguém celestial.

Eu não vou para a parte celestial. Por exemplo, no Facebook toda a gente que morre vai para o céu, mas eu acredito ainda no inferno e no purgatório. Do que eu me lembro, eu fiz uma visita às portas do inferno, mas Satanás veio ao meu encontro e mandou-me de regresso à terra e aqui estou eu, muito grato a Deus e aos santos. Em parte, foi uma visita de agradecimento à Nossa Senhora da Estrela e ao Senhor Santo Cristo dos Milagres e estou a viver bons momentos na companhia de familiares e amigos, porque nunca sabemos quando é que será a última vez.

 

Desta vez, também coincidiu com a reinauguração da Igreja da Nossa Senhora da Estrela.

Exato. De maneira alguma deixaria de ir à missa dominical e estive presente na eucaristia das 11 horas do dia 19 de maio e pouca atenção dei à liturgia da palavra, pois estive a olhar para os altares, para o teto e para todos os retoques que foram dados pelas mãos dos artistas que fizeram as obras de beneficiação e reparei em certos defeitos, porque nada neste mundo é perfeito, aliás, têm muita graça as luzes por detrás dos altares dos santos, nas paredes laterais da igreja e nos acabamentos do teto, mas estão a iluminar de tal maneira que conseguimos ver todas as imperfeições que a pintura tem, até a própria massa que cobre as tábuas, pois vemos os altos e baixos. O que eu acho, nisto tudo, é que cinco anos foi muito tempo para a recuperação da igreja, porque eu acredito num processo mais rápido. Já se sabe que foi muito trabalho e muito dinheiro e que ainda falta pagar muito, porque no orçamento e no balanço financeiro ainda há um grande desequilíbrio, compreende-se isso tudo, mas eu pessoalmente acho que cinco anos é muito tempo para aquilo que foi feito.

 

Recorda-se ainda do dia em que abalou para os Estados Unidos da América?

Foi no dia 26 de maio de 1984, sábado do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Entreguei a roupa à tropa na segunda-feira daquela semana e no sábado já estava a caminho de Boston.

 

O que é que o motivou?

A vontade de vencer na vida. Eu achei que a ilha era pequena demais para mim. Experimentei nadar bastante no mar da Ribeira Grande, mas nunca passei dos 200 metros da costa. Na ocasião, tive a felicidade de conhecer aquela que viria a ser a minha futura esposa. Portanto, gostamos um do outro, começamos a amar-nos, combinamos casar e quando casamos eu estava a meio do serviço militar e não pude emigrar juntamente com ela, que era cidadã americana. Como tal, tive de terminar o serviço militar e a vontade foi tanta de o acabar e de me juntar à minha esposa para construir uma família, que assim foi.

 

E o inglês já era fluente naquela altura? Ou teve grandes dificuldades?

Graças da Deus eu tive, aqui, uma pequena preparação. Quando eu fui estudar, primeiro aprendi francês, porque, naquela altura, França era o país que acolhia mais emigrantes portugueses, porém, ao nível da Região Autónoma dos Açores, nós sabíamos que os destinos maiores eram os Estados Unidos da América (EUA) e o Canadá. Relativamente às dificuldades, eu usei o meu inglês em Boston, mal cheguei ao aeroporto. Depois, ao chegar a Fall River, que era praticamente uma colónia portuguesa, eu tive dificuldade em perceber o português que se falava lá, porque havia muitos luso-americanos que diziam as palavras em inglês, mas de uma forma diferente. Eu fui trabalhar para uma oficina de automóveis, porque na altura era mecânico, e um dos luso-americanos perguntou-me uma vez se eu sabia qual era o nome de um pneu e eu disse-lhe: é pneu e ele respondeu-me: pneu não, aquilo é um “tire” e eu disse-lhe: não, mas “tire” é em inglês, ao que ele me respondeu: em português nós dizemos “tire”. Portanto, eu tive de aprender estas palavras em “portinglês”, como alguém dedicadamente chamou ao português que se falava nas comunidades de Rhode Island e Massachusetts. Como tal, tive de aprender um certo vocabulário para poder lidar com os luso-americanos.

 

Depois de ter conhecido a mulher que viria a ser sua esposa, Fátima da Ponte, que também deve ter ajudado bastante na integração nos Estados Unidos da América, até porque como disse já era cidadã norte-americana, que ramos é que daí nasceram?

Nasceram dois rebentos, um rapaz, Dustin Alfredo da Ponte, e uma rapariga, Kassandra da Ponte, que agora mudou o nome para Cordeiro. Comparando com os rebentos do meu irmão saudoso, José Francisco, que já faleceu, que teve duas filhas, uma vocacionada para o ensino e outra para a medicina. No meu caso, o meu filho mais velho foi vocacionado para o ensino e atualmente é professor de português e de espanhol numa escola secundária e a minha filha formou-se em medicina e é enfermeira. Portanto, há uma grande coincidência. Também tenho duas netas lindas, a Hannah e a Arya. Em agosto está para nascer mais um neto, um júnior, com o nome de Dustin Alfredo da Ponte.

 

Também é conhecida a sua ação na comunidade cheia de portugueses, assim como a sua interação no associativismo local.

Não muito. Simplesmente eu associei-me a um grupo de ribeiragrandenses que promove, anualmente, uma festa de convívio entre os ribeiragrandenses espalhados pela Nova Inglaterra que, para quem não conhece, é a região do Nordeste dos Estados Unidos da América, que inclui os Estados do Maine, Vermont, Connecticut, Massachusetts, New Hampshire, Rhode Island.

 

Mas, onde o senhor se mete é sucesso garantido, porque eu sei que coloca sempre o seu cunho pessoal.

Eu costumo fazer todos os anos uma publicação de um boletim, que com um boletim nada se parece, tanto que muitos chamam àquilo de livro-programa, mas eu chamo de Revista do Convívio de Ribeiragrandenses da Nova Inglaterra. Às vezes, saem lá críticas, outras vezes, partes da história, ou curiosidades que as pessoas gostam de ler e apreciam muito. Já tivemos festas em que não houve tempo para compor a revista e os participantes procuravam-na. Nós temos conseguido, praticamente todos os anos, editar uma e já devemos ter pelo menos uma 25 revistas já compostas que estão em arquivo, caso algum dia alguém se interesse por isso.

 

Nesses encontros, são mais os veteranos que aparecem, ou há uma mescla de juventude e veterania?

Nós estamos a tentar aproximar-nos dos jovens há muitos anos, mas é impossível, porque à juventude falta a saudade e estes são encontros onde a saudade se mata, se controla e provoca muitas emoções, pois são os abraços, os beijos, os votos de saúde e de regresso dali a um ano. Para muita gente, é uma forma de reviver e de encher o espírito com novas energias, para continuar a vencer na vida.

 

Eu vi-o há uns anos atrás numa viagem entre a Nova Inglaterra e Brampton, esses circuitos ainda continuam a ser feitos ou foi uma vez sem exemplo?

Não, nós fizemos isso durante uma larga dúzia de anos. Nós quando fundamos o Convívio Ribeiragrandense da Nova Inglaterra, tentamos lançar a semente em duas províncias diferentes do Canadá onde havia muitos ribeiragrandenses, nomeadamente Québec, neste caso Montréal, e Ontário, na cidade de Brampton. Montréal fez primeiro, pois tinha um grandíssimo grupo de pessoas oriundas da Ribeira Grande que, aquando da Festa do Coração de Jesus da Matriz, celebrada no primeiro domingo de setembro, realizava uma procissão do Coração de Jesus naquela Missão de Santa Cruz. Portanto, uma das primeiras visitas que fiz ao Canadá foi, precisamente, para ver, esta procissão naquela área de Montréal. Na ocasião, desafiamos o grupo que organizava esta festa a fazer um convívio como fazíamos em Massachusetts. Convidamos uma dúzia deles a irem ao nosso convívio e eles perceberam como é que se faziam as coisas e conseguiram fazer o seu lá, isto foi nos anos 90. Ainda organizaram o evento durante uns anos consecutivos e, mais tarde, então Brampton seguiu o exemplo e nós fizemos um intercâmbio, isto é, vinha um autocarro de Montréal para a nossa festa e do nosso grupo também ia um autocarro para a festa deles. Como mencionei anteriormente, primeiro foi o de Montréal, depois esteve parado durante uns tempos e começou o de Brampton, que se fez por vários anos, penso que chegou ao 16º convívio. O último terminou penso que foi em 2019, depois veio a pandemia e nós também paramos por três anos e este ano vamos reiniciar, porém que eu saiba Brampton acabou definitivamente e todo o lucro da festa organizada foi para apoiar as obras da Matriz. Nós, também, na última festa que organizamos fizemos uma recolha de donativos para apoiar as obras da nossa igreja.

 

Tendo os Açores uma companhia aérea, não seria interessante que, por exemplo, os emigrantes lusos e açorianos pudessem beneficiar de uma tarifa especial, como beneficiam os que vivem no arquipélago e que vão, por exemplo, para o Porto ou para Lisboa, que pagam um valor limite, e não serem explorados, como acontece atualmente?

Este é um assunto que já foi altamente debatido. Por exemplo, entre 2010 e 2012, eu fiz uma série de artigos para a imprensa regional açoriana, nomeadamente, Diário dos Açores, Correio dos Açores e Açoriano Oriental, que sempre evitou publicá-los, mas deve ter as suas razões e nós sabemos quais são. Mas, o Diário dos Açores e o Correio dos Açores aceitavam os meus artigos sem problema nenhum e publicavam-nos com críticas à SATA, ao Governo e à forma como procedem estas viagens, etc.. Ainda há bem pouco tempo eu soltei uma bombinha nos meus artigos no Diário dos Açores e usei a questão do tempo em que havia quatro companhias áreas a realizarem voos à sexta-feira de Boston para Ponta Delgada e vice-versa, em que os preços eram relativamente acessíveis, o que não é agora o caso de quase 2 mil dólares nos meses de agosto e setembro. A minha vontade seria talvez vir para as Festas do Coração de Jesus da Matriz e não agora, mas, simplesmente, eu não posso pagar aquele valor, por isso, preferi vir agora. Os voos estão demasiado caros, isto tem sido uma coisa séria. Os Açores estão a ser afogados por turismo e isso faz com que os preços estejam da maneira que estão. Portanto, para um emigrante trabalhador, que tem uma família a sustentar, isto é um bocadinho puxado e, para muitos, é impossível fazer isto.

 

Então uma tarifa especial fazia sentido?

Claro, sem dúvida nenhuma. Assim conseguíamos vir cá todos os anos.

 

Relativamente aos portugueses que, naquela altura, foram consigo para a Nova Inglaterra, qual é o espírito que existe entre eles? Mantêm a saudade aberta de Portugal, já se esqueceram ou pensam regressar?

A minha geração de emigrantes é muito diferente daquela de há 60 anos atrás. Mas, cerca de 60% dos emigrantes continuam a viver em comunidade. Eu não vivo em comunidade, porque eu sou um cidadão dos Estados Unidos da América. Eu olho para a maioria e vejo que conhecem a igreja, o clube, a Festa do Espírito Santo e o trabalho. Porém, na minha forma de ver as coisas, eu vivo nos EUA, sou um cidadão norte-americano, mas não deixo de ser português, mas se é mais importante para mim ingressar na cultura americana, eu tenho de ser mais americano do que português. Eu costumo dar largas ao meu corpo e à minha vontade, porque eu sou livre. Eu conheço praticamente o Estado de Massachusetts todo e o de Rhode Island, porque é pequeno demais e quando posso vou até às Montanhas Brancas, mas também tenho mar, aliás, tenho tudo perto de mim, por isso é que não morro de saudades como muitos outros que conheço no clube, porque não vão ver o mar, não vão cheirar a maresia.

 

Como surgiu esta paixão de escrever artigos e livros?

É uma outra parte da saudade que fica atrás e que eu, às vezes, tento desvanecer, mas que não sai do coração. É a parte da ilha que não saiu de mim e que emigrou comigo para a América, para uma ilha maior, talvez a “Ilha América” como diz Pedro Almeida Maia. Eu saí da ilha, mas a ilha não saiu de mim como diz o Daniel de Sá e outros tantos. É essa paixão que me faz escrever. Como o senhor sabe, a maior parte dos meus artigos são sobre a terra, sobre a história e sobre a saudade, que é a musa que me inspira e fala acima de tudo.

 

Ao partir, o que é que gostava de encontrar numa próxima visita e que não encontrou ainda desta vez?

Eu não tenho nada que gostaria de encontrar numa próxima vez, porque um emigrante quando sai da sua terra leva um retrato na mente da maneira que deixou a sua terra e, geralmente, aquela imagem nunca se apaga, nem se rompe durante a sua vida. Porém, de todas as vezes que regressa à terra, não vê o mesmo retrato, vê uma paisagem diferente, mas na sua cabeça ainda mostra o retrato antigo. Eu sou praticamente realista. Eu sei que nunca mais vou encontrar aquilo que deixei. Para mim, basta-me o ar que respiro e a temperatura que vivemos aqui.