Uma avaliação rigorosa da implementação e dos resultados do “Plano de Ação Global: Acesso Universal aos Cuidados para a Saúde da Visão da Organização Mundial da Saúde”, subscrito por Portugal em 2012, com o objetivo de reduzir a deficiência visual e/ou cegueira evitável em 25 por cento revela o falhanço total das políticas nacionais.
Das quatro recomendações idealizadas por este plano, nenhuma foi concretizada: não há a implementação de cuidados primários para a saúde da visão, não se procedeu à integração de Optometristas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), e não se eliminaram as barreiras injustificadas no acesso aos cuidados para a saúde da visão. Também ficaram por obter dados fidedignos sobre a prevalência das principais causas de deficiência visual e/ou cegueira evitável e o estabelecimento de uma verdadeira estratégia nacional para a saúde da visão centrada nos utentes.
Num momento onde as barreiras de acesso aos cuidados para a saúde da visão no SNS são crónicas, gigantescas e aumentam de ano para ano, é absolutamente crítico refletir sobre a realidade atual e futuro dos cuidados para a saúde da visão em Portugal.
Mais de dois milhões de pessoas apresentam dificuldades de visão em Portugal, sendo os erros refrativos a principal causa de disfunção da visão, atingindo, segundo as estimativas, mais de 50 por cento dos portugueses. De seguida surgem a ambliopia, a diabetes ocular, a catarata, entre outros. O número de pessoas com problemas de visão tende a aumentar conforme a idade, alcançando entre 30 a 32 por cento no grupo etário entre os 45 e os 74 anos.
É preciso garantir que todas as pessoas tenham o direito a uma prestação de cuidados de saúde primários da visão que seja eficiente e atempada. Para que isso seja possível, é necessário a correta delegação de responsabilidade entre os vários especialistas da saúde da visão. O problema começa quando olhamos para a realidade dos optometristas no cenário português. Há cerca de 30 anos que os profissionais de Optometria têm exercido a sua atividade com a autonomia que os carateriza e para a qual são formados, assumindo um papel fundamental na contribuição para o acesso atempado da população a meios de prevenção, diagnóstico e tratamento dos mais diversos problemas da visão.
Um estudo realizado pela Nova Healthcare Initiative – Research, da Universidade Nova de Lisboa, revela que 25 por cento dos pedidos de consulta de oftalmologia podem ser resolvidos por optometristas, dada a natureza das condições referenciadas e caso estes profissionais fossem integrados no SNS.
Colocar os optometristas no SNS, nomeadamente nas Unidades de Saúde Familiar, tem sido um tema controverso junto do Ministério da Saúde. Grupos parlamentos e outras instâncias políticas têm deliberadamente ignorado este assunto, mesmo depois das provas científicas das suas vantagens para as contas do Estado, mas sobretudo para a qualidade de vida dos portugueses e do correto funcionamento do nosso sistema de saúde público.
Se considerarmos que um optometrista pode realizar em média seis mil consultas por ano, a sua implementação no SNS garantiria uma minimização das listas de espera, através da triagem de casos que seriam encaminhados para os cuidados de saúde diferenciados de Oftalmologia.
Apesar disso, e mesmo com a sua importância realçada pela Organização Mundial da Saúde e pela Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira, os optometristas têm sido colocados à margem das políticas que visam a melhoria dos cuidados de saúde da visão em Portugal.
A total ausência de regulamentação da profissão de optometrista permite que a mesma seja realizada por profissionais sem competências técnicas efetivas para o exercício da função, situação que entendemos ser manifestamente grave, bem como perigosa para a saúde pública. Por este motivo a APLO entregou uma petição ao Presidente da Assembleia da República onde defende que a inexistência de regulamentação da profissão de optometrista, reconhecida como um dos três grandes grupos de profissionais dentro da saúde da visão pela Organização Mundial da Saúde, constitui uma dupla inconstitucionalidade, por omissão e por ação, que tem de ser analisada e tratada pelo Tribunal Constitucional.
Chegou a altura do Governo se responsabilizar, e muito especificamente o Ministério da Saúde, pelas limitações no acesso a cuidados de saúde visual, pela extensa lista de espera para primeira Consulta de Oftalmologia e pela não regulamentação da profissão de Optometrista e consequente exclusão do Serviço Nacional da Saúde.