Depois de 30 anos a monitorizarem os movimentos de animais que habitam a zona polar ártica, cerca de 150 investigadores de mais de 100 instituições, entre os quais o biólogo José Alves, da Universidade de Aveiro (UA), não têm dúvidas: as alterações climáticas que levaram o ártico a entrar num novo estado ecológico, provocaram alterações na dinâmica espácio-temporal dos animais que habitam a região. Uma conclusão que foi dada a conhecer num artigo, que foi publicado na revista Science e sustentado por uma grande base de dados, que permitiu a criação do Arctic Animal Movement Archive – AAMA.
O trabalho demonstra como as aves migradoras alteraram os seus padrões migratórios e várias populações de renas mudaram a sua fenologia reprodutora, em resposta às alterações climáticas no Ártico. Por outro lado, os ursos, alces e lobos não modificaram as suas taxas de deslocação, em resposta à precipitação, embora os alces se movimentem mais com o aumento das temperaturas no verão, sugerindo diferenças nestas respostas, em diferentes níveis tróficos do ecossistema do Ártico.
José Alves, investigador no Departamento de Biologia e no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), um dos laboratórios associados da Universidade de Aveiro, e coautor do artigo que foi publicado na revista Science, indica que “no Ártico, o aquecimento global tem-se manifestado de forma muito notória, pois as temperaturas têm aumentado nos polos de forma mais acentuada, do que no resto do globo, um fenómeno denominado por amplificação polar ártica”, que “coloca os animais que habitam nesta região, na linha da frente dos efeitos das alterações climáticas”.
Este estudo foi feito a partir de um rastreio animal que se tem tornado cada vez mais detalhado. Desde mamíferos marinhos, como baleias e focas, a aves terrestres, como são exemplo as águias e os passeriformes, passando pelas aves marinhas, como a andorinha-do-mar ou o airo, e mamíferos terrestres, como ursos e renas, até às aves limícolas, como o ostraceiro ou o maçarico-de-bico-direito, todos estes animais têm, cada vez mais, sido alvos de programas de monitorização remota, com recurso a aparelhos eletrónicos de seguimento, como é o caso dos transmissores GPS.
Deste modo, os cientistas conseguem registar os seus movimentos com muita precisão e quantificar as alterações nas suas deslocações, monitorizando estes padrões em grande detalhe e, segundo o artigo que foi publicado na revista Science, “os padrões de movimento de todos estes grupos não enganam: o ártico está a mudar e a forma como estas espécies usam estes habitats também”.
O biólogo José Alves, que estuda as aves limícolas na Islândia desde 2006, indica, por exemplo, o caso do ostraceiro, uma ave migradora que tem uma proporção cada vez maior de aves residentes, ou seja, que passam o inverno na Islândia, enquanto as restantes migram para o Reino Unido, Irlanda e continente europeu durante os meses mais frios do ano.
Esta alteração de comportamento não é alheia aos invernos cada vez mais amenos que se têm vindo a fazer sentir no país. Contudo, explica o investigador, “quando há um inverno mais rigoroso, como no ano passado, várias destas aves acabam por morrer! E esse é um preço muito alto a pagar”. Esta alteração no comportamento e movimentos migratórios dos indivíduos desta espécie, que se reproduzem na Islândia, faz com que esta seja a latitude mais a norte onde passam o inverno.
Existem também alterações na fenologia destas espécies. “É o caso, por exemplo, do maçarico-de-bico-direito, que tira partido da antecipação da primavera chegando às zonas de reprodução na Islândia cada vez mais cedo no ano. Contudo, a janela mais larga de temperaturas favoráveis durante esta época do ano tem feito também com que os agricultores expandam a área agrícola, pois têm mais tempo para tirar partido de épocas mais longas para crescimento de feno (uma das poucas culturas viáveis nestas latitudes). Ao perderem habitat natural, os maçaricos colocam cada vez mais os seus ninhos nas zonas agrícolas”, revelou o biólogo.
Porém, o crescimento rápido da planta não permite que haja tempo suficiente para incubar os ovos e fazer com que as crias sejam grandes o suficiente para escapar às máquinas quando se inicia a ceifa. “O tempo de incubação e crescimento das crias é praticamente o mesmo, independente da temperatura. Estes ritmos não se alteram muito devido a fatores extrínsecos”, explica o investigador, adiantando ainda que “são processos que estão ajustados aos habitats naturais no Ártico e subártico, mas desadequados para feno de crescimento rápido plantado nestes habitats artificiais, que se têm expandindo devido às alterações climáticas que aí se fazem sentir”.
Neste seguimento, José Alves sugere que, num momento em que se planeia o relançamento da economia na Europa, se promovam esforços para reduzir as emissões de carbono, limitando, assim, o aquecimento global que se faz sentir de forma muito prevalente no ártico.
“É preciso dar tempo a estas espécies para responderem às alterações que enfrentam, para que se evite a cada vez mais evidente sexta vaga de extinção, que é consequência da ação humana”, apela o biólogo, que foi congratulado por Artur Silva, vice-reitor da Universidade de Aveiro para a Investigação, pela “investigação de excelência desenvolvida” e por outros estudos que “mostram a relação que existe entre comportamentos e alterações fisiológicas dos referidos animais e as alterações climáticas do planeta”.