AS FESTAS DOS SANTOS POPULARES – II PARTE

Evocávamos no artigo anterior, I Parte dedicado às Festas dos Santos Populares as relações que existem entre estes e as diferentes manifestações teatrais (ou para-teatrais) dedicadas a estas figuras que encenam juntando a hagiografia e o teatro.

Entre eles encontramos um Auto do bem-aventurado senhor santo António.” Feito per Afonso Álvares a pedimento dos muito honrados e virtuosos cónegos de Sam Vicente. Mui contemplativo e em partes mui gracioso, tirado de sua mesma vida.”

A obra pode ser consultada na íntegra.

Para a figura de São João citamos O Carros dos Pastores, “a representação de um auto pastoril, que teria surgido no séc. XVIII, na freguesia de Landim, concelho de Vila Nova de Famalicão sob o nome de Auto de S. João de Landim.

Nele se representa o Nascimento de João Baptista. Surge a nossos olhos como um palco ambulante construído sobre um estrado ornamentado com folhas de hera e ramos de cedro (o que o levou a ser conhecido como o Carro das Ervas) ao qual se atrelavam duas possantes juntas bois.

Mas, com as novas exigências urbanísticas e pela dificuldade em conseguir bois possantes foram as mesmas substituídas das por um trator devidamente ornamentado para o efeito…sobre o estrado onde decorre toda a cena, existe, ao fundo, como que um segundo palco (mais pequeno e mais estreito), com acesso por dois lances de escadas laterais.

Nele podem ver-se dois pequenos anjos que irão ladear o Sanjoãozinho no momento da sua aparição. Sobre este espaço, em plano superior, surgirá um anjo pousado numa nuvem, nuvem essa, conseguida por uma estrutura de madeira forrada a algodão em rama salpicado de pequenas estrelas.

Falamos de um anjo pois apenas um aparece em cada exibição. Na realidade seguem no Carro mais dois para desempenhar o mesmo papel. Razão para isto é, o esforço de voz que lhes é exigido, por isso, a necessidade de os ir alternando. As suas vestes são de cores diferentes – branco, rosa e azul.

O Carro dos Pastores é uma alegoria ao nascimento de S. João Baptista, inspirado no Evangelho segundo S. Lucas – “Não temas Zacarias porque foi ouvida tua prece e Isabel, tua mulher, parirá um filho e pôr-lhe-ás o nome de João” – não podiam faltar os pastores que aqui aparecem em número de catorze (sete rapazes e sete raparigas) de cujos cajados e pandeiretas pendem coloridas fitas. Usam chapéus de palha descaídos sobre os ombros, com a aba erguida, presa à copa e ornamentados de flores confecionadas com fitas de seda dos mais variados tons.

Do traje das pastoras constam uma saia, colete e avental guarnecidos com fitas coloridas, blusa branca, meia e sandálias. Os pastores trajam calção e colete com idênticos adornos, camisa branca, faixa vermelha na cinta, meia até ao joelho sobre o calção e sandálias. Zacarias e Isabel, pais de João Baptista e o Anjo são outras das personagens da peça não esquecendo S. João Menino, personificado numa criança de três a quatro anos de idade.”

Tudo isto enquanto se prepara a Festa de São João de Sobrado/Valongo, recriação que já foi trazida com enorme êxito à cidade do Porto numa passada edição do FITEI; “Por um dia se recorda a memória dos tempos em que estas terras foram ocupadas pelos árabes; se faz a experiência de subverter e de refazer a ordem social; de pôr em cena pequenas peripécias dos trabalhos e dos dias, procurando linguagens para dizer quão profundas e quão mesquinhas elas por vezes se nos apresentam.

Falo da Festa da Bugiada e da Mouriscada de Sobrado, que acontece perto de Valongo, que conseguiu – e consegue ainda – não sem tensões e contradições, ressignificar-se nas condições da vida difícil dos tempos que correm, nomeadamente junto dos mais jovens.

Para muitos vale o que aparece à superfície: uma banal luta entre o bem e o mal. Em Sobrado, porém, não é fácil dizer quem são os bons e quem são os maus. Porque os dois lados habitam cada um, numa tensão que se diria quase irresolúvel.

Mais do que de bons e de maus, a Bugiada e a Mouriscada revela-nos, afinal, como pode conviver a identidade com a diferença. Não apenas conviver, mas também vivificar-se” (Manuel Pinto-Reflexões e Inquietações)