Retomamos hoje a publicação do terceiro conto do concurso “Um Caso Policial no Natal”, com a sua conclusão, recordando antes de mais o texto com que terminou a sua primeira parte:
“(…)
Ela perguntou quem queria café. Era aqui que começava a fase crítica. Aquela em que eu confiara no conhecimento que tinha sobre a Fátima, e que me permitira construir um conjunto sequencial de etapas que levariam à sua morte. Tinha sido um planeamento meticuloso, aquele que eu fizera. Uma construção feita com base num conhecimento acumulado ao longo dos muitos anos de convívio.
A máquina de café estava na cozinha, assim como os pequenos recipientes de variadas cores, contendo no seu interior o mágico pó castanho. Daquele café que ela gostava, havia só uma cápsula na caixa e em casa. Ela não abdicava daquele aroma, e eu fizera tudo, ao longo dos últimos dias, para deixar só uma dose. Aquela que o seu egoísmo não permitiria que fosse para mais ninguém.
Todos, com exceção do Miguel, queriam café, como eu já esperava.
Claro que a Fátima disse que ia preparar os expressos para toda gente. Eu sabia que iria ser desse modo. Ela era a mulher perfeita; aquela que nunca errava. Também não seria ali que iria falhar. Seria ela a provocar a sua própria morte”.
“Um Caso Policial no Natal” – TERCEIRO CONTO
A MINHA NOITE DE NATAL, de Paulo
II – PARTE (conclusão)
Durante a tarde, eu colocara o veneno na cápsula, usando uma seringa. Lá, ficaria à espera de entrar no organismo da Fátima. Era o único café com o seu aroma favorito. O único de que ela gostava e que, por isso, não deixaria que fosse para mais ninguém.
Desfazer-me do que restava do material letal, fora fácil. Uma saída de automóvel, ao supermercado, para comprar umas quaisquer inutilidades: lâminas de barbear, uma esferográfica azul e pasta de dentes, e com isso trazer dois ingredientes de última hora pedidos pela Fátima, tinham-me conduzido a um contentor de lixo, bem afastado de casa, onde o frasco com os restos do veneno e a seringa tinham sido deixados.
Os meus olhos saltitavam entre as luzes de Natal, o meu irmão, a minha cunhada, o meu sobrinho e a Fátima, que se levantava da mesa para ir buscar o café.
Embora eu me quisesse manter calmo, o meu coração batia muito mais rapidamente. Aproximava-se o momento; aquele que seria o meu Natal; aquele em que eu nasceria de novo, perante a morte da Fátima.
Acreditava que o seu egoísmo a levaria à morte. Mesmo havendo riscos para mim, para a Germana e para o Rodrigo, eu confiava. Acreditava na minha intuição, no que eu sabia, no meu plano e, principalmente, no egocentrismo da Fátima.
O seu café teria que ser o mais quente quando chegasse à mesa. Ela não deixaria de o fazer. Fazia-o sempre. Ninguém corria o risco de levar com os resíduos do veneno que ela teria na chávena. O seu café seria o último que ela extrairia.
Ouvi a máquina a trabalhar, e, pouco depois, a Fátima entrou na sala transportando uma bandeja com as quatro chávenas, que distribuiu. Ela sabia bem qual teria que ser a sua.
Enquanto eu e o Rodrigo colocávamos açúcar e mexíamos, as nossas esposas, gostavam de beber o café sem qualquer aditivo doce. Foi o que sucedeu.
Eu, com uma colher, agitava a solução escura que estava na minha chávena, tentando não mostrar ansiedade, e elas ingeriam o aromático líquido castanho. Tudo decorria como eu previra.
Foi enquanto eu bebia o meu café, que a Fátima mostrou um esgar de dor, deitou as mãos ao ventre e tombou sobre a mesa, com uma ligeira espuma branca a sair-lhe da boca. Virei-me para o seu lado, enquanto gritava para que o meu irmão telefonasse para o 112.
Eu sabia que ela estava viva. Eu sabia que ela estava inconsciente e não recuperaria. Eu sabia que ela iria morrer, mas também previa que tal só sucederia no hospital, e que, desse modo, eu teria tempo para eliminar os últimos traços do crime. Não se é médico impunemente.
Só depois da sua morte e da identificação da causa que a provocara, surgiria a polícia. Eu ainda tinha tempo.
O veneno iria aparecer na chávena, mas, sobre isso, eu não me importava. Fora ela que o ingerira, sem ajuda.
Os socorros não demoraram a chegar. E estavam com cara de quem não gostou de ser incomodado naquela noite. Vieram num carro da emergência, com um médico, e numa ambulância que transportou imediatamente a Fátima para as urgências hospitalares.
Disse ao meu irmão que também eu iria para o hospital, o que teve como consequência a rápida partida dele, da esposa e do filho para casa onde moravam; também o fizeram para retirar o Miguel daquele ambiente trágico. Sucedeu como eu planeara.
Sozinho, retirei da máquina a cápsula fatal. No recipiente onde caíam as que tinham sido usadas, estava mais uma do mesmo aroma, já desde o almoço. Depois, enchi o depósito da água e fi-la sair como quem tira café, durante cerca de dez minutos. Foram quatro depósitos cheios. Seriam mais do que suficientes para tirar da máquina os restos do veneno. Deitei a água extraída na sanita e fiz com que fosse para o esgoto. Lavei bem o recipiente de recolha da água. Depois, sequei-o com um pano e arrumei-o.
Só tinha que ir para onde, anteriormente, eu dissera que iria. Pelo caminho, deixei a cápsula usada, a que continha o veneno, num remoto contentor do lixo. Jamais seria encontrada.
Terminados estes passos, as batidas do meu coração começaram a regularizar e dirigi-me para o hospital, agora, de modo efetivo, sabendo que mais tarde ou mais cedo me iria ser comunicada a morte da Fátima.
Era, nos últimos anos, a minha noite de Natal mais feliz. Eu nascia de novo. Era o meu Natal. A minha noite de Natal!
AVALIAÇÃO-PONTUAÇÃO
Os nossos leitores têm a partir de agora 30 (trinta) dias para proceder à avaliação deste terceiro conto a concurso e ao envio da pontuação atribuída, entre 5 a 10 pontos (em função da qualidade e originalidade), através do email salvadorsantos949@gmail.com. Recorda-se que o conto vencedor do concurso será o que conseguir alcançar a média de pontuação mais elevada após a publicação de todos os trabalhos, sendo possível (e muito desejada!) a participação dos autores no “lote de jurados”, estando, porém, impedidos de pontuar os seus originais (escritos em nome próprio ou sob a forma de pseudónimo), de maneira a não “fazerem juízo em causa própria”.