DEMOCRACIA ELEITORAL

As últimas semanas televisivas foram massivamente preenchidas com relatos das eleições norte americanas num esforço noticioso, porventura despropositado e ultrapassando mesmo em algumas ocasiões a informação sobre a pandemia.

Foram relatos em directo do palco das eleições, protagonizados por equipas de jornalistas peritos na matéria, com entrevistas, comentários e filmagens, a que não faltou aqui o respectivo complemento atestado por comentaristas diplomados.

Aconteceu que numa das estações televisivas privadas de referência foi entrevistado um, pelos vistos, especialista em democracia eleitoral estado unidense que teceu os maiores encómios e loas ao acto eleitoral em curso e ao tipo de democracia nas terras do «tio Sam», facto que deu origem ao estímulo para escrever este texto, começando por algumas questões, a colocar aos leitores: em que País perguntam ao mais alto magistrado da Nação se aceita o resultado das eleições; em que as decisões dos tribunais são contestadas pelo presidente em funções; em que o presidente pode ser eleito sem ter a maioria a nível nacional dos votos dos eleitores; em que  o presidente  em funções se atreve a afirmar, quando se candidata de novo, que só não vencerá se existir fraude eleitoral e apela à violência se não for reeleito; em que as eleições são precedidas de uma corrida aos bens essenciais por parte dos eleitores e os sectores do comércio e dos serviços entaipam portas e janelas como quem se prepara para a violência, isto num País em que boa parte da população possui armas?

Convem aqui recordar que a maioria da população é classificada de pequenos eleitores a quem cabe eleger um grupo restrito, os grandes eleitores, que formam o colégio eleitoral que vai, esse sim, escolher o presidente e para o acto se revestir de maior democracia na maior parte dos estados funciona ainda o sistema «the winner takes it all», ou seja, o candidato com o maior número de votos leva os votos de todos os delegados desse estado.

É esta a democracia que se mostra ao mundo suspenso, esperando que sejam contados os votos e fazendo votos para que a eventual derrota de Trump seja tão expressiva que retire aos bandos da supremacia branca qualquer ideia de invadir as ruas, se Trump contestar os resultados e recusar sair da Casa Branca.

Para qualquer observador atento esta situação, não sendo nova, é preocupante, convocando-nos para a realidade nacional do continente às ilhas, mas também europeia, em que a ideologia fascista  entra nos parlamentos à custa de desencantos, muita demagogia, mas também pela mão daqueles que tendo como função cumprir e fazer cumprir a Constituição, cedem os valores que dizem defender pela obtenção do poder.

A eleição de Trump em 2016 já foi um reflexo da decadência dos Estados Unidos que a sua presidência acentuou se olharmos para o agravamento das dificuldades sociais,  pois grande parte da população da maior potência capitalista vive na pobreza, mesmo tendo um emprego, mas a classe dominante acumula riquezas obscenas, originando que as desigualdades atingem níveis sem precedentes desde há muitas décadas.

Nos tempos de hoje, a pandemia nos Estados Unidos mostra o despreso e a tentativa de Trump da politização da mesma culpando a China, mas mostra ainda a falta de um serviço nacional de saúde, de direitos laborais básicos como baixas médicas e mostra cabalmente os níveis gritantes de pobreza.

A situação financeira do país é insustentável, com um endividamento astronómico boa parte do qual nas mãos chinesas, que serve, no entanto, para engordar o grande capital financeiro, as bolsas, alimentando também a máquina militar, que tenta impor a hegemonia mundial do País.

Trump apostou no confronto generalizado, arrastando os seus aliados para impor obediência a países soberanos, conseguindo até êxitos no que respeita à incondicional subordinação da União Europeia, acentuou as provocações contra a China e a Rússia, apoiou as guerras contra a Síria e a Líbia, o golpe dos fascistas ucranianos, o cerco à Venezuela, Bolívia, Nicarágua, mas convém não esquecer que algumas destas acções bélicas, ingerências, invasões, morte e destruição, roubo de recursos naturais, já foram  desencadeadas sob a Presidência de Obama e com Biden na Vice-Presidência, ou seja, políticas que, no fundamental, prosseguirão agora com a vitória de Biden, mesmo que utilizando uma capa de fundo diferente.

A mudança necessária não virá, pois, de presidentes ao serviço do imperialismo norte-americano, preocupado essencialmente com a dominação geoestratégica global, a mudança só poderá vir da luta dos trabalhadores e do povo norte americano, parte integrante da luta de todos os povos do mundo.