FC CRESTUMA COMEÇA ÉPOCA COM “CASA ÀS COSTAS”

O Futebol Clube de Crestuma tem já em marcha o projeto para o novo campo desportivo depois de jogar há 15 anos no Centro de Estágio de Olival/Crestuma. Faustino Sousa, presidente do clube, falou com entusiasmo deste novo projeto que, segundo ele, trará muitas novas oportunidades ao clube, nomeadamente, o regresso de escalões de formação. Faustino Sousa contou ainda ao Jornal Audiência as grandes dificuldades que um clube da distrital encontra pela frente, no caso, a falta de adeptos a assistir aos jogos que tornam o lucro da bilheteria nulo e que fazem com que domingo após domingo haja saldo negativo, e ainda focou, no caso específico do Crestuma, a freguesia pequena e pouco industrializada, que torna mais difícil o apoio a nível de publicidade e patrocínios

Ainda assim, o presidente mostrou-se feliz pela época 19/20 que lhes trouxe a subida à Divisão de Honra da Associação de Futebol do Porto, onde acredita que vai conseguir a manutenção na época 20/21, pelo facto do esqueleto da equipa se manter. No entanto, a pandemia do Covid/19 vai fazer-se notar no início desta nova época, ainda sem casa própria e com a impossibilidade de jogar no centro de estágio, o clube da freguesia de Crestuma vê-se obrigado a andar “de casa às costas” e fazer os seus treinos e jogos na casa do vizinho Dragões Sandinenses.

 

 

 

Como começou a sua ligação com o Futebol Clube de Crestuma e à quanto tempo?

A minha ligação com o Crestuma nasceu nas camadas jovens do futebol, fui atleta, com 15 anos, e depois o bichinho ficou. Entretanto deixei de jogar futebol com cerca de 20 anos e comecei a ser dirigente do Futebol Clube de Crestuma em 1988/1989, tinha eu 28 anos. Depois, acabei por deixar o dirigismo durante aproximadamente seis ou sete anos, de 1997, a 2004. Em 2004, o Crestuma estava cheio de dívidas e aí eu voltei a tomar conta do clube e a tentar resolver os problemas que vinham de outros, para tentar seguir em frente. Isso conseguiu-se resolver. O Crestuma tinha descido de divisão, fizemos os acordos necessários e a quem se devia, pagou-se as dívidas e andou-se para a frente, continuou-se. Nesse mesmo ano, subimos de divisão, subimos da segunda à primeira divisão, sempre com o objetivo de haver infra estruturas de camadas jovens para melhorar o sistema do futebol em Crestuma e para cativar mais a massa associativa. Isso não foi possível, até porque o Crestuma foi um clube que foi rejeitado, nunca se fez nenhum parque desportivo e as camadas jovens acabaram por abandonar. Jogavam no pelado e os clubes à nossa volta ofereciam melhores condições, tinham relvado, como o Lever, o Sandim, o Pedroso, o Avintes, tudo muito próximo, os miúdos e os pais acabaram por optar pelos locais onde tinham melhores condições. O nosso projeto continua a ser esse…este ano o Crestuma conseguiu o feito inédito de subir à Divisão de Honra da Associação de Futebol do Porto, na qual nunca estivemos e na qual nos vamos tentar manter. A parte desportiva passa por voltar a ter formação, mas não havendo um parque desportivo nós não podemos fazer formação.

 

A falta desse parque desportivo terá sido o maior entrave nestes anos, no entanto, esta é uma situação prestes a mudar, certo?

A minha persistência e o meu incentivo perante as entidades oficiais, portanto, a junta de freguesia e a câmara municipal, levaram a que, à cerca de um ou dois anos se arranjasse um terreno. A junta cedeu um terreno e nós já fizemos alguma obra. Começamos por construir um muro e, entretanto, há bem pouco tempo, a Câmara Municipal de Gaia fez um protocolo de 780 mil euros para o novo campo desportivo de Crestuma. É um campo totalmente novo. Esse parque desportivo, como todos sabem, como são valores elevados e é dinheiro público, tem de ir a concurso público. Estamos a tentar entrar com esse concurso, mas estamos numa época difícil, não só pela situação da pandemia, agravada agora pela época de férias de pessoal, mas tudo indica que, abrindo o concurso público, nós neste próximo meio ano, iniciaremos as obras no parque desportivo.

 

Pode-se dizer que este parque desportivo era o maior sonho do Crestuma?

Sim, e o sonho está iniciado, concluído não está mas temos aqui um bom alicerce para que o Crestuma sobreviva e vamos criar condições para atrair a formação. Vamos tentar criar meios de auto sustentabilidade e isso passa por algumas ideias que eu tenho, mas só quando tiver o parque desportivo pronto é que podemos pôr as ideias em prática. Até porque há nossa volta há muitos clubes e cada um tem de se mexer à sua maneira. A ideia é a formação e mais umas pequenas coisas para que o Crestuma tenha sustentabilidade para quando eu abandonar, porque eu não sou eterno, quem vier possa dar seguimento ao meu trabalho.

 

Na freguesia de Crestuma há matéria-prima suficiente para as camadas jovens?

Também há esse problema. Há matéria-prima, eu estou convencido disso. Poderá não haver para seis ou sete escalões etários mas para três ou quatro pelo menos há. Vamos ter escalões conforme a natalidade que há na freguesia. Além disso, já no tempo em que eu era dirigente, nos anos 90, o Crestuma tinha equipas de formação com miúdos de Seixo-Alvo, Arnelas, São Miguel e alguns miúdos de Pedroso, locais encostados a Crestuma. Esses miúdos em vez de irem para Lever ou Avintes, vinham para Crestuma. Estou convencido que vamos continuar a arrastar os miúdos de Seixo-Alvo, até porque em Olival não há nada. Uns fugiram para Lever, outros para Sandim mas estou convencido que muitos vêm para Crestuma, até por laços familiares, porque há pessoas de Crestuma que até vivem em Seixo-Alvo, ou que casaram com pessoas de Seixo-Alvo.

 

A parte da formação é também importante para depois alimentar a equipa sénior? Na medida em que se treinam miúdos para um dia mais tarde jogarem na equipa sénior.

Claro. A formação é mesmo para isso, para que num espaço de meia dúzia de anos, a base da equipa seja da formação. Isso já aconteceu. Neste momento, e já na época passada, o Crestuma tem apenas cerca de 30% de jogadores da terra.

 

E como é o público de Crestuma? É bairrista e acompanha o futebol de maneira assídua?

O público tem andado fugido devido à descentralização do campo de futebol. Já jogamos no Centro de Estágio de Olival/Crestuma há cerca de 15 anos e desde que começou a jogar lá, o Crestuma perdeu muitos adeptos, pelo menos no que diz respeito a pessoas que iam assistir aos jogos. É muito longe e enquanto no antigo iam a pé, no centro de estágio isso já não acontece. Apesar que depois deste protocolo do novo campo desportivo ter sido assinado, as pessoas estão a regressar e a inscrever-se novamente como sócios.

Gostava de referir, relativamente ao património do clube, que o campo antigo é nosso e é um campo que poderá servir de moeda de troca para qualquer coisa que nós possamos precisar. Nós sabemos que os 780 mil euros, possivelmente, não vão dar para a obra completa, mas temos sempre algo que é nosso, não temos dívidas e temos esse património que está avaliado em 250 mil euros.

 

A equipa sénior joga essencialmente por amor à camisola. Isso é uma vantagem ou , infelizmente, uma necessidade?

Relativamente à equipa sénior, nós temos tido sorte, porque como jogamos no centro de estágio, cativa um bocadinho mais. Pagamos apenas um prémio de vitória de jogo, é isso que vamos dando aos jogadores, não pagamos ordenados. É um prémio por vitória, é uma forma de os incentivar, porque não temos muito dinheiro, e quando não há dinheiro não há vícios.

Nós conseguimos cativar alguns jogadores e uns arrastam os outros. O treinador também é o mesmo há sete anos, nesse tempo só não treinou um ano, sendo que o treinador com o seu trabalho, também cativa os atletas e eles conhecendo o trabalho do treinador também estão mais motivados. É um trabalho de base, entre atletas e treinador, um espírito de camaradagem que faz com que eles não abandonem. O dinheiro não é tudo, os jogadores gostam de jogar onde se sentem bem.

 

Este ano vamos contar com jogadores novos?

Alguns. A equipa foi remodelada mas a maior parte dos jogadores da época passada ficou, saiu o António para o Pedroso mas mantivemos o esqueleto da equipa e reforçamos só alguns setores que estavam um pouco mais desequilibrados.

 

E os jogadores estão entusiasmados com esta nova etapa do clube e o facto de irem ter um novo campo e uma nova casa?

Eles estão entusiasmados. Tomara a eles já estarem a jogar no campo novo. Apesar que eles gostam de jogar no centro de estágio. Tem a parte negativa dos adeptos que não comparecem muito aos jogos, mas também tem a parte positiva, que é o facto das instalações serem das melhores.

 

O que está planeado para este novo campo de jogos, mesmo a nível de lotação, por exemplo?

O novo campo vai ter uma bancada para 500 pessoas, é o suficiente para nós, não precisamos de mais. Metade da bancada é coberta e depois vamos ter tudo do que é necessário e do que está em regulamento, só não vamos ter ar condicionado como no centro de estágio, mas de resto vamos ter tudo.

 

O Crestuma vai tornar-se a equipa na zona com as instalações mais recentes. Isso poderá ajudar a chamar mais atletas?

Não, eu penso que não. Os jogadores vêm muitas vezes o dinheiro acima das instalações. Eu acho que tudo depende da sorte. Os campos à nossa volta são todos bons, não há maus, por isso acho que não será por aí.

 

E agora, cumprido esse sonho, que ainda não está concluído mas que tudo leva a crer que está para breve, qual passa a ser o grande sonho do FC Crestuma?

O sonho do Crestuma vai passar sempre pelo distrital. Somos uma freguesia pequena e que não tem sustentabilidade para voos mais altos. Poderá haver uma subida, no caso à divisão de Elite, mas já no máximo dos máximos, sendo que mesmo essa situação já comporta orçamentos muito pesados. Crestuma não tem muita indústria sequer, é uma freguesia muito pobre e o clube anda em função da freguesia. O importante agora é mesmo a formação, também para trazer gente nova, está na minha hora, este já é o 16º ano consecutivo. Espero que depois do clube estar mais estabilizado, apareça gente nova.

 

Está cansado?

É como eu digo, continuo porque sempre tive a motivação de ser o clube da minha terra mas acho que está na hora de vir gente nova, embora eu esteja sempre por trás a apoiar, tem mesmo de vir gente nova. Ninguém é eterno também.

Eu penso que com a formação, começando a haver movimento de pais e familiares dos miúdos, há sempre uma ligação de um pai ou de um tio que acaba por ficar incentivado a entrar. É o que acontece nos clubes em volta. O Crestuma como só tem seniores, já são grandes, isso não acontece. Somos poucos dirigentes, apenas cinco, mas também apenas para esta camada não são precisos mais.

 

O futebol feminino está nos planos?

Falamos sobre isso este ano, mas tem de se pensar melhor nesse assunto. Não sei se aqui à nossa volta é possível. Este ano falamos sobre isso, como teremos o novo campo, poderá haver abertura ao futebol feminino, mas penso que, na zona, só se reuníssemos Crestuma Lever, Sandim e Olival, mas o próprio Sandim já teve e acabou por morrer, logo, não sei até que ponto teremos a quantidade de atletas necessária para começar esse trabalho.

 

Quais são as maiores dificuldades que um clube da distrital, como o Crestuma, enfrenta?

A maior dificuldade que nós temos, e estamos a falar do Crestuma, é chegar ao domingo e a bilheteira dar 60 euros e o clube ter de pagar à polícia 120 euros e à associação mais 250 euros. Ou seja, ter uma despesa tão grande todos os domingos e ter uma receita tão baixa, esse é o maior problema que nós temos. É um prejuízo constante, domingo a domingo. O facto de não ir adeptos ao futebol, agrava esse problema. Eu lembro-me, por exemplo, de uma situação que aconteceu há cerca de dois anos, num jogo durante o inverno, em dia de chuva, onde estava uma pessoa na bancada a ver o futebol. Essa é a principal dificuldade, a outra passa por se tratar duma freguesia pequena, e tal como já disse, sem indústria. Ou seja, não há muito por onde procurar ajudas e patrocínios para sobreviver. A maior parte das empresas que dão patrocínios ao Crestuma são meus fornecedores, da minha empresa. Eu vou comprando algumas coisas e quase os obrigo a dar um patrocínio ao futebol. São poucos, mas esse pouco, mais algum dos sócios, mais algum da câmara, mais algum da junta, é o que vai segurando o clube. O Crestuma neste momento tem 180 sócios, que representam quatro mil euros anuais.

 

De que maneira é que situações como estas se poderiam resolver, além de mais adeptos a assistir os jogos? Poderia haver alguma redução dos custos semanais?

A redução de custos teria de ser pela estrutura, que é a Associação de Futebol do Porto, que poderia aqui reduzir as taxas de jogo. A associação leva uma taxa, que no fundo e uma taxa de bilheteira, que é de cerca de 250 euros, mas não se preocupa se nós temos ou não temos esse dinheiro para pagar. Até porque esse é um problema que afeta outros clubes. Claro que há clubes situados em freguesias maiores e mais industrializadas e vão conseguindo mais patrocínios o que os ajuda a equilibrar as contas, mas esse não é o caso do Crestuma como já falamos, a freguesia é pequena e pouco industrializada.

Crestuma também é uma freguesia que tem muitas coletividades, o que também é um entrave, as pessoas dividem-se.

E nós ainda fazemos uma gestão para poupar em algumas coisas, por exemplo, os jogadores levam os equipamentos para casa para lavar, se não tínhamos de ter empregado de campo e mais uma série de coisas que representavam mais gastos. Treinamos em Olival, não temos local para construir uma lavandaria também, por isso fizemos um acordo com os jogadores.

 

Vamos falar um bocadinho deste ano, que foi um pouco atípico. A época acabou mais cedo, os jogadores já estão há muito tempo sem jogar. Acha que vai ser um arranque diferente e mais difícil?

Para colmatar isso, nós programamos começar mais cedo, ou seja, vamos treinar uma semana a mais na pré-época. Agora que vai ser um arranque díficil, vai, para nós ainda mais difícil porque o Crestuma nem campo tem, nem sequer vai jogar no centro de estágio. O Sandim vai ceder-nos instalações para treinarmos. O FC Porto, enquanto estiverem implementadas estas medidas relativamente à Covid19, não deixa lá treinar ninguém. A questão já está mais ao menos apalavrada, apesar de que ainda se vai realizar uma reunião para definir melhor as coisas, mas em princípio vamos para Sandim de casa às costas, como eles têm dois campos. E não se sabe por quanto tempo…além de nós já nunca jogarmos em casa, jogamos, normalmente, no centro de estágio, que é longe, vamos para Sandim, mais longe ainda.

Quanto ao tempo a que já estão parados, isso é com o treinador. Enquanto pessoa que está à frente da equipa, programou o início da época já com essa semana extra. Antes treinávamos cinco semanas, agora vamos treinar seis.

 

E quanto a esta possibilidade do arranque do campeonato sem público?

Eu acho que os campeonatos distritais não vão começar sem público. Se começar sem público, acho que os clubes não vão aderir. Estou quase como o Pinto da Costa diz, se se pode ir às touradas, também de pode ir ao futebol. Se o governo alargou a assistência às touradas, também o pode fazer com o futebol. E desde que haja as regras necessárias…

 

No entanto, o facto da época anterior ter acabado mais cedo e ter sido atípica, trouxe-vos também a subida de divisão…

Estávamos em posição para isso. Nós tanto podíamos ter ficado em primeiro como em sétimo. Faltavam nove jogos para o final da época. Ficamos em terceiro e acabamos por ser nós a subir. Não subimos porque tivemos sorte, não, aqui não há sortes. Durante a época lutamos para esse fim. O Crestuma tinha uma excelente equipa, lutou sempre para subir de divisão, principalmente quando a equipa deu mostras de que tinha valor para isso.

 

Mas fica um sabor agridoce pela possibilidade de existir quem pense que foi “por sorte”?

Pode haver quem pense isso, mas o nosso trabalho foi positivo. Eu sabia que podíamos chegar ao primeiro lugar, aliás, eu pensei sempre no primeiro lugar porque acho que éramos a melhor equipa da série. Quando o primeiro classificado empatou em casa dele connosco e  veio perder a nossa casa, aí houve essa motivação de chegar a primeiro e subir de divisão.

 

Agora, uma época nova e que se avizinha com um início difícil, numa série nova. Vai ser ainda mais difícil?

Vamos ver, o desafio está lançado. Estou convencido que com os jogadores que temos, não precisamos de melhor para fazer a manutenção sem sobressaltos. Nós temos uma excelente equipa, a base manteve-se e houve reforços num ou outro setor. Estou convencido que vamos fazer uma boa época.

 

O município e a junta de freguesia tem apoiado o desporto, nomeadamente, o futebol?

Aquilo que está implementado e estipulado entre nós, está a ser cumprido. Claro que nós, clubes, queremos sempre mais, mas as estratégias programadas estão a ser cumpridas. E claro que no caso da nossa união de freguesias, que são logo quatro, tem pelo menos três equipas de futebol, depois ainda tem o Modicus, tem de distribuir pelos filhos todos.

 

Faça um apelo aos Crestumenses.

O meu apelo é pedir aos Crestumenses para ir ao futebol e para apoiar o clube. É o único apelo que eu tenho. Nós queremos mais massa crítica, mais gente a ver o futebol, até mesmo para a freguesia sentir o clube como há uns anos atrás. É claro que hoje há muitas diversões, há shoppings e mais uma série de coisas e as pessoas estão menos ligadas ao associativismo.

 

Lembra-se, no seu tempo de juventude, como era um domingo de jogo?

Era ir ver o Crestuma e ir para casa. Tenho muitas histórias de juventude. Eu jogava futebol de manhã e ia de motorizada com um rapaz. Eu ia à missa e ele não ia. O meu pai obrigava-me a ir à missa se não não me deixava jogar futebol. Eu ia de manhã chamá-lo à cama e lá íamos os dois, com 15 anos, na motorizada do pai dele. Via-se mais gente a ver o futebol no meu tempo de juniores, do que se vê agora a ver seniores. Isso foi-se perdendo.