José Santos é o autor da exposição intitulada “Perspetivas do Olhar”, que retrata as várias fases da luta contra o cancro da mama. O mariense que sempre se interessou pela fotografia viu na reforma a altura ideal para se dedicar de forma mais ativa à paixão que desde cedo desenvolveu.
O AUDIÊNCIA aproveitou a passagem da exposição pelo Teatro Ribeiragrandense para falar com o fotógrafo.
Quando apareceu o gosto pela fotografia?
O gosto pela fotografia apareceu muito cedo, mas mais acentuado a partir de 1980. Herdei este gosto do meu falecido pai. Ele tinha uma máquina, que hoje é minha, muito antiga. É uma inspiração, está lá, na secretária onde trabalho.
Como tive uma profissão “de caracol”, sempre com a casa às costas, abrandei na atividade de fotógrafo porque não podia exercer as duas profissões ao mesmo tempo e desde há três anos para cá que retomei a minha atividade e faço fotografia desde essa altura de forma mais acentuada.
O José já teve várias exposições patentes.
Sim, esta é a minha sétima exposição e já participei em várias coletivas, nem sei quantas.
Como surgiu a ideia desta exposição e do tema que trata?
Esta ideia surgiu no seguimento de outra exposição que tive, e que até já entreguei as fotos aos pais, de um projeto que fiz com crianças com doenças crónicas. Intitulava-se “Quem vê caras não vê doenças”. Aquelas crianças deram-me uma força incrível para que pegasse neste tema que hoje está aqui.
Entre esta exposição e a “Quem vê caras não vê doenças”, iniciei outra que está guardada na gaveta e não sei quando vou retomar, mas tem cerca de 70% do trabalho feito. Também não é nada “boa”, em termos de prazer, e também tem uma mensagem: “vamos acabar com a violência”, porque é isso que ela trata.
Há aqui um gosto pela sensibilização.
Sim. Na minha profissão antiga estive ligado ao Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR, e fazia alguns movimentos de sensibilização referentes ao bem-estar dos animais e preservação da natureza, vindo daí o meu gosto pela sensibilização.
Qual o principal objetivo desta exposição?
Esta exposição está conotada como sendo uma exposição muito forte, mas a mensagem que se pretende transmitir, é que todas as pessoas que possam vir a ser vítimas dessa doença, tendo fé, esperança e vontade, e dando continuidade ao tratamento, podem vencer. O cancro também pode morrer. O nosso objetivo é dizer “lutem! Não se deixe ir abaixo!”. Sei que é difícil, mas consegue-se.
Este deve ter sido um trabalho com grande carga emocional. Como é que foi fotografar os momentos que vemos nas fotografias?
Foi muito emocional, sim. Primeiro com o projeto que comecei em maio do ano passado, pensei em fazer esse projeto e pensei logo que iria levar um “não”. Mas não. Expus o meu projeto à Delegação da Liga Portuguesa Contra o Cancro aqui em São Miguel, tive uma reunião com a presidente do núcleo, a Dra. Mónica Martins, e também houve uma reunião com algumas voluntárias da Liga, todas elas que já passaram pela doença do cancro, não só de mama.
Por incrível que pareça, uma senhora, a senhora Filomena Soares, vítima de cancro de mama, perguntou-me “onde assino?”. A partir daí seguiram-se outras pessoas e depois de já estar a começar a trabalhar, foram surgindo outras senhoras que também quiseram participar. Também era o meu objetivo descobrir um homem que tivesse sido vítima do cancro de mama. Descobri, entrei em contacto com ele e fui à ilha onde ele mora para conseguir fazer a recolha da imagem.
Foi emotivo também, e peço desculpa se a pessoa ler esta parte que vou dizer. À primeira senhora a quem fotografei os seios, por trás da máquina fechei os olhos e pensei para mim “meu Deus, o que estou a ver? Como esta senhora está e o sofrimento por que passou”. Mas o meu papel ali não era eu ficar triste, mas sim fazer o meu trabalho de forma a que as senhoras sentissem que estão a contribuir de forma a que possam passar a mensagem que referi.
As pessoas que se associaram a esta exposição, com certeza também queria mostrar que é possível vencer o cancro.
Sim. Quero referir que temos ali 23 senhoras e um homem. Algumas delas já tiveram cancro mais que uma vez e não foi por isso que abrandaram. A luta delas é sensibilizar a todos para que continuem a lutar, que vão sobreviver e conseguir ultrapassar a doença.
Qual está a ser a reação do público?
Tem sido muito positiva.
Para quem faz uma exposição deste género, o que é que fica a faltar fazer?
Ainda há muito trabalho para fazer. Fazer um trabalho deste género não implica apenas fotografar. Há que estruturar esse trabalho. Isto também provoca em nós algum desgaste, por isso é que este ano não vou fazer mais nada do género de drama. Tenho outro projeto, mas é com azulejaria antiga. Quero ver se acabo o da violência doméstica primeiro.
Todos os projetos são diferentes. No caso do projeto do cancro, podemos utilizar a própria vítima. No da violência doméstica não. Ou utilizamos a vítima oculta de forma a que não seja identificada para que os possíveis agressores não voltem a agredir, ou utilizamos modelos. Por questões de segurança estou a utilizar pessoas ligadas ao teatro que representam e caracterizam-se. No caso da exposição “Perspetivas do Olhar”, o agressor já atacou.
Este tipo de exposição não é habitual. É necessário haver mais campanhas de sensibilização destas?
Penso que sim. Costumo identificar o cancro como o inimigo invisível que nos espreita à porta. Temos de sensibilizar as pessoas, temos de dar força às pessoas e em espaços que sejam abertos ao público, para que esta mensagem possa ser transmitida.
Qual a mensagem que deixa?
Continuem a lutar. Há de chegar ao dia em que seremos superiores ao cancro.