JOAQUIM LEITE: UMA LENDA VIVA DO CICLISMO PORTUGUÊS

Joaquim Leite tem 73 anos, é empresário e um nome de referência no ciclismo português. O antigo ciclista conversou com o AUDIÊNCIA sobre o seu percurso de vida e sobre a sua paixão pelo ciclismo.

 

Quem é o Joaquim Leite?
A nível empresarial, o Joaquim Leite é uma pessoa que, na verdade, é muito irreversível e que sempre teve a consciência e que sempre olhou para o futuro. É uma pessoa humilde e determinada na área do empreendedorismo. Só assim é que lhe posso dizer que a nossa empresa tem muitas representações de Taiwan e que eu fui o primeiro, mais a minha esposa, a ir a Taiwan visitar alguns dos nossos fornecedores, algo que, na altura, poucos portugueses tiveram a ousadia de fazer. Já como autarca, orgulho-me de ter estado 12 anos, 3 mandatos, à frente da Junta de Freguesia de Santa Marinha, que hoje é Santa Marinha e São Pedro da Afurada, e de ter representado o povo. Orgulho-me de ter ganho os três mandatos com maiorias absolutas. Eu nunca sonhei ser presidente da Junta de Freguesia, na verdade foi o Senhor Doutor Luís Filipe Menezes que convidou e me pediu para eu encarar esse desafio. Eu não estava muito entusiasmado, porque um empresário que concorra a umas eleições por um determinado partido corre o risco de a sua empresa não ser visitada por pessoas de partidos opostos, mas eu tive essa coragem. Sei que perdi, contudo foi um risco que assumi e não tive medo. Orgulho-me do sacrifício que fiz pelo povo de Santa Marinha e do facto de ter deixado uma freguesia com muito dinheiro e com obras feitas, aliás, é uma honra para mim passar na rua e ouvir as pessoas a dizer-me que eu ainda devia estar na presidência da Junta. Eu acredito que valeu a pena fazer bem por um povo unido e merecedor.

 

Pode falar-me um pouco sobre o seu percurso de vida e sobre o que o fez mudar-se de Celorico de Basto para Vila Nova de Gaia?
Eu tinha 12 anos quando vim trabalhar para o Porto e vim de uma aldeia onde não havia uma bicicleta, no entanto, dentro de pouco tempo, tornei-me num dos melhores corredores portugueses. Foi um percurso difícil, porque eu fui empregado de quase todos os restaurantes da Rua da Madeira. Na altura dizia-se que ser empregado de um restaurante não era nenhuma profissão e eu senti isso. Entretanto comecei a trabalhar numa fábrica de bicicletas, que se localizava na Lavandeira, em Oliveira do Douro, posteriormente trabalhei na empresa Salvador Caetano, e depois para o Alfredo Caetano. Na época eu já era dos bons amadores da prática do ciclismo e estava a trabalhar na empresa Alfredo Caetano quando passei a ser profissional no Futebol Clube do Porto e tive de deixar de trabalhar.

 

Como descobriu a paixão pelo ciclismo?
Como eu disse anteriormente, sou natural de uma aldeia que se chama Lugar de Pereira, em São Clemente, em Celorico de Basto e não havia uma bicicleta na minha aldeia. Eu comecei a correr no Coimbrões e fiz quatro corridas no Coimbrões, depois representei o Estarreja, do Estarreja fui para o Aldoar, daí fui para o Académico do Porto, até que ingressei no Futebol Clube do Porto e mais tarde fui para o Sport Clube Lisboa e Benfica, porque tive uma divergência com o treinador e eu acho que nunca mais estaríamos bem. Todavia, o Benfica pagou 100 contos pela minha carta ao Futebol Clube do Porto. Eu posso dizer-lhe que se eu não fosse para o Benfica, já tinha viagens marcadas para mim e para a minha esposa para ir para a Fagor de Lourenço Marques, que como era um clube amador, o Futebol Clube do Porto não recebia nada pela minha carta. Assim fui para o Benfica e fiz duas grandes épocas. Sinto-me orgulhoso por ter representado os dois melhores clubes portugueses.

 

Como era ser ciclista profissional naquele tempo?
Na altura havia muita oferta e existiam corredores muito bons, mas havia pouca procura. No Norte tínhamos o Futebol Clube do Porto e em Lisboa tínhamos o Sporting e o Benfica. Todavia, naquele tempo, para se ser corredor do Futebol Clube do Porto tinha de se ter grandes qualidades e uma tarimba muito forte.

 

O Joaquim Leite entregou-se ao desporto como ciclista e como dirigente. Como surgiu e o que esteve na origem desta paixão?
Eu pratiquei ciclismo e fui dos melhores corredores portugueses, conquistei muitas vitórias e devo tudo o que sou ao ciclismo. Mas, como disse, eu retribui aquilo que o ciclismo me deu à modalidade. A Etiel, marca própria da minha empresa Ciclocoimbrões, patrocinou todas as equipas profissionais dando bicicletas a todos os clubes que, há 15 anos, praticavam ciclismo. Patrocinamos o Sporting, o Tavira, o Boavista, o Cantanhede, entre muitas outras equipas portuguesas. A Etiel venceu 7 Voltas a Portugal, impondo-se pela sua qualidade e confeção. Por isso, eu retribui ao ciclismo aquilo que o ciclismo me deu e o nome que o ciclismo me deu. Posteriormente, fui presidente da Associação de Ciclismo do Porto durante diversos anos e atualmente sou presidente da Assembleia Geral da Associação de Ciclismo do Porto. Também fui presidente do Futebol Clube de Coimbrões e hoje sou presidente do Conselho Fiscal desse mesmo clube. Além disso, sou sócio honorário de quase todas as coletividades. Sempre encarei o associativismo como uma base importante para a nossa vida e, como presidente da Junta de Santa Marinha, deixei marcas e posterior a isso continuo a ajudar muitas instituições da freguesia. Acho que posso dizer que valeu a pena, e vale a pena, nós fazermos alguma coisa pelo desporto, pois foi o desporto que me projetou.

 

 

No passado dia 10 de junho, fez 48 anos que o Joaquim Leite venceu a corrida clássica Porto-Lisboa. O que é que esta data significa para si?
Esta foi uma das grandes provas do ciclismo português e internacional, a clássica Porto-Lisboa, 330 quilómetros. Eu posso dizer-lhe que, naquele tempo, e não desprestigiando o ciclismo de hoje, era duro e muito difícil. Hoje os corredores têm melhores estradas, têm bicicletas que pesam menos de quatro quilos, têm andamentos que desmultiplicam e que sobem com facilidade e nós não tínhamos isso, pelo que tínhamos de ter muita força porque só tínhamos 5 velocidades e os ciclistas de hoje têm 11, o que era complicado nas subidas mais íngremes.

 

O Joaquim Leite também é empresário. Quer falar-me um pouco sobre a Ciclocoimbrões e sobre a Bicimotor?
Eu fundei a Ciclocoimbrões depois de vencer a corrida clássica Porto-Lisboa, juntamente com um sócio, chamado José Coimbra. Nós fomos sócios durante seis meses e logo a seguir eu acabei por ficar sozinho. Mas fi-lo porque, como eu disse anteriormente, havia tanta oferta e pouca procura, que se eu fizesse uma época má no Futebol Clube do Porto, ficava desempregado e tinha de ir para um clube pequeno ganhar menos de metade do que o que nós ganhávamos no Futebol Clube do Porto e naquela altura nós já ganhávamos 7 mil escudos. Eu pensei nessa possibilidade e, por isso, a Ciclocoimbrões nasceu em 1970. Eu criei esta empresa também para olhar pelo futuro da minha família e hoje estão todos na Ciclocoimbrões e na minha outra empresa, na Bicimotor. Quando me estabeleci, em 1970, não me estabeleci na venda da bicicleta, como se esperava, mas na venda de motorizadas. Com certeza que não foi a melhor opção, mas só passados 2 ou 3 anos é que me dediquei à área das bicicletas e desde aí a empresa foi subindo até ao topo e, neste momento, só nos resta manter. Nós fornecemos o país inteiro, somos das, ou a melhor, casa a nível nacional, e temos as melhores representações a nível mundial. No que respeita à Bicimotor, esta empresa tem 35 anos, estava sediada na rua Sá da Bandeira, era uma das filiais da fábrica Vilar e era nossa cliente. Mas começou a ter problemas financeiros e nós tivemos a coragem de tomar conta da empresa, algo que mais ninguém fez, porque tínhamos cerca de 10 funcionários com mais de 30 anos de casa lá empregados. A Bicimotor dedica-se à importação e distribuição de material para mota e também para bicicleta, foi desenvolvida e hoje é a minha filha Paula que está à frente da empresa, que atualmente está num patamar de excelência. Esta foi mais uma aposta nossa. A Bicimotor opera na área das motas, mas foi um desafio muito arriscado, que correu bem. A Bicimotor está aqui ao lado com grandes marcas, com grandes representações. Enquanto a bicicleta estabilizou e baixou um pouco, a mota tem estado em constante crescimento. Atualmente, temos 22 funcionários nas duas empresas. Eu espero que os meus filhos assumam a responsabilidade e que queiram dar continuidade àquilo que eu e a minha esposa tanto fizemos para ter uma empresa respeitada com esta dimensão e reconhecimento. Posso dizer-lhe que estas são empresas de excelência no mercado, que seguem uma linha de seriedade, capacidade, competência e determinação. Por isso, quero que os meus filhos mantenham esse grau de rigor para as empresas nunca se sentirem na situação em que tantas se encontram. Nós faturamos cerca de 4 milhões na Ciclocoimbrões e aproximadamente 2 milhões na Bicimotor. Queríamos manter esta meta, mas não está a ser muito fácil.

 

Que produtos e marcas tem disponíveis?
A Ciclocoimbrões vende tudo o que é necessário para a bicicleta, além disso, prestamos uma assistência técnica especializada. A nível de bicicletas temos uma das bicicletas mais famosas do mundo que é a BMC, depois temos a Wilier, a Bergamont, que agora passou para outro representante e foi tomada pela Scott, temos a Haibike que é muito forte em bicicletas elétricas e, neste momento, a bicicleta elétrica está a ter uma projeção muito forte e está a ter muita venda e a Haibike é uma representação de topo nessa área e é das melhores bicicletas a nível mundial, e a nossa gama Etiel. A nível de representações de topo temos a Sram, a Zipp, entre muitas outras. Na Bicimotor uma das principais marcas que temos é a Motorex Suíça, na área dos óleos para as motas e seus derivados, a Continental em pneus para mota e a Ciclocoimbrões tem também de bicicleta, estas são representações exclusivas em Portugal, entre muitas outras.

 

O Joaquim Leite também está ligado a inúmeras causas sociais, entre as quais os Bombeiros de Coimbrões. O que esteve na origem desta participação?
Os Bombeiros merecem o nosso máximo respeito. Quando eu fui presidente da Junta de Santa Marinha tinha muito respeito pelos Bombeiros e protegia-os, porque eles são essenciais. Nós temos um centro histórico muito debilitado e eles estavam sempre prontos para o que fosse necessário. Eu fui vice-presidente da Assembleia Geral, com o senhor Rui Pinto Aguiar a presidente, durante vários anos, e hoje estou no Conselho Fiscal. Além disso, também sou sócio honorário dos Bombeiros de Coimbrões, porque é uma instituição que eu gosto de ajudar. Vem daí a amizade que se tem por uma instituição que, na verdade, merece todo o nosso respeito.

 

Como olha para o presente e para o futuro?
No que respeita o presente, eu diria que está bem, já o futuro posso dizer-lhe que não tenho grandes expectativas de que vá melhorar. De qualquer das formas, a bicicleta já atingiu, há cerca de três anos, o topo, mas notamos que estacionou, que as empresas estão sem dinheiro e que as lojas estão descapitalizadas. Contudo, espero que o panorama mude e que as coisas prosperem.

 

BI:
Joaquim Leite tem 73 anos e é natural da freguesia de São Clemente, concelho de Celorico de Basto. O ciclista representou as equipas de Coimbrões, Aldoar, Estarreja, Académico do Porto, Futebol Clube do Porto e Sport Lisboa e Benfica. Joaquim Leite fundou a empresa Ciclocoimbrões, de comércio de velocípedes, em 1970, o que o fez continuar ligado à modalidade, mesmo depois de abandonar a carreira de ciclista.