As quartas Jornadas de Higiene Segurança e Saúde no Trabalho ocorreram no Teatro Ribeiragrandense dias 18 e 19 deste mês.
Este evento com organização da Gecite -Açor deu-se pela quarta vez nos Açores (terceira na Ribeira Grande) e contou com 162 participantes e 16 oradores, 15 deles vindos do continente português.
Nos 16 painéis foram abordados temas como a engenharia de segurança, autoproteção, evacuação, nutrição e alimentação em ambiente de trabalho, riscos biológicos, segurança e saúde no trabalho, entre outros.
No final das jornadas o Audiência esteve à conversa com Hélder Silva, sócio-gerente da empresa organizadora.
Qual a importância deste tipo de iniciativa no meio em que nos inserimos?
Efetivamente a pergunta tem uma resposta dividida em duas partes: estas iniciativas existem há muito tempo no continente, e o que temos vindo a verificar é que muitas delas são repetições da anterior. Não são mais do que uma tentativa de posicionar as empresas ou os oradores no mercado. Nos Açores há uma grande avidez de conhecimento das várias áreas técnicas, e a grande maioria das pessoas que querem saber alguma coisa disto, acabam por se deslocar ao continente ou a outros locais para tentar ir absorver essa “energia positiva”. Por outro lado, existem vários “players” (grupos, intervenções) diferentes que normalmente não têm visibilidade porque é difícil criar visibilidade institucional. Um exemplo será a inspeção do trabalho, outro os próprios trabalhos que são feitos cá por iniciativa de órgãos locais ou nas autarquias, ao nível do Governo… as pessoas acabam por ter um pouco de “vergonha” de transmitir o conhecimento que também é feito na terra, daí tenhamos feitos estas jornadas em que o grande objetivo é mostrar oradores de excelência, que consideramos trazer algum fator em termos de conhecimento para cá, mas também misturar com pessoas de cá, que já tenham feito algum trabalho de valor nesta área, para também incentivas todos os outros. Este ano tivemos 16 oradores, e pela primeira vez tivemos um painel [“Investigação Açores”] em que, à imagem e semelhança de outros congressos, fizemos uma revisão à prova cega, ou seja, uma revisão em que vários professores doutorados nesta área sem conhecerem a pessoa que enviava o documento, escolheram o mais relevante. Neste caso específico, foi sobre os incêndios urbanos em Ponta Delgada, mas tivemos propostas na área dos riscos psicossociais, também de outras áreas de risco de incêndio, tivemos também sobre a área dos riscos químicos… portanto, depois dessa avaliação, chegou-se à conclusão, sem conhecermos a oradora, escolhemos o documento que nos pareceu mais adequado.
Há aqui uma confusão ou ambiguidade quando falamos em “Higiene, Segurança e Saúde no Trabalho”. Partimos sempre para a segurança e saúde relativa à higiene. Mas há outros tipos de segurança e saúde no trabalho.
Se formos à raiz do problema, os ingleses usam duas palavras e nós só utilizamos uma para denominar o mesmo objeto de avaliação. Eles usam “security” e “safety”, e nós usamos “segurança” para tudo. De qualquer dos modos, “security” está mais ligado a questões de conforto, proteção, forças da ordem, alarmes… enquanto que “safety” está intimamente ligado com as questões da higiene e segurança no trabalho. Depois dentro do ramo da higiene e segurança no trabalho, existe um sub-ramo que é a organização da emergência, ligada a todos esses fatores que são os incêndios, como se combate o incêndio, como se fazem planos de emergência regionais ou municipais, e a outra vertente toda que nos preocupamos essencialmente no trabalho que é desenvolvido, passando o pleonasmo, no trabalho. Isto é, com o trabalhador e com a relação trabalhador – local de trabalho, trabalhador – homem máquina, e trabalhador – empregador, porque hoje em dia voltamos à mesma conversa: durante muito tempo as entidades empregadoras defendiam o seu fato, os trabalhadores o fato deles, mas o facto é que todos nós percebemos que em termos de produtividade tem de haver uma relação multidisciplinar quer ao nível da disciplina de higiene no trabalho, quer ao nível dos vários “grupos”.
O que é que alberga uma organização desta grandeza a nível de painéis, de apoios, da comunidade…?
Se calhar alguns números para contextualizar… numa área tão restrita como esta, passaram 162 participantes pelo Teatro Ribeiragrandense.
A nível de empresas ou a título pessoal?
Tivemos inscrições a nível pessoal, grande parte delas a nível empresarial e um grupo significativo ao nível daquilo que são empresas ou organismos do Estado. Para termos uma ideia, talvez 50% do Estado e 50% de empresas… e um valor residual por iniciativa própria. Mas desses 162 somamos 11 da organização e 16 oradores, o que quer dizer que num evento muito direcionado, acabamos por envolver praticamente 200 pessoas. Dessas 200 pessoas, e um ilhéu sabe isso melhor que ninguém, esta questão de insularidade é um problema gravíssimo para todos, para nós também que organizamos isto porque temos de ter preocupações das pessoas se deslocarem, é a alimentação, a estadia… portanto o nosso orçamento já ultrapassa os 20.000€. Só é possível ter este orçamento com o apoio de dezenas de entidades. Indiscutivelmente o apoio do Governo Regional a nível financeiro e o apoio logístico indispensável da Câmara Municipal da Ribeira Grande. Sem ele era impossível levar a cabo. Eu digo no discurso de abertura, e houve pessoas que não gostaram mas não tenho problemas em voltar a dizer: não é possível a uma empresa da nossa dimensão, uma microempresa, desenvolver um trabalho com este arrojo sem que isto seja efetuado com apoios. O primeiro dia em que se decidir não ter apoios, as jornadas finalizam. Não conseguimos. Consideramos que há um retorno para a empresa em termos de imagem, mas na nossa perspetiva, um maior retorno para a região e para as pessoas que aqui estão. Ainda ao nível dos apoios e dos valores, no dia anterior ao dia 18, no dia 17, tivemos um painel de “mini cursos” que desenvolvemos por 35€ e vieram pessoas como uma das responsáveis do Instituto Ricardo Jorge e uma das responsáveis da Autoridade para as Condições de Trabalho. Portanto, é um trabalho que começou na segunda-feira antes, e em termos de organização um ano antes.
Acabam umas jornadas, já pensam nas próximas.
Nós estamos a fazer as jornadas bianuais. Não temos capacidade nem psicológica nem financeira para levar a cabo outras jornadas para o ano. Estas são as quartas, portanto pensamos organizar as próximas em 2020.
Também na Ribeira Grande?
Também na Ribeira Grande. Esse foi já o desafio. Fizemos as primeiras em Ponta Delgada, na Universidade, com o apoio da Câmara Municipal de Ponta Delgada. A Câmara Municipal da Ribeira Grande fez-nos o desafio, “roubou-nos”… para além disso temos uma obrigação social, já que temos sede na Ribeira Grande. Junta-se o útil ao agradável… e já houve o desafio por parte do Presidente [da Câmara Municipal da Ribeira Grande] para fazermos as novas jornadas daqui a dois anos.
Como é que se convencem 15 oradores do continente a vir cá?
Bom, como sempre respostas honestas… convence-se de duas maneiras: a grande maioria da comunidade que desenvolve este tipo de trabalho é uma comunidade que tem muito assente aquilo que são as questões da ética profissional. Por exemplo, alguém que trabalha, e com todo o respeito pelas outras profissões, mas alguém que trabalha numa área como a área do trabalho e da saúde, percebe que um erro seu pode levar a situações graves ao nível de um acidente de trabalho ou a longo prazo de um problema de saúde no trabalho. Portanto, quando se fazem estes desafios à comunidade técnica e científica, eles acabam por sentir-se gratos por um lado pelo reconhecimento que a comunidade tem por eles, e por outro lado acham importante vir por dar a conhecer o trabalho que fazem.
A somar a isso, os Açores são indiscutivelmente um local de eleição. Para termos uma ideia, há dois anos avaliamos isso e todos os oradores que vieram às nossas jornadas, voltaram com as suas famílias no ano seguinte, e nesse aspeto sem qualquer apoio nosso, foi mesmo do coração. E também aproveitamos no decorrer das jornadas para fazer uns “mini-passeios” com eles, com o objetivo de dar a conhecer, neste caso, o concelho da Ribeira Grande e as suas belezas naturais.
Há a hipótese de levar este tipo de iniciativa às outras ilhas?
O desafio que nos foi feito este ano foi levarmos as jornadas à Terceira. Sendo parco em palavras e novamente honesto, torna-se difícil pensar numas jornadas destas nas restantes ilhas, porque o público-alvo é bastante reduzido, e como devemos compreender, os custos. Por muito que possamos basear o trabalho na ética profissional, há que avaliar isto e ter um mínimo retorno, pelo menos para que não percamos dinheiro. Mas este ano verificámos que tivemos 16 participantes vindos da Terceira. Não sei até que ponto, estando aqui baseados em São Miguel, não seremos uma plataforma mais fácil de todos os outros virem até nós que nós irmos até eles. Eventualmente o que se poderá fazer e que me parece a mim interessante, são umas “mini-jornadas”. Tornarmos isto mais curto, num trabalho de um dia. Dois dias parece-me excessivo nas restantes ilhas.
16 oradores, 16 temas um pouco diferentes. Quais são os painéis que destaca?
Nós dividimos isto em, basicamente, três grandes áreas. Atenção que estas áreas não são estantes ano após ano, este ano optámos por estes três grupos: um grupo ligado à organização de emergência, o qual já tive a oportunidade de falar, em que se destaca não só a apresentação do Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores, entidade que quis participar a nosso convite, depois os painéis da Higiene e Segurança do trabalho, mais ligado às questões das condições do trabalho, e depois o terceiro painel, que tentamos que seja sempre “fora da caixa”. Foi o objetivo deste ano. Fomos buscar ordens que supostamente para o comum dos mortais considera não estarem tão envolvidas nas questões da Higiene e Segurança no Trabalho. Eu por exemplo sou engenheiro de formação, tenho sempre lutado dentro da minha classe pela integração de todas as outras classes, porque não é possível fazer um trabalho de Higiene e Segurança no Trabalho sem uma visão interdisciplinar e multidisciplinar destas várias especialidades. Portanto, não é possível hoje em dia com situações como o stress, o assédio, etc., não falarmos com os psicólogos, com sociólogos… não é possível não falarmos com juristas, com os jornalistas (que têm um papel importantíssimo na divulgação destes painéis). Isto para dizer que este painel foi uma tentativa este ano de trazer outras ordens, outras associações, que viessem explicar que estes também são representantes e agentes de mudança.
Em que resume estes dois dias?
Francamente, este ano assustámo-nos um bocadinho com o final. Mesmo para nós, sentimos que as expectativas foram totalmente ultrapassadas. Não tem que ver apenas com a organização. Tem que ver com os painéis… as pessoas todas ficaram muito contentes pela qualidade. Sentiram que não vieram perder tempo, saíram de lá satisfeitas. Culminámos com um simulacro, dentro do próprio Teatro Ribeiragrandense, pertencente à Câmara. Juntámos o útil ao agradável: a Câmara validou o seu plano de segurança referente ao Teatro, e para além disso, os restantes utentes e participantes tiveram a oportunidade de, com muitas aspas, fazer uma aula prática daquilo que fomos falando ao longo das jornadas.
Daqui a dois anos quais são as expectativas?
Difíceis. Com base naquilo que os participantes nos foram dizendo, todos eles nos alertaram dizendo que todos os anos tem sido melhor. No primeiro dia a seguir às jornadas, tinha e-mails dos meus colaboradores com ideias para daqui a dois anos, portanto, eles próprios se devem ter sentido pressionados.
Para terminar, tem havido uma aposta na segurança, a nível geral, pela Universidade dos Açores. Em 2012 abriu a licenciatura em Proteção Civil e Gestão de Riscos e mais o mestrado em Ambiente, Saúde e Segurança foi retomado. Está a começar a haver uma aposta na formação a esse nível.
Embora estando no “métier” [ramo] não só das formações mas como dos cursos universitários desta área, sou sempre muitíssimo crítico, e fique claro que não apenas da Universidade dos Açores, sou crítico da academia portuguesa, seja ela qual for. Das universidades privadas às estatais. E baseio esta minha avaliação naquilo que é a capacidade técnica e científica que as pessoas trazem no final da universidade. Penso que mais importante que avaliarmos os cursos que existem, era importante avaliar se as competências que as pessoas acabam por desenvolver na universidade são ou não são adequadas e enquadradas naquilo que é a nossa legislação atual, o padrão do nosso trabalho… acho que a academia tem uma responsabilidade que muitas vezes se demite de efetuar uma verdadeira avaliação que obrigue a que, em primeiro lugar, os professores mudem. Começando por mim. Mudem a sua atitude, a sua relação com o aluno, mudem no ir procurar novos conhecimentos, novas maneiras e novas abordagens.
Penso que aí temos que crescer muitíssimo. E basta olharmos para as universidades estrangeiras. Basta vermos a relação que um professor doutorado com 30 ou 40 anos de experiência tem numa universidade britânica e o mesmo professor tem numa universidade portuguesa. Se calhar aqui não conseguimos conversar com ele, mas lá está a tomar um café no meio dos alunos, trocando impressões e fomentando o conhecimento. Mais que basear o conhecimento pelo número de cursos, acho que devíamos ver o que é que eles valem e fazermos um “mea culpa”, se calhar.
A Inspetora Regional do Trabalho, Ilda Baptista, também presente nas Jornadas de Higiene e Segurança no Trabalho, destacou a importância das empresas prestadoras de serviços de segurança e saúde no trabalho, fazendo saber que, só em 2017, a Inspeção Regional do trabalhou realizou visitas a 165 empresas-clientes.
Ilda Baptista, no seu discurso, sublinhou que estas empresas prestadoras de serviços de segurança conseguem mais facilmente “fazer entender a relevância de se investir em segurança”, classificando-as como “aliadas na melhoria das condições de trabalho, no combate aos acidentes e às doenças profissionais”.
A Inspetora Regional salientou ainda que a mentalidade de alguns empresários leva a que se abdique, erradamente, de investir em segurança para investir em algo cujo retorno seja “mais célere”.
Este ano já foram realizadas 750 visitas para verificar as condições de segurança dos locais de trabalho, considerando que “há ainda muito a fazer”, referindo-se a sensibilizar a comunidade em geral através de ações de divulgação, mas também a alertar diretamente os trabalhadores e empregadores.
Tânia Fonseca, vice-presidente da autarquia ribeiragrandense, sublinhou ser “frequente a Câmara associar-se a entidades privadas em diversas ações que possam resultar em mais-valias para os empresários e suas empresas”, apostando desta forma na “desejável diversificação do tecido empresarial ribeiragrandense.
De acordo com Tânia Fonseca esta é uma forma de criar uma dinâmica geradora de “maiores proveitos” capazes de contribuir para o desenvolvimento socioeconómico do concelho.
“Estamos absolutamente cientes da importância que se revestem duas dimensões: aquela que tem que ver com as questões da segurança (a nível físico e a nível psicológico) nos locais de trabalho e aquela que se prende com a proteção dos nossos munícipes em situação de emergência”.
Neste âmbito, e tendo em conta o simulacro de emergência que encerrou as jornadas, Tânia Fonseca elogiou a “estreita, cooperante e leal relação com os bombeiros voluntários da Ribeira Grande” e lembrou os “riscos psicossociais no trabalho” para elogiar a presença da Ordem dos Psicólogos Portugueses no evento.