Aliando a cultura à solidariedade, Alberto Silva, cidadão gaiense e médico dentista reformado, decidiu abrir um espaço cultural em Vila Nova de Gaia. Este espaço Arte & Cultura conta também com uma sala dedicada unicamente à escultora gaiense Margarida Santos, que esteve presente na inauguração e que destacou a iniciativa pela coragem do momento em que se realiza. Com obras várias para venda, parte dos lucros conseguidos serão destinados para ajudar uma jovem, Bruna Neves, que tem o sonho de se tornar médica veterinária.
Foi inaugurado, no passado dia 27 de agosto, um novo espaço cultural em Vila Nova de Gaia. Situado no Rua Joaquim Nicolau de Almeida, nº 691, Sala 1 e 2, precisamente no centro do concelho, em Mafamude, o espaço foi uma ideia de Alberto Santos, médico dentista reformado, que decidiu aproveitar salas para criar algo inédito naquela zona.
“Isto surgiu de uma ideia antiga que já tinha. Sempre fui ligado à saúde, clínicas e laboratórios ligados à dentária, mas fiquei reformado e pensei que não podia ficar sem fazer nada. E então estou aqui perto e comecei a ver estas salas a formarem-se. Isto era para uma imobiliária, mas como a minha primeira arte foi mesmo a arte, porque trabalhei numa casa de molduras, quando idealizei isto pensei logo que tinha de falar com duas ou três pessoas para tentar que me digam se podem ou não fazer o que eu quero. Espero que isto dê animo à cultura, já que não há aqui nada do género”, explicou ao AUDIÊNCIA o mentor do projeto.
Na inauguração do espaço, além de artigos para venda, encontra-se também para venda obras da pintora e escritora madeirense, Adelaide de Freitas. Atualmente a viver em Lisboa, a artista expõe desde 1995 em Portugal e no estrangeiro, mas esta é a primeira vez que apresenta o seu trabalho no Porto.
Para esta exposição, Adelaide de Freitas trouxe a exposição “Os meus extraterrestres”, já que desde sempre que teve um fascínio pelo desconhecido e pelos espaços extragaláticos. “Este tema é criado num outro mundo que acredito que existe para além deste nosso visível. São formas coloridas, e aqui apresento o dentista, a arquiteta, a deusa dos mares, a estrela, os amantes, o galo Cosmos e uma homenagem ao Cristiano Ronaldo”, explicou a artista.
Pintora, escritora de poemas de amor com dois livros publicados, Adelaide de Freitas já expôs também algumas fotografias, embora confesse que a sua paixão e o que realmente quer mostrar ao público sejam as suas pinturas. Por isso, confessou ao AUDIÊNCIA que assim que conheceu o proprietário do espaço e este a convidou, aceitou imediatamente o convite. “Conheci o senhor Alberto pelo Facebook e fomos falando, e como ele sabia que eu pintava convidou-me. Apesar de já ter alguns convites para expor, mas que foram adiados para quando a situação melhorar, neste momento, o senhor Alberto Silva não teve medo do COVID-19 e aqui estamos”, refere a artista, deixando ainda uma pequena crítica à forma como a cultura portuguesa é vista pelos governantes.
“Tenho convites para expor no estrangeiro, em museus e boas galerias, mas os recursos para levar os trabalhos e a estadia é complicado. Tenho de arranjar um sponsor ou um mecenas para me ajudar. Já cheguei a gastar mais de 3 mil euros só para expor em Paris, no espaço Pierre Cardin, e não é fácil para um artista suportar estes custos. Portugal não ajuda na cultura e não vê que há certos artistas que podem ir mais além-fronteiras e não vão porque eles não ajudam. São sempre os mesmos e isso está mal”.
Uma das surpresas do espaço é uma sala totalmente dedicada à artista Margarida Santos, que terá uma placa à entrada com a assinatura da própria e que contará, sempre, com trabalhos da mesma. Ao AUDIÊNCIA, Margarida Santos confessou que não esperava esta distinção e que seria impensável negar estar sempre nesta iniciativa.
“Foi ele que me quis homenagear e eu não pude dizer que não, porque senti que era uma coisa sincera vinda da parte de um cidadão de Vila Nova de Gaia. Fiquei um pouco atrapalhada, mas estou aqui para o que der e vier e fiquei satisfeita de ele se ter lembrado disso. É uma sala que vai ser sempre renovada com obras conforme eu for fazendo. E enquanto escultora do bronze, aqui apresento pintura, que é outra faceta minha. Considero que este é um sentido de oportunidade, um empreendedorismo, nesta altura em que as pessoas não acreditam no futuro porque é tudo incerto, é uma janela que se abre, pode ser que entre ar para respirar ou pode ser que feche. Mas a verdade é que acho que isto é um ato de coragem abrir isto e ter um programa na cabeça dele de ser direcionado para diferentes aspetos culturais. É de louvar”, afirmou a escultora que aproveitou também o momento para, juntamente com o ator David Morais Cardoso, declamar um poema sobre a pandemia.
Para a inauguração, Margarida Santos optou por apresentar ao público algumas das muitas obras que produziu durante o confinamento obrigatório. “Nós artistas estamos sempre em confinamento, na medida em que estamos muito centrados no nosso trabalho. O que eu escolhi para colocar dentro da sala, com consentimento dele, são pinturas sobre o confinamento. Tem três fases distintas, o princípio quando estávamos a ver que tínhamos perdido a liberdade de sair, com os pássaros e as pessoas numa grande aflição, embora seja verde de esperança porque isto vai passar. Depois tem a segunda fase com as pessoas a apalparem o terreno a ver como isto vai ser, e uma terceira fase que é mesmo a consciência plena que era uma aflição mundial e é uma parede só com gritos com o vírus a andar pelo ar. É muito temática, mostrando que o vírus mata”, explica a artista.
Homem dedicado à solidariedade, Alberto Silva juntou neste espaço o gosto pela arte à solidariedade, isto porque, o total de lucros de vendas das peças do espaço tem já um destino final. Após ter visto o programa de televisão “Casa Feliz”, da SIC, Alberto Silva conheceu a história da jovem Bruna Neves, de 18 anos, a quem decidiu imediatamente ajudar.
“Pensei que como estava a fazer este evento e a miúda queria entrar na faculdade de medicina veterinária, e não tinha nota suficiente para entrar na universidade pública, se não entrar na pública conseguia na privada, mas não ficava barato. Então liguei para a SIC e quis saber exatamente o que se passava e decidi que parte dos lucros deste evento seriam para a ajudar”, explicou o proprietário do espaço Arte & Cultura, que também faz parte do Rotary Club Gaia Sul, através do qual já entregou um LCD ao centro do cancro da mama do Hospital São João, e pondera também retirar algum lucro das vendas deste espaço para voltar a ajudar a instituição.
A jovem esteve presente na inauguração, que sem saber bem qual o que se iria passar nem de que forma Alberto Silva a iria ajudar, e mesmo antes de saber a novidade, confessou ao AUDIÊNCIA que não estava nada à espera que alguém se disponibilizasse desta forma para a ajudar.
“Sei que há pessoas muito humildes no mundo, mas não estava nada à espera que depois da entrevista que dei à SIC, o senhor Alberto viesse falar connosco. Mas acho-o muito humilde, não é qualquer pessoa que dá este passo e tal como ele disse, também muita gente já o ajudou e ele quer ajudar aqueles que precisam, neste caso eu”, admitiu a jovem que, com o falecimento da mãe aos 15 anos de idade, por cancro do útero, acabou por sair de casa do pai e ir viver sozinha. Com menos possibilidades do que uma jovem de 18 anos teria, Bruna tem assim agora a possibilidade de realizar o seu sonho de entrar na faculdade de medicina veterinária.
Além das exposições existentes, o novo espaço de Arte & Cultura contará também com pintura, escultura, cerâmica, artesanato, música, fado, poesia, livros, essência dos vinhos, joalharia, apresentação de escritores e tertúlias variadas.
O espaço estará aberto das 15h às 20h30, e terá diversas iniciativas ainda por agendar. Contudo, não é de porta aberta ao público, funcionará por convites e dependerá do género de atividades que se realizem.