O ano de 2025 vai conhecer um novo torneio policiário, composto por problemas designados de “português suave”, de resolução muito acessível e dedicado sobretudo aos policiaristas menos experimentados. Os problemas serão publicados nos dias 15 de cada mês, com início em janeiro. E o torneio é orientado pelo confrade Virmancaroli, no seu jovem blogue Momento Policiário (momentodopoliciario.blogspot.com), onde os nossos leitores podem também aceder (gratuitamente) à revista Enigmas & Desafios, que se assume como um espaço de puro entretenimento. E para aguçar o “apetite” de quem nos segue, aqui ficam algumas charadas da edição zero da revista: a) “Quais são os três números, nenhum dos quais é zero, que dão o mesmo resultado, quer sejam somados ou multiplicados?”; b) “Eu pertenço ao mês de dezembro, e não a qualquer outro mês. Eu não sou um feriado. O que eu sou?”. Aqui fica o convite. Passem por lá!
Entretanto, prossegue aqui, nas páginas do jornal AUDIÊNCIA, o concurso “Um Caso Policial no Natal”, que conhece hoje a publicação da primeira parte do décimo primeiro original.
“Um Caso Policial no Natal” – DÉCIMO PRIMEIRO CONTO
UM CRIME NA NOITE DE NATAL, de Paulo
I – PARTE
Está um homem totalmente repousado, pensando que no dia de Natal não acontece nada, quando, logo pela manhã, lhe atiram com um crime para os braços. Reconheço que estava de serviço, mas sempre pensei que sucedesse o mesmo que acontece quase todos os anos, e refiro-me a todos aqueles em que fiz serviço no dia de Natal: nada. Só que, desta vez, fui mesmo atirado para o centro de um crime.
Demorei cerca de quarenta minutos a chegar à casa onde ocorrera a morte. Ficava afastada do centro da cidade, já em pleno meio rural. Normalmente, demoraria entre quinze a vinte minutos para fazer o percurso, mas o piso da estrada não estava a pedir velocidades elevadas nem a permitir uma condução nos limites do perigo. Havia neve, muita neve, embora o negro do asfalto ficasse disponível na zona onde passavam as rodas dos veículos automóveis. Para ser sincero, também não tinha muita pressa para chegar ao destino. Dispensava bem um crime naquele dia.
Estacionei na rua e dirigi-me para um portão que estava com uma das duas metades aberta, mantendo-se a outra fechada. Da rua até à entrada da casa, já não seria possível caminhar sem me furtar à neve que cobria os cerca de dez metros que mediria o carreiro até à porta. Para evitar contaminar, com os meus resíduos, o ambiente que cercava o crime, coloquei os pés sobre uma das séries de pegadas ali existentes, que saiam de outro carro estacionado na estrada, junto do meu, e que eram, quase de certeza, pertencentes a algum dos elementos que já estava dentro da casa a fazer as perícias técnicas.
A porta estava fechada e eu tive que bater, com a esperança que alguém me ouvisse e viesse abri-la. Tinha-me esquecido de premir o botão da campainha, que estava junto do portão que dava acesso à rua, e só me restava a expectativa de que agora me escutassem.
Ouviram! A porta foi aberta por uma mulher vestida com um fato-macaco branco, luvas e óculos de proteção. O facto de já nos conhecermos evitou que eu tivesse que mostrar a minha identificação.
Olhei para o relógio que tinha no pulso. Eram dez horas e cinquenta minutos, e, só após esta verificação horária, os meus passos avançaram para o interior da casa, deixando que os olhos começassem a verificar o cenário onde ocorrera o crime que me estragara o dia de Natal.
As paredes que eu observava tinham todas a mesma cor, que eu não conseguia definir, estando pintadas com um branco mais escuro do que o verdadeiro branco que cobria o teto. Eram visíveis dois pequenos quadros: um, com uma paisagem de um casebre junto a um rio, numa pintura de cores muito luminosas, e o outro, com uma composição abstrata, em tons de azul, branco e amarelo.
Transpus o pequeno átrio e deparei-me com uma sala, onde, junto de uma lareira apagada, se acumulavam alguns presentes, que obviamente ninguém abrira, e uma árvore de Natal. Mais para o centro do aposento, existia uma mesa com uma toalha com desenhos de árvores e sinos, sobre a qual estavam alguns recipientes com doces, daqueles que normalmente associamos ao Natal, e ainda alguns frutos secos. Claro que também havia um morto no chão do compartimento.
Via dois técnicos a espalharem pó pela sala, em busca de possíveis impressões digitais que explicassem alguma coisa, o que não me parecia muito provável, e um médico, o Renato Rebocho, com quem eu já me cruzara inúmeras vezes em trabalho, que me informou, numa primeira análise, pouco fiável, conforme me avisou, de que a vítima morrera entre a uma hora e as duas da manhã com uma violenta pancada na cabeça. Claro que esse embate nem precisava de ser descrito, pois era perfeitamente visível, no corpo caído, uma massa ensanguentada que só poderia vir de um ferimento na zona parietal direita.
— E o que lhe terá provocado o ferimento?
— Deve ter sido este ferro, — apontou uma barra preta que estava caída no chão junto da lareira — que serve para mexer nas brasas e nas cavacas.
Após estas palavras, o Renato fixou a olhar em mim.
— E não me vais perguntar quem é o assassino?
— Claro que não! Essa descoberta é o meu trabalho. O teu é mais simples.
Fiz uma pausa, e o Rebocho logo acrescentou.
— Dá para perceber, por ter usado uma arma improvisada, que o assassínio não estava planeado.
Se ele queria guerra, iria tê-la.
Mas, entretanto, eu desviei os olhos para um técnico que se aproximava do atiçador com um saco plástico numa das mãos.
— Estão aqui uns cabelos colados. — Disse, enquanto os metia no saco.
A vítima parecia ter sido apanhada de surpresa, uma vez que não havia sinais de luta no cenário. Um combate entre duas pessoas, naquele local, levaria a que os embrulhos com os presentes tivessem alguma desarrumação.
O rumo dos pensamentos desviou-se.
— E tu, Natália? Que me contas? — Perguntei para a pessoa que me abrira a porta. Deparar com alguém com aquele nome, naquele dia e naquele local, só contribuía para eu ficar mais incomodado. Bastava-me ter que falar com ela, para sentir uma pequena irritação.
— Há mais três pessoas cá em casa. Fernanda, a mulher de Casimiro, a vítima, e os seus dois filhos com sete e oito anos: dois rapazes.
— Mais três, não. Se calhar são mais quatro. O assassino?
A Natália franziu as sobrancelhas.
— É por ser Natal? Estás mal disposto?
(continua na próxima edição)