“PORTUGAL FEZ UM CAMINHO MUITO POSITIVO NA CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA”

César Oliveira nasceu em Canelas a 16 de junho de 1946. Iniciou-se no mundo do trabalho aos 14 anos, como empregado de escritório até à entrada na vida militar. Tirou o Curso Geral de Comércio e, aos 24 anos, chefiou um escritório de representações.

Seguidamente, ingressou numa grande empresa onde começou por liderar o setor de exportação e, dois anos depois, foi promovido a chefe geral de vendas. Aos 31 anos foi promovido a diretor comercial e, dois anos mais tarde, decidiu fundar a sua própria empresa que é, desde 2000, gerida por um dos seus filhos. Desde novo ligado às causas sociais, integrou, antes da Revolução dos Cravos, algumas instituições associadas à paróquia e à Juventude Operária Católica, sendo, atualmente, sócio e dirigente de inúmeras associações.

Despertando o seu interesse pela política como um serviço cívico, César Oliveira aliou-se aos fundadores do Partido Social Democrata (PSD), em Vila Nova de Gaia, tendo alicerçado e liderado o núcleo do PSD em Canelas. Em 1976, aquando das primeiras eleições autárquicas livres, foi candidato à Junta de Freguesia de Canelas e integrou a Assembleia de Freguesia até 1981. Entre 1994 e 1997, foi deputado e presidente do Grupo Parlamentar do PSD da Assembleia Municipal de Gaia.

Posteriormente, recebeu o convite do então edil da autarquia gaiense, Luís Filipe Menezes, para ser seu assessor e adjunto, função que desempenhou até 2009, ano em que se candidatou ao cargo de presidente da Assembleia Municipal de Gaia, missão que exerceu até 2013. Atualmente, César Oliveira é presidente da Assembleia Geral da Federação das Coletividades de Vila Nova de Gaia e administrador não executivo em representação do município gaiense na Suldouro, encargo que ocupa desde 2005. 

 

O poder local foi uma das maiores conquistas da Revolução dos Cravos. Como vê a evolução desde então até agora?

Quando surgiu o 25 de Abril foi uma explosão de alegria. O poder local foi uma das conquistas da Revolução dos Cravos, a par da liberdade de expressão, que deu relevância ao Governo, ao país e aos poderes de proximidade, que devem ser onde melhor se devem gerir aqueles que são os recursos para a melhoria das localidades. Portanto, hoje, a lei foi alterada, em algumas situações condicionando, noutras delegando e continua a ser, no meu ponto de vista, o poder mais importante para as bases e para a eficácia da governação de um país, porque é o poder local que melhor se conhece as necessidades, quer ao nível do desenvolvimento, quer ao nível da proximidade, socorro e incremento social. Todavia, o poder local talvez careça de algumas reforças, pois, passados 50 anos, é normal que assim aconteça, para poder ser mais eficaz. Posso dizer-lhe, ainda, que a principal razão pela qual eu aderi ao Partido Social Democrata (PSD), foi porque, na altura, era o único partido que defendia e tinha como doutrina a social-democracia. Aliás, o PSD elegeu o poder local, aquando da sua formação, como a prioridade do partido para estar na sociedade portuguesa, porque é aquilo que o povo vive todos os dias, seja, nomeadamente, ao nível da saúde, da educação, dos transportes, da segurança, do trabalho justo, ou do apoio social. 

 

Desde o dia 25 de Abril de 1974 até à atualidade, quais foram os marcos mais importantes?

Ainda não aconteceram, na totalidade, muitos marcos importantes em 50 anos. Mas, claramente que a liberdade de expressão foi o mais importante, uma vez que permitiu que as pessoas discutissem, apresentassem os seus pontos de vista e votassem. Portanto, esta é, na minha opinião e desde sempre, a génese da democracia. Contudo, depois, naturalmente que a constituição dos poderes, quer sejam centrais ou de freguesia, foi outra das conquistas muito importantes do 25 de Abril, porque o povo passou a poder escolher os seus representantes e os seus representantes passaram a ter a obrigação de prestar contas ao seu povo, acerca daquilo que é o exercício das suas funções. A meu ver, nestes 50 anos, o poder local de proximidade tem tido uma prestação altamente evolutiva, mas não está tudo como nós queremos, nem como a população precisa, para nos equipararmos a outras democracias. Como tal, eu acho que, em 50 anos, podia-se ter feito mais, mas tem-se feito um caminho muito progressivo, considerando os anseios e o desenvolvimento da sociedade. Logo, eu acredito que Portugal fez um caminho muito positivo na consolidação da democracia. Não temos, ainda, uma economia suficientemente forte para dar conteúdo a todos os serviços e necessidades do povo, mas tem sido muito positivo. Não me imagino noutro sistema que não o da democracia, apesar de esta ter alguns inconvenientes, como em tudo na vida, nem tudo é perfeito e, neste caso em concreto, a democracia é aquele que menos riscos tem para o povo.

 

Enquanto ex-autarca, de que forma é que acha que contribuiu para o engrandecimento da democracia em Portugal?

De uma forma intensa, antes do 25 de Abril, eu já tinha alguma simpatia pelas questões sociais e quando aconteceu a Revolução dos Cravos, com a minha filiação no PSD, aperfeiçoei e desenvolvi aquilo que eram as diligências da minha contribuição, para que houvesse democracia plena e, desde aí, praticamente há 50 anos que sou autarca e com a minha vida profissional e familiar, com muitas contrariedades, nomeadamente o facto de o meu filho ter sofrido um acidente que o incapacitou para a vida, nunca deixei de dar o meu contributo, pois é um capital que eu visto bem, porque ninguém me pode apontar de ter virado a cara ou ter subestimado aquilo que foram os princípios de Abril, pois continuo a pugnar por isso. Eu próprio, a par de muitos outros cidadãos, fiz muitas caminhadas, também ao lado de muitos outros, em prol de uma melhor sociedade. Portanto, eu tenho a consciência de que posso não ser o exemplo dos autarcas, mas não me pesa a consciência por ter deixado de fazer alguma coisa, pois eu sempre que tinha de fazer, fazia, mesmo prejudicando a minha vida pessoal e profissional, porque sempre tive preocupação com aqueles que mais necessitam e esta é uma área pela qual sempre tive uma grande paixão. Enquanto presidente da Assembleia Municipal de Gaia, apliquei as minhas convicções de vida, o meu saber e aquilo que era viver em democracia. Como presidente da Assembleia Municipal, tinha de estar acima daquilo que era a atividade partidária, embora eu pertencesse a um partido, mas não podia levar o partido para as funções. Foi um mandato ao meu próprio estilo que, ao que me apercebo, deixou marcas, porque eu liderava a Assembleia com muito respeito por todos os deputados e grupos parlamentares, desde o Bloco de Esquerda até ao CDS, criando regimentos ajustados àquilo que era aquele órgão da democracia e, ao fim de quatro anos, candidatamo-nos outra vez com aquela situação de grandes divisões dentro do PSD, que levaram a que perdêssemos a Câmara e a Assembleia Municipal para o Partido Socialista. No que diz respeito à minha atuação como presidente da Assembleia Municipal, nós tínhamos de cumprir a lei e analisávamos e votávamos os documentos que nos eram enviados pela autarquia, quer os Planos e Orçamentos, quer os Relatórios e Contas, e nomeadamente outros planos e, antes das ordens de trabalho, eu fazia sempre uma reunião de líderes, onde cada um ponha o seu ponto de vista e eram estabelecidos tempos para os partidos defenderem as suas convicções, sem a minha interferência, apenas com a minha gestão apartidária, que eu congratulo-me muito por ter desenvolvido, porque foi um novo estilo numa Assembleia Municipal, onde havia naturalmente disputas, discussões partidárias intensas, defesas de pontos de vista e princípios e opiniões muito díspares, mas aquele órgão era dignificado por todos e para todos os que lá estavam. Portanto, eu tive sempre um estilo de grande proximidade com o povo e criei sempre um canal aberto para receber todos os munícipes. Foi, assim, um mandato que foi considerado de elevação, que deixou uma marca que o meu sucessor continuou e penso que melhorou. Desde que saí, em 2013, nunca mais cometi nenhuma interferência na vida autárquica, quer ao nível da Assembleia Municipal, da Câmara Municipal ou das Juntas de Freguesia, por vontade própria, porque tinha chegado a um patamar em que a discussão política já não estava nos meus horizontes, porque, entretanto, abracei outros desafios como é o caso da Federação das Coletividades de Vila Nova de Gaia, momento no qual prometi aos sócios que, apesar de ser militante do PSD, não ia misturar as coisas e esta tem sido a minha postura até agora. Continuo alguma atividade profissional e sou administrador da Suldouro, em representação do município, porque quando o PS ganhou as eleições, escrevi, imediatamente, uma carta a colocar o meu lugar à disposição, mas o doutor Eduardo Vítor Rodrigues disse-me, na altura, que o município estava bem representado e, até hoje, mantenho-me com essa confiança da Câmara Municipal de Gaia, para desenvolver esta atividade.

 

No seguimento dos últimos resultados eleitorais, como vê o futuro da democracia em Portugal?

Na minha opinião, o que eu vejo é que a democracia está de tal forma evoluída, apesar de existirem, ainda, algumas falhas motivadas por algum fervor de poder, mas, na verdade, o povo é sábio. Acredito que o que aconteceu nas últimas eleições se deve a uma grande dose de sapiência do povo, talvez com alguns excessos, mas é preciso que os políticos saibam que tudo isto não é como eles dizem, porque o que tem de acontecer na sociedade, deve ser de acordo com aquilo que o povo diz e sente. Portanto, eu penso que nós vamos atravessar um período difícil, para reconquistar a confiança do povo. Porém, eu acredito que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, quem ele lidera e os partidos que estão com ele vão reconquistar o povo. Eu tenho muita esperança de que este primeiro-ministro, que é um homem como nós, um homem do povo, que conhece bem o quotidiano das pessoas, vai conseguir fazer uma governação mais ajustada àquilo que são as expectativas do povo. Logo, tenho muitas expectativas de que ele possa fazer uma boa governação para o bem de Portugal e, sobretudo, dos portugueses.