“SOMOS UM GRUPO BASTANTE ORGANIZADO, COM UMA AMIZADE FORTE”

O X Capítulo da Confraria da Pedra realiza-se no próximo dia 29 de outubro, nas instalações dos Bombeiros Voluntários de Valadares. José Carlos Leitão, chanceler presidente desta instituição, referiu, em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, que este momento será interno, para promover a união entre os confrades, depois dos dois anos difíceis, que a pandemia trouxe ao país e ao mundo e que abalou “quase de morte” o movimento confrádico. Além de revelar que a Confraria da Pedra entronizará mais cinco Confrades Efetivos, José Carlos Leitão ainda destacou a assídua participação da mesma em projetos de solidariedade, como por exemplo o Banco de Leite e a Casa Betânia, em São Tomé e Príncipe.

 

 

 

 

Aproxima-se mais um Capítulo da Confraria da Pedra, no dia 29 de outubro, o que podemos esperar dele?

Vai ser um Capítulo, pela primeira vez, interno. Nós, normalmente, fazemos os Capítulos abertos a todas as confrarias, mas o que é que acontece? Pandemia. A pandemia, na minha opinião, feriu, quase de morte, este movimento e só não feriu de morte a Confraria da Pedra porque nós somos um grupo bastante organizado, com uma amizade forte entre os seus membros e, portanto, conseguimos aguentarmo-nos, mas vai ser um Capítulo interno porque não o vamos abrir a outras confrarias, muito embora temos a certeza que vamos ter meia dúzia de confrarias nossas amigas. Nós deixamos de ir aos outros Capítulos até porque eles estavam a ser, sistematicamente, cancelados. Ou seja, como nós deixamos de ir ao dos outros, é normal que também não venham ao nosso. Este ano, desde que isto começou, nós fomos a quatro ou cinco Capítulos, portanto, é normal que se a gente foi a cinco e se esses cinco vierem a nós, temos apenas cinco ou seis confrarias, iria ser um fracasso. Nós fazíamos o almoço na Madalena, mas a casa onde costumamos fazer esse almoço está em obras e nós ficamos com um problema que nunca tínhamos tido. Quanto ao local, podíamos fazer em dois locais na Freguesia da Madalena, o Orfeão da Madalena ou o Salão Nobre do Ideal Clube Madalenense, porém o Salão Nobre do Ideal tem escadas, e isso não pode ser porque a Confraria tem pessoas com alguma idade e com mobilidade reduzida, e o Orfeão estava ocupado, porque fruto da pandemia, as instituições recomeçaram com as suas atividades, então tivemos de nos virar para as nossas instituições. Os Bombeiros Voluntários de Valadares são nossos Confrades de Honra e, inclusive, já participamos airosamente na aquisição de uma ambulância e temos muito orgulho nisso Falamos com os bombeiros e eles cederam-nos o espaço. A receção será feita por volta das 9h30, às 10h teremos o nosso arroz malandro de feijão com pataniscas, o pequeno almoço do pedreiro, e por volta das 11h e tal começamos com a cerimónia. Terminada a entronização passamos ao parque e fazemos a fotografia de família, para, depois, regressar ao Salão Nobre, onde nos espera o almoço. Por volta das 17h30/18h, será servido o caldo verde para a despedida. Vamos entronizar cinco Confrades Efetivos, um deles jovem, o Diogo com 16 anos, e uma Confreirinha, que é uma categoria que nós temos dos 3 aos 10 anos, vai passar de Confrade Jovem, também, que, por acaso, é a minha neta. O pai do Diogo também vai ser nosso confrade, é Manuel Cardoso, um empresário de sucesso em Vila Nova de Gaia. Também serão entronizados dois homens de Valadares, o Joaquim Guedes e o Albino Monteiro. O António Domingues, repórter de Canelas, também vai ser nosso Confrade de Honra. É um homem que está sempre presente, encantador e de quem nós gostamos muito.

 

É com entusiasmo que se vive este ano de recomeço?

Sim, é com muito entusiasmo. As pessoas estavam cansadas de estar em casa, embora habituadas, mas cansadas, com necessidade de sair, e nós acabamos por juntar o nosso povo, partilhar um pouco das nossas experiências. Por exemplo, neste interregno, perdi a minha mãe, o que é uma perda muito difícil de superar. Perdemos, também, o senhor José Reis, algo muito difícil de superar para a família da Confraria da Pedra, vamos fazer-lhe uma homenagem. Neste momento o confrade mais velho da Confraria da Pedra é, exatamente, o meu pai, com 87 anos, também terá o seu miminho. Eu, enquanto chanceler presidente terei lá a minha esposa, o meu pai e a minha netinha. Eu costumo dizer, na brincadeira, que a minha neta vai fazer agora 11 anos, mas quando fizer 18 assume a presidência. Apesar que o facto de eu ser chanceler presidente não me faz, em nada, diferente dos meus colegas, a única coisa que musa é que, na altura sou eu que vou ao palco, falo e uso o bastão de confrade, porque, de resto, somos todos iguais, um grupo muito coeso e unido. Pronto, e como lhe disse, decidimos juntar a confraria num Capítulo interno para unir os nossos confrades, até porque temos uma série de pessoas que passaram pela nossa confraria e que, de acordo com os nossos procedimentos e os nossos costumes e hábitos, quem participa num jantar tertúlia da Confraria da Pedra, normalmente, depois, é entronizado como Confrade de Honra. A primeira tertúlia pós pandemia aconteceu no final de 2021, fizemos já mais três ou quatro em 2022, mas estamos a ter dificuldade em juntar pessoas.

 

Ainda há medo?

Há algum receio, sim. E depois todos nós temos ouvido que a situação continua ativa. Ainda há uns dias um confrade amigo dizia-me que na empresa dele havia dois rapazes do escritório com Covid, por isso, a situação está a voltar. Nós passamos do oito para o oitenta na liberalização, toda a gente andava de máscara, todos deixaram de usar e já quase toda a gente se esqueceu do problema da pandemia. Claro que as vacinas ajudaram, claro que deu uma volta, mas a situação não desapareceu completamente. Por isso, sim, nós estamos com dificuldade, sobretudo porque as pessoas habituaram-se a estar em casa e é difícil trazer as pessoas, outra vez, para estas questões das tertúlias, e nós nisso eramos e somos um exemplo, temos uma cultura de fazer isto, e somos sempre aqueles 30, 40, anda à volta disso. De vez em quando lá vem um ou outro diferente e depois gosta e fica.  Associado a isto, o nível de vida também não está para brincadeiras. Posso dizer que eu estava com o Frei Fernando Ventura, em fevereiro, quando rebentou a guerra na Ucrânia, e percebemos que as coisas deram uma volta, entendemos que o nível de vida está diferente. Além disso, também estamos todos mais velhos, em 2020 tínhamos uma idade, em 2022 temos mais dois anos, portanto, as coisas começam a ser diferentes, logo, decidimos fazer um Capítulo interno para afirmar a confraria aos nossos confrades, de forma a dizer que estamos cá, estamos vivos, e é um pouco isso. A Confraria da Pedra, no movimento confrádico português, tem tradição. Somos das Confrarias mais antigas, nascemos a 12 de julho de 2001 e fomos das primeiras confrarias, em Portugal, a começar a fazer o Capítulo de dois em dois anos. Eu fundei a Confraria e continuo cá, como chanceler presidente, mas também não se fazem eleições, porque tomara eu ter alguém que assumisse o meu papel, porque isto dá algum trabalho, nomeadamente às noites e aos fins de semana. Então quando há Capítulos, os fins de semana anteriores são um pouco complicados, aliás, eu próprio meto férias, preciso de ter ali uma semana de férias para organizar tudo e não deixar que o serviço da confraria colida com o meu trabalho. O grande objetivo da Confraria da Pedra é perpetuar a memória do pedreiro, quem trabalhou na pedra, com muita dureza e com muita nobreza, quem trabalhou e até quem trabalha. Toda a gente sabe que ser pedreiro era uma profissão dificílima, que não era uma arte nobre, ou seja, basicamente, só ia para as pedreiras quem não tinha aproveitamento na escola, havia um estigma sobre a profissão. Acontece que as pedreiras foram fechando, por exemplo, na Madalena tivemos 24 buracos de extração de pedra, agora não temos nenhum. As coisas foram andando e os pedreiros foram morrendo.

 

Mas continua a existir esse estigma?

Um pouco. Eu lembro-me que o meu pai dizia que se eu não tirasse boas notas na escola ia para pedreiro, que era uma profissão que não era brinquedo. O meu pai é barbeiro e tínhamos muitos homens que vinham das pedreiras que eram lá clientes e eu bem via como eles tinham as mãos e como era a vida deles. Mas pronto, nós começamos nesta onda das confrarias e, rapidamente, começamos, também, a enveredar por um esquema diferente, que é a solidariedade. Em 2018 organziamos um jantar na Quinta da Torre Bela que reverteu a favor da CerciGaia, onde entregamos uma quantidade de dinheiro absolutamente significativa, 17300 euros, e tudo na base da solidariedade. Um deu 100 euros, outro 50, e, tudo junto, deu esse valor. Fizemos o evento num local absolutamente lindo, que é a Quinta da Torre Bela, e, inclusive, a família Poças é toda nossa amiga, aliás, a própria família é nossa Pedreira Diamante, que é o título mais alto que temos na confraria para instituições ou entidades coletivas. Já tivemos, também, connosco o Fernando Pereira, bem como a Noa, nossa confreira, a dupla Quim Roscas e Zeca Estacionâncio, tudo artistas que dispensam apresentações. À mesa, connosco, tivemos um Prémio Nobel da Paz, tivemos o senhor presidente e o senhor vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e toda aquela gente deixou ficar o seu contributo, só assim foi possível angariar tal valor. Só não chegamos aos 20 mil euros porque há sempre aqueles que se inscrevem e, no dia, não dizem nada e nós não temos mais nada a fazer a não ser deixar ficar lugares vazios nas mesas, com tanta gente a querer inscrever-se. Depois disso, já tínhamos outro jantar solidário marcado, tudo vendido, uma garantia de ter uma receita na casa dos 20 mil euros, sendo que o objetivo era entregar a maioria desse dinheiro ao Frei Fernando Ventura, para apoiar uma obra que, felizmente, está pronta e irá ser inaugurada no final deste ano, e onde vamos ter uma sala com o nosso nome, que é na Casa Betânia, na Ilha do Príncipe, em São Tomé, África. Então, nós tínhamos, de facto, um compromisso com o Frei Fernando Ventura, nosso Confrade de Ouro, figura maior na confraria, e como ele, o Dom Ximenes Belo, o senhor Rui Nabeiro, da Delta, o senhor presidente da Câmara de Gaia e o senhor vice-presidente, o Manuel Carvalho, da Taberninha do Manel, pessoas que nos ajudam de uma forma ou de outra, umas vezes é ajuda monetária, outras é apenas com uma palavra ou pela sua presença. Tínhamos, então, tudo pronto para fazer mais uma noite 5 estrelas e a pandemia arrumou connosco, tivemos de anular, à última hora, essa iniciativa, mas tínhamos compromissos, em África era preciso fazer-se pagamentos. Meia dúzia de amigos mobilizaram-se e lá entregamos 10 mil euros ao Frei Fernando Ventura. Não fazemos disso grande publicidade, fazemos é solidariedade. Já temos outros eventos destes na manga.

 

Porém, como referiu, a condição de vida, neste momento, é diferente. Isso poderá vir a prejudicar, também, estas iniciativas de solidariedade?

Pode, não tenho dúvidas que pode. Aliás, pode não, vai, de certeza, prejudicar, mas as contas são muito simples de se fazerem. A sala leva 400 pessoas, se cada pessoa der 50 euros, temos 20 mil euros, não é nada do outro mundo, e dar 50 euros para estar num jantar destes, que reverte a favor de solidariedade, não é mesmo nada do outro mundo. Depois nós havemos de encontrar soluções, apoios dali e apoios dacolá. Se calhar não vamos chegar ao valor que, na altura, chegaríamos, mas vamos aproximar-nos, eu tenho a certeza que sim.

 

Mas a realização, novamente, desses eventos solidários está planeada ainda para este ano?

Não, já não conseguimos fazer esse evento este ano. Por isso é que vamos organizar o Capítulo interno, para as pessoas perceberem que a Confraria da Pedra está cá, existe, está viva, os membros são os mesmos apesar de, infelizmente, já não estarmos todos, como referi, partiu um dos nossos Pedreiros de Ouro, o senhor José Reis, que era uma pessoa importante para nós, um industrial da pedra que partiu e que nos deixa muita saudade, mas, entretanto, vão entrando outros, morrem uns, nascem outros, e a Confraria lá vai, mais velha, apesar que, este ano, como também já lhe disse, vai entrar para os nossos quadros um jovem de 16 anos, que já esteve em duas ou três tertúlias e gosta, disse, inclusive, ao pai que queria ir a esses eventos, mesmo tendo escola nos dias seguintes.

 

Tem sido cada vez mais difícil convencer os jovens a participar na vida ativa das instituições?

Muito, nomeadamente numa instituição como a nossa, que não tem sede, não temos nada para dar, juntamo-nos num restaurante, à volta de uma refeição. Tanto quanto eu saiba, as refeições toda a gente tem de as fazer, se não é num local, é noutro, e nós tentamos que, naquele dia, na última terça-feira do mês, aquele grupo, a família dos Confrades da Pedra, se junte. Vamos fazer este Capítulo no sentido de nos juntar a todos, de refletirmos, de irmos estando juntos, de também homenagearmos a presença de pessoas que estiveram connosco, continuarmos a crescer para, no próximo ano, se tivermos oportunidade, partirmos para mais um mega jantar solidário. Por exemplo, falei na Casa Betânia, que agora terá outro nome, será o Lar São Francisco, em São Miguel. Eu fui com o Frei Fernando Ventura, lá, fomos ver como é que estavam as coisas e ficamos boquiabertos porque aquilo estava parado. Quando falamos com o encarregado da obra percebemos que alguma coisa não estava bem. Ele disse que nós não pagávamos quando, na verdade, tínhamos quase tudo pago. Falando com as pessoas percebemos que houve um desencontro de contas, nós estávamos a pagar e a informação não chegava à Ilha, porque aquilo é um pouco assim, mas de fevereiro para cá precisávamos ali de mais ao menos 30 mil euros. A obra foi orçada em 317 mil e nós, em fevereiro, andávamos ali quase a chegar aos 300. De repente o Papa Francisco deu autorização para colocarem 30 mil euros na nossa conta e nós ficamos com a obra paga, portanto, Deus existe, Deus é grande. E como chegamos ao Papa? Chegou o Frei, que tem outras particularidades que nós não temos, é intérprete em Roma, e foi possível o Papa Francisco ajudar-nos. Outra família meteu lá cinco mil euros, tudo por Facebook e assim, por isso, a nossa parte nós fazemo-la.  Está pronta, e paga, que é o mais importante. 317 mil euros que fomos juntando, alguns a darem cinco euros, outros 15, 20. O nosso Frei, faz trabalhos extra e tudo reverte para ali. Além disto, ainda temos o Bando de Leite, onde, todos os meses, fazemos chegar a uma tonelada e meia de leite em pó a São Tomé, leite cujo preço subiu de uma forma absolutamente miserável. Os contentores que custavam um valor, agora custam quase no dobro, mas nós temos de ajudar. Quando fomos visitar a obra do lar, não tiramos um cêntimo ao Banco do Leite, pelo contrário, levamos dinheiro para, lá, ainda comprarmos um fogão para uma família, um frigorifico para outra, deixarmos ficar não sei quantos sacos de arroz, de feijão e é assim que fazemos, não levamos jornais atrás de nós, mas nós, Confraria da Pedra, fazemos isto, e temos muito orgulho nisso. Não andamos aqui atrás de colinhos, andamos aqui pelo simples prazer de andar, mas temos de dizer que andamos, as pessoas têm de perceber que nós não nos juntamos só para comer e beber, sim, comemos e bebemos, mas aproveitamos para fazer solidariedade. Em vez de andamos aí a dizer mal dos outros, juntamo-nos e fazemos solidariedade.

 

Ou seja, mesmo durante este tempo de pandemia, apesar das coisas estarem, aparentemente, paradas, vocês continuaram a prestar estes apoios?

Exatamente, este trabalho esteve sempre a acontecer. Todos os meses tivemos de lá meter o leite, porque quando uma menina com 10 ou 11 anos dá um par de gémeos ao mundo e não tem maminhas para lhes dar leite, aquelas crianças ou têm alguém que as ajude, ou morrem, e a Confraria da Pedra tem muito orgulho de fazer parte do Banco de Leite. E além de termos muito orgulho de o fazer, temos, também, muito orgulho de arranjar amigos para o faze. No primeiro jantar tertúlia que fizemos pós-pandemia falamos disto e uma pessoa encostou a cabeça ao meu ombro e disse “este mês, eu pago o leite para as crianças”. No mês seguinte telefonou-me a dizer que tinha outro amigo que também ia pagar. Portanto, Deus não dorme e sabe que nós estamos lá. Outro exemplo da nossa solidariedade é o José Henrique Rocha, um jovem de Espinho que foi meu colega na licenciatura, que sofre de paralisia cerebral, e a quem a Confraria da Pedra sustentou o custo do mestrado. Ele, licenciado, não teria muita possibilidade de arranjar emprego, com o mestrado sim e hoje já trabalha. Ele é totalmente dependente, tem de ter uma assistente pessoal, não fala, escreve mensagens com o nariz num teclado. Já falei com ele e já me respondeu a dizer que era com muito orgulho que seria entronizado Confrade de Honra.

 

Quais são os sonhos para a Confraria da Pedra a longo prazo?

É mesmo isto, continuar a ter este grupo unido e coeso, continuar a trazer mais um ou outro, continuar a ajudar. Outro sonho é realizar a 2ª Gala do Pedreiro. Fomos, também, desafiados pelo senhor vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, no ato de tomada de posse da Confraria dos Velhotes, a organizar uma festa grande das Confrarias em Gaia. Nomeamos um confrade que é comum a todas, o senhor César Oliveira, no sentido de ele juntar as confrarias e podermos organizar-nos no sentido de realizar esse convívio. A Confraria da Broa de Avintes é das Confrarias mais antigas deste país, fez 25, mas a seguir somos nós. Nós nascemos em 2001, em 2026 fazemos 25 anos, ou seja, daqui a quatro anos já estamos a fazer 25. Portanto, esse será, digamos, o nosso grande passo.

 

Até aos 25 anos estamos garantidos com o José Carlos Leitão na presidência?

Enquanto eu for vivo não fazemos eleições! O grupo sabe que é assim, aliás, este movimento é um pouco assim. Eu diria que o Futebol Clube do Porto tem o Pinto da Costa e a Confraria da Pedra tem o José Leitão, com as devidas diferenças, mas é um pouco isto, portanto, ainda tenho uns anos para andar. Basicamente, o que eu gostava era de, amanhã, ser reconhecido como o homem que fundou a Confraria da Pedra e que ela não acabe, que continue, isso é muito importante, embora nós percebemos que todas as instituições que não têm uma sede, têm uma dificuldade em se manter.

 

Estará aí um sonho futuro? A construção de uma sede para a Confraria da Pedra?

Não. Com o dinheiro que nós gastaríamos para ter a sede aberta, mandamos leite para São Tomé e Príncipe. É mais importante ter crianças, lá, a sobreviverem com a nossa ajuda, a lutarem para ser gente, do que estar aqui com uma sede a pagar água e luz. A sede provisória é em minha casa, e eu pago a água e a luz. Quando, agora, na Casa Betânia aparecer uma sala a dizer “Confraria da Pedra – de pobres para pobres”, com os nomes de muitos dos nossos confrades metidos num papel lá na primeira pedra, é um orgulho.

 

É, também, um sentimento de missão cumprida?

Missão a cumprir. Portanto, o nosso legado de vida é um pouco este, ir ajudando. As pessoas questionam porque é que ajudamos no Príncipe, ou porque ajudamos o José Henrique. Era mais fácil não ajudarmos ninguém, aí não eramos criticados. Se ajudamos um, porque é que ajudamos aquele? Mas se não ajudássemos nenhum, ninguém nos questionava. Agora, temos projetos que fervilham na cabeça, mas todos baseados em continuar a juntar pessoas e a direciona-las para estas ações de solidariedade. É o nosso trabalho, o nosso lema, perpetuar a memória do pedreiro, dizer aos nossos netinhos como é que, noutros tempos, se fez, por exemplo, a Torre dos Clérigos. É cultura, comer e beber também é um ato cultural. O pequeno almoço e a massada do pedreiro, que faz sempre parte da nossa ementa, são cultura gastronómica, porque eram as comidas mais baratas que os pedreiros comiam, porque ganhavam pouco, mas precisavam de refeições que lhes dessem força para trabalhar.

Mas pronto, a Confraria da Pedra é um bocado isto, um grupo de pessoas que se reúne, pessoas que são amigas e que andam nisto desde 2001, e já fizemos milhares e milhares de quilómetros. Eu já fui duas vezes a África, e se lá formos a terceira, eu espero ir, vai ser para inaugurar o nosso lar, para meter oito ou nove idosos. Também há em Gaia? Há. Também há aqui e acolá? Há. Lá não havia.

Já nem falamos sobre o que é que, tradicionalmente, aquelas famílias fazem aos idosos, que de um momento para o outro desaparecem. Lá não há idosos. As crianças lá só sobrevivem se forem perfeitas, se tiverem uma deficiência, não. É muito difícil alguém que, em África, não seja saudável sobreviver. Não passam forme, porque há muita fartura de fruta e peixe, mas têm outras necessidades. Como uma criança que eu vi lá, com 11 anos, e que já era o quarto filho que ia ter. Foi mãe aos 10, teve gémeos aos 11, e ainda com 11 a fazer 12 tinha acabado de ter outro bebé. Essa gente precisa de ajuda e, para isso, é preciso lá ir. O mundo que nós vamos deixar ficar às nossas crianças é este e somos nós que temos a oportunidade de o mudar. Como o Frei Fernando Ventura diz, e ele é uma figura de grande inspiração para mim, particularmente, mas também para a confraria, “nós podemos não acabar com a fome no mundo, mas podemos tirar alguém do mundo da fome”. Esse também é um lema da Confraria da Pedra.