“SOU UM LÍDER DE REIVINDICAÇÃO, CONSISTENTE, PERSISTENTE”

Natural da freguesia da Maia, onde estudou, viveu e reside ainda hoje, Jorge Rita é umas das personalidades mais emblemáticas da Ribeira Grande. Presidente da Associação Agrícola de S. Miguel, entre outros cargos, Jorge Rita assume-se como “um líder de reivindicação”, não ambicionando, por isso, um cargo maior na região.

Contudo, em entrevista ao AUDIÊNCIA, o distinguido já com o Troféu Personalidade do Ano pelo Jornal AUDIÊNCIA, admitiu que não descansará enquanto a agricultura e os agricultores açorianos tiverem o reconhecimento que merecem.

A imagem que as pessoas têm de si é de poder no arquipélago dos Açores.
Não vou dizer que é um exagero da sua parte, mas apenas sou presidente da Federação Agrícola dos Açores já há alguns anos e presidente da Associação Agrícola de S. Miguel, uma das maiores do país, ou mesmo a maior. Sou também vice-presidente da Confederação de Agricultores de Portugal que é a maior do país, e quando estamos conotados com essas posições, claramente que sentimos que temos poder, ainda por cima quando somos votados de forma legitima, como é o caso. É o reconhecimento do trabalho que se tem feito. E esse tipo de trabalho e de cargo está sempre identificado com o poder. Isso é evidente não posso ser um falso modesto e dizer que não sei que tenho poder, porque sei, sinto e até sei como o devo usar e quando o devo usar. Mas, se esse poder me faz bem ou me faz mal? Eu digo sempre, os poderes são efémeros e eu sou precisamente a mesma pessoa, com mais conhecimentos obviamente, com outro traquejo político, e não só, mas o meu sentimento é precisamente o mesmo de quando entrei para a Associação, sabendo que quando sair daqui, quero voltar ao que fazia, a outras coisas, mas com os amigos que deixei, que continuam a ser os mesmos, nunca abdiquei disso. Ou seja, não é por estar num cargo que deixo ou esqueço aqueles que foram sempre os meus amigos. Bem pelo contrário. E acho que isso ainda reforça mais a minha posição, senti muitas vezes a necessidade de dizer-lhes que apesar de ter um cargo que antes não tinha, que sou precisamente a mesma pessoa. Tenho amizade com os colegas da Caixa Agrícola onde trabalhei quase 20 anos, de todos aqueles com quem joguei futebol durante anos, da escola primária, da tropa. Mas tenho esse conceito de que nem todos têm estofo para estar no poder, porque o poder também corrompe, muitas vezes, as pessoas, é preciso ter muito cuidado. Utilizo sempre uma frase muito popular que é do alfinete, e até digo isso em jeito de brincadeira, que quando era pequeno, tive uma hérnia e a minha mãe todos os dias ia a casa de uma prima minha para me fazer uma ligadura com um alfinete. Ele nunca me picou, mas eu tinha medo do alfinete e não me esqueço. E costumo dizer que a minha mãe deu-me aquele alfinete para o resto da vida, que é, quando a gente incha, pica. E o poder incha as pessoas no sentido de ficarem assoberbadas porque têm o poder. E nada melhor que ter um alfinete, porque todos temos os egos e a vaidade, que é normal, e quando há euforia com esses grandes momentos é aí que uso o alfinete. Nesses dias é que é preciso o alfinete para voltarmos à terra novamente e lembrarmo-nos que somos as mesmas pessoas antes de entrarmos para os cargos de poder.

 

Tem também uma exploração agrícola na Maia…
Sim, com o meu irmão mais novo, somos sócios há 30 anos.

 

Consciente do poder e dos conhecimentos que tem, quando está a conversar com um político, ou com alguém de responsabilidade, e vê que estão a patinar ou está a tentar dar a volta, o que faz?
Como conheço a maior parte dos políticos com quem lido, sei o que cada um pensa. E eles também sabem o que eu penso. Eles sabem o que eu penso, mas nunca sabem o que eu vou dizer. Sou muito imprevisível e então a nível de discursos é impressionante, porque eu não tenho um discurso escrito. O meu discurso é sempre improvisado, é do momento, nem tão pouco penso antes o que vou dizer quando chegar a hora. Não é uma preocupação, falo no momento o que sair, se correr bem correu, se correr mal correu mal. Portanto, quando percebo que um político quer dar a volta eu chamo logo a atenção, que não vale a pena, que não é por ali, porque não vale a pena estar a enganar senão não vale a pena conversar. E utilizo esse tipo de conversa com qualquer um, seja com ministros, seja com presidentes do Governo, seja com quem for. Tentativas de me engarem quando me apercebo não passam, porque eu não deixo.

 

Sente que eles lhe têm medo?
Sinto que eles têm muito respeito.

 

É esse respeito que faz, por exemplo, com que na inauguração do Concurso Micaelense da Raça Holstein Frísia, tendo feito um discurso de improviso, o secretário regional tenha que se socorrer de um discurso escrito para não cometer incorreções, que afinal acabou por cometer?
Sim, mas mesmo assim quase todos fizeram isso, apenas o presidente do Governo é que, de vez em quando, tenta o meio improviso, mas está sempre lá suportado no documento. De qualquer forma, penso que as pessoas conhecem a minha coerência, e assustam-se muitas vezes, e acho que não têm razões para isso, porque quando convidamos as pessoas para um evento na nossa casa, apesar de podermos e devermos fazer críticas, nós não tratamos mal as pessoas. Não é o presidente do Governo Regional sofrer um ataque do presidente da Associação no dia da inauguração de um evento qualquer na Associação, ele é convidado e é uma falta de educação e falta de tato político até. Obviamente que isto também não nos inibe de dizermos o que pensamos e de demonstrar aquilo que são as nossas dificuldades, assim como de apontar as soluções para resolver as nossas dificuldades, isso eu faço. Obviamente que o discurso do político é sobejamente conhecido, que é normalmente um discurso de um político na área da agricultura quando vem fazer o discurso apresenta sempre os tais milhões. Eles adoram apresentar esses milhões que acho que é um discurso ridículo e eles sabem todos a minha opinião em relação a isso. Quanto muito, devia era apresentar-se soluções e apontar estratégias nesse tipo de discurso e não estar sempre a dizer que já gastamos tantos milhões, mais milhões, mais milhões, em que nos outros discursos por aí não se fala nos milhões e toda a gente sabe que os milhões existem para todos.

 

Sendo talvez a pessoa mais conceituada na Região Autónoma dos Açores dentro da área da agricultura, o Governo Regional socorre-se a si para estabelecer objetivos e estratégias ou não?
Todos os parceiros da agricultura passam pela Associação Agrícola de S. Miguel. É uma raridade se isso não acontece. Aliás, se não acontece, penso que eles ficam numa situação muito debilitada. A maior parte das portarias que saem, a maior parte do trabalho que sai a nível do desenvolvimento rural, dos quadros comunitários de apoio, grande parte disso é trabalhado connosco. Nesse aspeto somos ouvidos, somos escutados, damos opinião, somos consultados porque somos parceiros sociais e os parceiros sociais existem para isso, não somos um partido da oposição. O Governo quando governa bem numa área que entendemos que está bem, somos os primeiros a dizer que está muito bem, mas também se não for conforme aquilo que pensamos, vamos ser os primeiros a dizer que não está correto. Mas nesse aspeto não há qualquer tipo de problema com qualquer secretário. Uma vez ou outra sempre fazem essa experimentação, tipo distração, mas depois não lhes corre nada bem e volta tudo ao princípio, porque percebem a necessidade.

 

E vai na sequência da pergunta anterior, de ver que lhe estão a tentar dar a volta…
Sim, mas isso é muito fácil de perceber. Aliás, eu já os conheço tão bem que até pelos movimentos eu já sei o que eles pensam.

 

Nunca pensou em candidatar-se a presidente do Governo Regional?
Não. Vou ser muito sincero. Ser presidente da Associação Agrícola de S. Miguel e presidente da Federação, penso que foi o exponente máximo que eu podia idealizar na minha vida. Porque isto coaduna-se com o meu perfil, com a minha pessoa. Há uma ligação quase perfeita de um ser humano com uma instituição, com o que ele gosta de fazer. Não conseguia imaginar que tivesse tão bem adaptado à minha personalidade e ao meu gosto, eu trabalho quase 24h por dia. Todos os dias tenho de trabalhar, todos os dias tenho de estar em contacto com a Associação, não há um dia em que não esteja em contacto com a Associação. Ou seja, há aqui uma simbiose entre o Jorge Rita e a Associação Agrícola de S. Miguel muito forte e isso, obviamente, também tem a ver com a equipa que trabalha comigo, com os agricultores, tudo tem a ver com essa empatia e antipatia porque também existe, porque não há cenários em que toda a gente goste. Mas acho que o trabalho que tem sido feito é um trabalho que gosto de fazer. Portanto, nunca me passou pela cabeça ser candidato à presidência do Governo dos Açores. Já fui abordado, algumas vezes, para ser secretário da agricultura mas não aceitei, não era por aí que passava o meu objetivo. Costumo dizer que por experiência ou por conhecimento próprio de como funcionam as coisas, se fosse secretário da agricultura não era a mesma pessoa. E para não ser a mesma pessoa não vale a pena, e com a idade que já tenho não quero mudar. Reconheço e sei que tenho o conhecimento de que sou um líder de reivindicação, consistente, persistente, toda a gente reconhece isso. Passar para um Governo é passar para a parte contrária e todos aqueles que passam para a parte contrária, na minha opinião, só se têm fragilizado e perdido com isso a não ser que tenham problemas de famílias ou de vidas para resolver, isso é outra questão que até se respeita e não me meto nisso, em questão de segurança de ordenados. Mas passar da Associação Agrícola de S. Miguel, em que o PS é que está no poder, tendo sido opositor convicto do PS, e ser secretário da agricultura, não. Isso é impensável. Para o meu perfil, para a minha pessoa, para o meu carácter, isso é impensável. Fosse o melhor convite, não tinha qualquer aceitação da minha parte.

 

Até porque, neste momento, em termos de estrutura e de representação económica dos Açores, o seu posicionamento é muito mais acima que de um secretário regional.
Sim, se calhar até há pessoas que consideram isso. Quando fui abordado para essas situações os meus verdadeiros amigos aconselharam-me a não ir, que para mim era uma ofensa. Que ia deixar de ser presidente da Associação, da Federação e vice-presidente da CAP para ir para secretário regional ou outro cargo qualquer na política, que não fazia sentido. Com todo o respeito que os secretários merecem, não tem nada a ver com isso, é apenas a oposição daquilo que eu gosto de fazer neste momento, amanhã não sei o que pode acontecer mas dizer que vou mudar de presidente da Associação para secretário regional da agricultura num status quo atual de política, não.

 

Há três anos foi criado o único jornal que existe na Ribeira Grande, o AUDIÊNCIA Ribeira Grande, que faz parte de um grupo sediado em Vila Nova de Gaia, e que atribui distinções anuais dos Troféus AUDIÊNCIA, e quando chegamos aos Açores a primeira coisa foi tentar distinguir alguém que se destacasse ou fosse emblemático para os Açores. E a personalidade que encontramos foi Jorge Rita. O que sentiu quando lhe disseram isso?
É um motivo de orgulho, foi o que disse no meu discurso. Nós pensamos sempre que essas coisas não nos acontecem, mas quando nos toca a nós a emoção fala mais alto. E eu sou uma pessoa demasiado sensível nessas situações e ser distinguido Personalidade do Ano obviamente que, para mim, foi motivo de orgulho, assim como para a minha família. É um motivo de grande satisfação para todos os efeitos e faz-me repensar toda a minha vida. Quando chego a esse momento é a tal história do alfinete, repenso toda a minha vida, todo o meu passado e presente e o que tenho feito ao longo desses anos para merecer tal distinção. E qualquer distinção que me é atribuída, obviamente, fico sempre reconhecido.

 

O evento do AUDIÊNCIA aqui na ilha de S. Miguel, este ano, trouxe de Vila Nova de Gaia 300 convidados. Este intercâmbio não aguça o apetite, até porque o município de Gaia e o da Trofa, que estiveram presentes, estão disponíveis para um intercâmbio comercial e cultural, não cria nenhuma suscetibilidade de, eventualmente, vir a agarrar uma dessas situações?
Pode e deve. Até porque falou também no município da Trofa que tem um carisma muito especial na agricultura, eles têm uma feira muito interessante e sou frequentador assíduo dessa feira todos os anos. É uma das feiras mais carismáticas a nível nacional. E estou lá sempre, embora goste de passar despercebido, gosto de estar atrás a ver as coisas. Não é que me incomode estar em cima e falar, porque estou perfeitamente à vontade para falar com todos, mas a Trofa pode e deve ter alguma ligação, porque tem esse tipo de eventos como nós fazemos aqui e pode ser interessante. Assim como Vila Nova de Gaia também, penso que podemos potenciar aqui algumas sinergias no sentido de conhecermos melhor essas duas cidades.

 

Ocupado com estas tarefas e, fundamentalmente, em servir os agricultores e os Açores, o que é que gostava que, no futuro imediato ou a médio prazo, pudesse acontecer nos Açores?
Para mim, o que é penoso pensar ainda é que estamos numa região extraordinária, que é a Região Autónoma dos Açores, que tem um potencial incrível a todos os níveis, e vejo que ainda somos a região do país com mais desempregados, com maior índice de pobreza, e naquilo que produz e sabe fazer não tem a devida valorização. Portanto, ainda temos muito a fazer na região, precisamos de muito mais massa crítica nos Açores, porque é essa massa crítica que faz com que as coisas evoluam. E no caso concreto, a nível do setor da agricultura, não descanso enquanto não estivermos num patamar próximo da Suíça, com essa valorização dos nossos produtos. O que lamento é precisamente que a Suíça não tem uma produção como a nossa, tem uma imagem que vende um produto sendo associado ao verde da pastagem que eles não têm, só têm seis meses ou menos, e nós temos a pastagem todo o ano e não conseguimos valorizar o nosso produto. E isso entristece-me, mas presto a minha homenagem aos produtores dos Açores na área do setor leiteiro que são verdadeiros heróis. Porque nós não temos as condições infraestruturais que os outros têm na Europa, estamos a quilómetros de distância. Temos alguns caminhos feitos, o Governo tem investido em alguns caminhos, no fornecimento de água e eletrificação, mas ainda há muito a fazer nessas áreas. Ainda há muitas situações que precisam de ser modernizadas e atualizadas. Mas a grande questão é precisamente a falta de valorização e o que me entristece é perceber que temos os melhores produtos que existem, com uma grande aceitação no mercado, e não têm qualquer tipo de valorização. Enquanto não mudarmos a mentalidade de termos orgulho naquilo que fazemos, naquilo que somos, e naquilo que produzimos, associado ao garantir sempre a qualidade dos produtos, não damos o salto. Penso que partimos sempre por baixo e o verdadeiro açoriano nunca parte por baixo, tem de partir sempre com humildade, mas com os produtos sempre nos patamares de cima, porque produzimos numa base de qualidade, sustentavelmente em termos ambientais, e essa é que tem de ser a volta que tem de se dar. Portanto, para ficar satisfeito é preciso que o rendimento dos nossos agricultores fosse um rendimento justo, digno, para o trabalho que eles exercem no seu dia a dia. Serei o homem mais feliz do mundo no dia em que isso acontecer.