Em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, José Campos Oliveira, presidente da Sociedade Filarmónica de Crestuma desde 2005, adianta que está já em andamento todo um projeto para construir, finalmente, um auditório na freguesia que servirá como Centro de Artes. Prevendo, nas melhores das previsões, que possa estar em funcionamento dentro de dois anos e meio, o presidente da instituição que completa 104 anos de vida, destaca ainda a importância da mesma quer na comunidade em que se insere, quer em toda a região e país.
Temos aí um grande projeto em mente.
Temos de facto, a construção do Auditório que vai ser o futuro Centro de Artes, não vai ser só auditório, vai ser um espaço multifuncional para muitas atividades. Desde logo, a pré conceção que está a ser pensada do auditório é num plano elevado, portanto o chão irá ficar livre para concertos ao ar livre, parqueamento, e o subsolo para arrumos que também são necessários. O próprio espaço em si estamos com ideias de ser com cadeiras retratáveis para podermos ter uma sala só para concertos clássicos ou quatro salas a funcionarem ao mesmo tempo com diversas atividades, seja dança, teatro ou outra coisa qualquer. O auditório é o nosso principal objetivo, a Banda Filarmónica e a Orquestra de Jovens, naturalmente, e depois estamos a pensar em oficializar a Escola de Música e ter o espaço ocupado também de uma forma mais coerente, seja com o ensino integrado, seja com o ensino supletivo ou o articulado, estamos a estudar a melhor opção. Ao mesmo tempo, e logo a seguir a isso, a formação de jovens em cordas e piano. Nós somos uma filarmónica que vai ser abrangente com todos os instrumentos e não só instrumentos de sopro e percussão. Portanto, vamos alargar o leque de escolhas à nossa comunidade e à comunidade vizinha. E finalmente, um quarto objetivo será uma escola de dança também, clássica, contemporânea, tudo o que pudermos fazer para abrangermos um leque de localidades onde não existe nada. Aqui à volta não existe nada e nós podemos ocupar o espaço desde Pedroso, Gondomar ou Castelo de Paiva até aqui. Em todo este espaço não existe este leque de oferta e quanto mais depressa o fizermos melhor é. Óbvio que não temos o dinheiro para tudo, temos algum dinheiro, fomos poupando ao longo dos anos, a nossa trajetória tem sido difícil, mas boa porque chegamos ao fim do ano sempre com um valor considerável, neste momento à volta dos 10/12 mil euros por ano, o que acho que é muito bom. E não me lembro, aliás, de nenhuma instituição, nos últimos 20 anos, ter marcado a posição que a Sociedade Filarmónica de Crestuma fez. Atenção que isto não é mérito do presidente, isto é mérito da equipas e pessoas fantásticas que estiveram à frente da Filarmónica de Crestuma, nos órgãos sociais, nos músicos, os professores da Escola de Música, todos nós participamos de uma forma muito ativa e muito coerente nestes processos. E é óbvio que vamos precisar da ajuda municipal porque sem isso também não podemos e fazemos um forte apelo ao presidente da Câmara, que tem ajudado muito a instituição, seja na recuperação da casa, no monumento, no livro, na peça institucional, na aquisição de terreno, no segundo fardamento que fizemos, que ajudou a compensar algumas perdas que iriamos ter, certamente, se tivéssemos que pagar tudo, mas nós não podemos estar inativos nem podemos ser uma força parada. Tal como o rio Douro, a Banda e a Sociedade Filarmónica de Crestuma tem que fluir, tem que avançar no tempo, tem de renascer portanto todas estas ideias e pensamentos no sentido de fazer evoluir a instituição são para de uma certa forma evoluir também a nossa sociedade, o nosso tecido social, a nossa comunidade.
Onde fica o terreno?
A localização do terreno é mesmo nas traseiras da Banda e temos mil metros quadrados desde que ocupa a traseira toda da Banda. Já estamos a proceder aos estudos arquitetónicos, já falamos com arquitetos nesse sentido, já temos um ou outro esboço que ainda não me parece o ideal, mas estão desenhados. Planeamos mais ou menos o que queremos e quando tivermos o esquiço preparado então sim iremos falar com o presidente da Câmara no sentido de ele ver que, de facto, a instituição, além de ser, claramente, a melhor de Crestuma é uma das melhores de Gaia, porque nunca está satisfeita com o que tem, quer sempre um bocadinho mais e quer que avance no sentido de dar à sua comunidade e ao seu município o melhor. E acho que nesse aspeto temos tido também um acompanhamento do presidente da Câmara porque ele tem sabido querer o melhor para as nossas instituições.
Tem referido muito o presidente da Câmara, significa que é um apoio personalizado, ou seja, é um reparo indireto ao vereador da área?
Talvez. Eu não diria assim de uma forma tão concisa, não o afirmaria dessa forma porque é verdade que não temos tido muito o apoio do vereador da área…
Não conhece Crestuma?
Tem vindo aos concertos de S. José. E nós fazemos sempre questão de convidar os vereadores seja da Juventude ou da área cultural. Na verdade, temos tido alguns problemas com os protocolos das escolas, porque, se calhar, não foram tão bem tratados como deveriam ser. E chegamos até a verificar que o pelouro da cultura de Vila Nova de Gaia estava a fazer protocolos com as restantes escolas exceto com o Conservatório de Vila Nova de Gaia. E, há uns meses atrás, tive oportunidade de falar com o professor Valter Mateus que me confirmou que não havia protocolo e eu imediatamente escrevi à vereadora Paula Carvalhal que, curiosamente, no dia a seguir telefonou ao Valter Mateus a dizer que a situação ia ser regularizada. Entretanto, nesse processo, e obviamente como o Conservatório não estava a receber, foi pressionando os pais para pagarem o que era devido e alguns alunos acabaram por desistir do Conservatório. Nós não vivemos numa comunidade rica, a comunidade de Crestuma, é modesta, por isso é que tínhamos os protocolos com o município, no sentido de garantir que eles podiam ter as melhores oportunidades de ensino. E isso não aconteceu, e acho que a grande responsabilidade é do pelouro da cultura. Além disso, também nunca tivemos muito acompanhamento em relação às outras coisas, e privilegiamos sempre o contacto com o presidente da Câmara porque, de facto, foi sempre a voz ativa em todos os processos com a Sociedade Filarmónica de Crestuma.
Relativamente a este projeto, ele resulta de um fervilhar da instituição, ou seja, estamos perante uma instituição que está a ferver, no bom sentido, por dentro, da criatividade, do querer evoluir, derrubar barreiras, servir a comunidade cada vez mais e dar à comunidade o que ela precisa?
Sim, a Sociedade Filarmónica de Crestuma é, de facto, uma instituição de arte e de cultura. E é isso que devemos privilegiar, naturalmente, com o evoluir do tempo, se a instituição não se modernizar acaba por acontecer o que aconteceu às fábricas em Crestuma, acabam no tempo. E por muito que saudemos as palavras do Eugénio Paiva Freixe “enquanto houver estas fitas, Crestuma não morre mais”, a verdade é que temos de continuar a fazer fitas, as mesmas fitas que começamos em 2005, temos que as ter em 2050 ou 2055. Se não construirmos estas fitas, outras ocuparão o nosso lugar. E é por isso que não podemos parar, temos de evoluir sempre.
Vêm aí eleições autárquicas, e Crestuma volta a ter autonomia administrativa em termos de Junta de Freguesia. Na sua opinião, isso é bom para Crestuma?
A minha opinião pessoal é que é excelente. Já devia ter acontecido há mais tempo. Aliás, as freguesias nunca deviam ter agregado. Por muito que queiramos, não há proximidade entre Crestuma e Sandim, ou Crestuma e Olival ou Lever, porque somos comunidades diferentes e os casamentos destas comunidades são dispares, não se confundem. E acho que é bom porque a rivalidade quando é sã também produz resultados, e bons resultados. A rivalidade quando é saudável e quando queremos alcançar objetivos no sentido de sermos melhores que os outros não quer dizer que somos inimigos, quer dizer apenas que estamos a tentar ser melhores que nós próprios e que temos de ter capacidade e inteligência de saber levar uma comunidade para além do seu limite.
O que sugere ao próximo presidente, homem ou mulher, que faça com a cultura em Crestuma?
O que sugeriria é que primeiro se sentasse sozinho a pensar o que é a comunidade de Crestuma, em segundo lugar, o que nos trouxe até aqui que foram as fábricas de tecelagem e fundição e a seguir o que nos trouxe a partir daí. E atrevia-me a dizer que a melhor concentração de atividade de Crestuma foi através da arte, da música que se espalhou por Portugal e pelo mundo inteiro. Temos músicos em todo o mundo, a Banda de Crestuma ajudou a criar músicos que estão em quase todas as orquestras, variadíssimos maestros de bandas filarmónicas, bandas militares, bandas civis… portanto, este fervilhar da atividade, que começou em 1921, e que até teve maestros de grande nome, ministros da educação por exemplo, o primeiro ministro da pasta da educação de Portugal foi maestro da Banda de Crestuma, António Joaquim Sousa Júnior. Nasceu na Praia da Vitória, nos Açores, licenciou-se no Porto em medicina e foi um dos principais médicos do Hospital de S. João, tendo também vários livros publicados. E soubemos disto porque na história da Banda, desde 1921, os nomes estão lá, nós apenas não os conhecíamos, mas depois de uma procura que durou quase 12 anos, conseguimos encontrá-lo por uma coincidência muito simples, ele deixou uma marcha à Banda de Crestuma onde assinou com o nome dele e escreveu “Dedico esta marcha à Banda de Crestuma mas que só pode ser tocada em palco”, portanto, não era para ser tocada na rua. E viemos a saber que um dos andamentos dessa marcha é exatamente igual a uma canção que ele escreveu para piano em 1925, que se chama “A Chama da Vitória”. Além desses, todos os outros estavam reconhecidos, como o meu avô, o meu tio Joaquim Costa, e todos os outros que vieram depois dele até à Joana. Toda essa história está perfeitamente escrita. Portanto, quando digo que a Sociedade Filarmónica de Crestuma tem sido uma exportadora de matéria prima de grande qualidade, é a grande verdade desde a extinção das fábricas. O próximo presidente de Junta tem de ter muita atenção de que de facto somos uma aldeia de artistas. E esse princípio deve ser assegurado e respeitado.
Neste momento, quantos elementos tem a Filarmónica no ativo?
A Filarmónica conta com 61 elementos, mas já estão a ser preparados novos, e claramente vai aumentar. No próximo concerto de S. José, que vai fazer 50 anos para o ano, vão são apresentados os novos músicos que saem da Escolinha de Música e prevemos que entrem 7 ou 8, portanto, o leque de músicos vai aumentar. Mas também não podemos ter uma banda muito grande em termos de elementos porque isso também traz custos acrescidos, por exemplo, é quase impossível para uma banda com a nossa estrutura levar dois autocarros para uma festa, porque as comissões de festas não pagam dois autocarros. Podíamos dividir a banda, e na Páscoa acontece isso na zona de Vila Verde, Famalicão, mas nós não fazemos. Ou a banda vai toda, ou não vai ninguém. Somos uma Banda Filarmónica, somos um grupo de pessoas, um conjunto musical de pessoas que faz ensaios coletivos com esse princípio, portanto, não vamos dividir uma banda. A Banda Filarmónica tem de funcionar como uma só.
Mas, em tempos, havia uma subdivisão, havia uma Orquestra Ligeira…
Uma Orquestra de Jovens, que agora é dirigida pelo Francisco Ribeiro que é um dos grandes compositores nacionais neste momento, tem ganho prémios por tudo quanto é sítio, aliás, ganhou o 1º prémio de composição na Banda Sinfónica, o 1º prémio da GNR, estão a ser muito requisitadas as obras dele por todo o lado, e fez agora um medley para a banda de Crestuma, que se chama o “o Rock dos anos 80”, e que está a fazer um excelente trabalho junto da Orquestra de Jovens. Há de facto essa subdivisão porque a Orquestra de Jovens foi pensada para servir de ponte entre a Escola de Música e a Banda. Na Escola de Música, os meninos começam por aprender solfejo, o instrumento e começam a aprender a tocar em conjunto. A partir daí, começam a integrar a Orquestra de Jovens, isto é uma preparação para os habituar ao público, para tocarem em conjunto, para se ouvirem uns aos outros, e só depois então é que entram para a Banda. É este o princípio da Sociedade Filarmónica de Crestuma e acho que até na generalidade das bandas é assim.
E na formação, quantos elementos existem?
Na formação, neste momento, temos 42 meninos, durante todas as semanas, exceto no período normal de férias escolares que respeitamos.
Vamos terminar como começamos, com o Auditório. Qual é a sua visão mais otimista para ter o auditório pronto para a sociedade crestumense e alargada a toda a redondeza?
Se fosse ontem já era bom. Como só estamos agora a começar, apontaria para dois anos e meio ter o projeto e a obra concluídos e estar em pleno funcionamento. Essa era a grande prenda que eu podia ter na minha vida e era a grande prenda que a instituição podia ter porque, a partir daí, alavancam-se outros projetos.