A comemoração do 10.º aniversário de inauguração do Museu Casa do Arcano aconteceu naquele lugar, a 9 de setembro. Uma sessão solene presidida pelo vereador da Cultura, Juventude e Desporto, Filipe Jorge, que contou com a presença da Diretora Regional da Cultura, Susana Goulart Costa e de Mário Sousa, historiador ribeiragrandense.
Após muitos esforços de vários colaboradores e impulsionadores, foi finalmente inaugurado, a 7 de setembro de 1999, o Museu Casa do Arcano – Madre Margarida do Apocalipse, no centro da Ribeira Grande.
Para marcar esta data especial para todos os ribeiragrandenses, o AUDIÊNCIA contou com a colaboração de Mário Moura para melhor perceber a história não só do Museu, mas também da Madre Margarida do Apocalipse.
Assim, esta edição contém diversos testemunhos: Filipe Carneiro, arquiteto de museografia, José Manuel Fernandes, arquiteto do Museu do Arcano, Paulo Brasil, técnico de conservação e restauro, mas também de Ricardo Silva e António Pedro Costa (antigos autarcas ribeiragrandenses) e de Alexandre Gaudêncio (atual presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande), além de uma entrevista alargada àquele que é considerado o principal impulsionador do Museu Casa do Arcano, Mário Moura, e de um texto explicativo por ele redigido.
De forma a assinalar os 10 anos de existência deste museu, foi ainda lançado um selo alusivo à efemérida, foi criada uma pagela e inaugurada uma exposição que apresenta vários momentos daquela que foi a primeira década de vida da Casa do Arcano.
José Manuel Fernandes, arquiteto do Museu do Arcano
“Conheci o Dr. Mário Moura, responsável na área cultural da Câmara Municipal da Ribeira Grande, na década de 1980, após começar vários estudos sobre a arquitectura popular e o urbanismo histórico do Açores, nomeadamente em São Miguel.
No desenvolvimento desses meus estudos, tive oportunidade de ser por ele contactado, no sentido de trocar impressões e de debater as diversas dimensões do valioso património histórico, arquitectónico e vernáculo do concelho ribeiragrandense. Sempre me cativou em Mário Moura a patente curiosidade e sede de saber, a motivação pessoal e profissional, a vontade de trabalhar e de «construir investigação» à roda desses então inovadores e pioneiros temas – que se vieram a revelar tão importantes na consciência e identidade cultural açórica, e da ilha de São Miguel.
Nos anos 90, Mário Moura começou a aprofundar (entre várias publicações que produziu) a preparação da informação, do enquadramento teórico e metodológico e da proposta para o futuro da preciosa peça do Arcano Místico da Ribeira Grande. Prevendo não apenas o essencial e qualificado restauro desta peça, mas também a recuperação da futura Casa do Arcano, antiga habitação da autora do Arcano, Madre Margarida do Apocalipse – integrando estas várias dimensões numa visão activa e renovadora da relação da comunidade da cidade e do concelho com a sua Cultura e o seu Património.
Neste quadro insere-se o seu texto «Conversas com o arquiteto» (2000), onde a partir dos debates que comigo estabeleceu (entre outros), compôs os elementos de intervenção necessários para organizar toda a futura acção cultural neste projecto. Foi aqui essencial a sua sensibilização das entidades da Igreja (Bispo, Pároco e Comissões Fabriqueiras), bem como do Governo Regional, para a compra efetiva da futura Casa do Arcano.
Com a informada visão do novo executivo municipal, a partir de 2003-2004, sendo presidente o Dr. Ricardo Silva, foi-lhe possível promover finalmente o projecto de recuperação arquitectónica da dita Casa do Arcano, para o que me convidou pessoalmente, ainda durante o executivo anterior; o qual projecto, realizado com os colegas que convidei para o efeito, Maria de Lurdes Janeiro e Carlos Almeida Marques, deu azo à obra profunda de reconstrução que foi inaugurada em 2009.
Na mesma ocasião, todo um processo cultural envolvente, centrado no «Arcano», foi galvanizado pelo Dr. Mário Moura, no quadro e com entendimento pleno da actuação municipal: o projecto museológico de instalação da Casa do Arcano; o competente restauro da peça do Arcano (antes do seu transporte para a Casa); a classificação como «Tesouro Regional» do Arcano, primeira, e justissimamente atribuída a ocorrer nos Açores; e a publicação de uma série de livros, textos, opúsculos de divulgação desta nova unidade cultural.
Teve neste quadro bibliográfico especial significado a proposta feita por Mário Moura em 2006 e aprovada pela vereação, da criação da revista A PONTE, destinada a trabalhos científicos e que prossegue hoje, no seu n.4, dentro da linha fundadora.
A este processo me associei de resto, elaborando o livro «Ribeira Grande e o seu Concelho – aspectos de arquitetura e de urbanismo», com Ana Janeiro, para a Câmara Municipal da Ribeira Grande (2010).
Foi corolário deste longo, cuidado e estruturado processo, a atribuição em 2013 do Prémio Vilalva pela Fundação Calouste Gulbenkian, ao trabalho de restauro do Arcano, no quadro da recuperação arquitectónica da Casa do Arcano e do correspondente projeto museológico.
Mas o Dr. Mário Moura, em percurso coerente, pessoal e profissional, prosseguiu e prossegue, após este bom sucesso, desenvolvendo outros e novos projectos de investigação, sempre com impacte público e forte efeito na comunidade onde nasceu, trabalha e vive.”
Filipe Carneiro, arquiteto de museografia
“Desde o início do desenvolvimento do trabalho que se tornou claro que o programa museológico teria de ser desenvolvido em estreita colaboração com a comissão científica designada para este projeto, representada por Mário Moura, pessoa com diversos estudos e publicações desenvolvidos sobre a temática e que nos disponibilizou informação extensa de enquadramento e contextualização. De destacar neste projeto o facto do programa científico nos ter sido fornecido desde o início, permitindo que o Coordenador Científico Mário Moura, tivesse disponibilidade para garantir o acompanhamento necessário, de integração na temática, à equipa de desenvolvimento do projeto museográfico.
O resultado final obtido, e premiado a nível nacional, só foi possível graças à dedicação e colaboração de toda a equipa.”
Paulo Brasil, técnico de conservação e restauro
“Fui convidado (entre outros) pelo Dr. Mário Moura a realizar um levantamento do estado de conservação da respetiva proposta de tratamento para a obra «Arcano Místico» de Madre Margarida do Apocalipse. Após análise das diversas propostas fui o selecionado, escolha que muito me honra e desde aí iniciei o meu trabalho com parceria com o Dr. Mário Moura.
Desde o início da
intervenção de conservação e restauro, o Dr. Mário Moura
acompanhou as operações, assim como as visitas guiadas a Entidades Públicas e Comunicação
Social com descrição do tratamento em curso, assim como aspetos técnicos referentes
ao «Arcano Místico». De entre as inúmeras visitas há a salientar as do Presidente
do Governo Regional acompanhado de Craig de Mello e Dr. Ricardo Silva, bem como
Deputados da Assembleia Regional. Cumpre-me referir a parceria continuada do
Dr. Mário Moura na colaboração com a equipa (Eurico Miguel Costa e Hugo
Moreira) de produção de audiovisual, que executou a documentação em vídeo e
fotografia da intervenção desde o início até à sua colocação na Casa do Arcano.
Ainda a sua colaboração com José França (IRIS) na realização de um vídeo referente à execução da obra do «Arcano Místico» por parte da Madre Margarida do Apocalipse, além da sua colaboração com as equipas envolvidas na obra da Casa do Arcano, nomeadamente, empreiteiro da obra. engenheiros e arquitetos da C.M.RG (Eng.ª Carla Medeiros. Arq.ª Catarina Vieira), empresa de fiscalização, engenheiros de climatização da Casa do Arcano, com a participação em algumas reuniões e partilha de informações relevantes. Após a intervenção nos quadros ou representações, o Dr. Mário Moura acompanhou a desmontagem do móvel, transporte da Matriz para a Casa do Arcano e sua montagem, bem como o transporte dos quadros e sua recolocação no móvel. Após estas operações procedeu-se à recolocação das portas e fecho da obra na presença de diversos membros da Câmara: o presidente. Dr. Ricardo Silva e o Dr. Mário Moura. A Câmara Municipal da Ribeira Grande e. em particular ao Dr. Mário Moura, o meu agradecimento pela oportunidade de ter trabalhado cm tão importante bem cultural, o «Arcano Místico».”
Alexandre Gaudêncio, presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande (desde 2013)
“É com enorme gáudio que se iniciam as comemorações dos 10 anos de abertura do Museu Casa do Arcano.
O «Arcano Místico», como é conhecido entre os Ribeiragrandenses, obra-prima da arte popular, mas considerada por muitos como um trabalho de arte erudita, pensada e moldada pelas mãos da freira clarissa Madre Margarida Isabel do Apocalipse, durante a primeira metade do século XIX.
Este conjunto escultórico pela sua singularidade, riqueza artística e delicadeza foi classificado, pela Assembleia Legislativa Regional, a 3 de junho de 2009 como Tesouro Regional, o primeiro da Região, pelo que é nossa responsabilidade continuar a trabalhar para criar todas as condições para que o Arcano Místico continue a ser motivo de inspiração e um espaço de acolhimento dos nossos artistas.
Este projeto venceu o Prémio Vilalva 2012 atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian, pelo projeto museográfico de restauro e conservação.
O Museu Casa Arcano continuará, certamente, aberto por muitas e muitas décadas para que todos, população local e visitantes de todo o mundo, possam usufruir da sua grandiosidade.”
António Pedro Costa, antigo presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande (1993 a 2005)
No meu tempo de adolescência, olhava com alguma displicência para o Arcano, um “presépio” que estava lá em cima no coro alto da Matriz, com figurinhas desordenadas e singelas, que se encontravam num enorme armário, muitas delas quase desmoronadas.
Verdadeiramente, só enxerguei o valor do Arcano Místico, criado no século XIX pela Madre Margarida do Apocalipse, freira do antigo Mosteiro de Jesus, quando fui vereador da Câmara Municipal da Ribeira Grande, graças às informações que colhi junto denodado entusiasta da sua preservação, o Dr. Mário Moura, que me habilitaram a pesquisar sobre aquela joia, que se encontrava num estádio de quase degradação, pelo que entendi que havia de se pôr mão no ‘dossier’ do Arcano.
Hoje em dia, olho para aquelas milhares de pequenas figuras moldadas, na sua quase totalidade numa massa à base de farinha de arroz e de trigo, goma-arábica, gelatina animal e vidro moído, num conjunto escultórico religioso, de tão bela tradição conventual, com deleite e pasmo, pela sua grandeza e por imaginar com assombro como se constituiu o segredo de Madre Margarida do Apocalipse.
Trata-se de facto de um tesouro que foi, e muito bem, considerado pelo Governo Regional dos Açores, como peça de ativíssimo valor cultural e artístico. Felizmente, a Câmara Municipal da Ribeira Grande assinou um protocolo de cooperação com a Confraria do Santíssimo Sacramento da Matriz, proprietária da peça, por doação testamentária de Madre Margarida do Apocalipse e assumiu a sua preservação.
O Museu Casa do Arcano foi inaugurado há 10 anos e por minha parte, enquanto exerci funções autárquicas na Câmara Municipal da Ribeira Grande, procurei avançar com o projeto de recuperação, tendo-se designadamente adquirido a moradia onde a hábil freira Margarida do Apocalipse viveu e o confecionou, a fim de ali se criar um espaço museológico para se dar a conhecer publicamente todas aquelas peças, representando cenograficamente os Mistérios mais importantes do Antigo e Novo Testamento.
Após um meticuloso trabalho de recuperação e conservação, levado a cabo por uma equipa de conservadores de Angra do Heroísmo, o Arcano Místico foi, finalmente, transferido do coro alto da Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Estrela para a Casa-Museu do Arcano.
A Ribeira Grande cumpriu, assim, o desejo de Madre Margaria do Apocalipse, um encargo de devolver ao público aquele tesouro açoriano, que muito engrandece e enaltece esta cidade e o Concelho.
A vida e a obra de Madre Margarida do Apocalipse mostradas na Casa-Museu do Arcano são um verdadeiro testemunho do valor daquele acervo artístico, um inestimável ícone cultural que tanto enriquece a Ribeira Grande e os Açores.
Ricardo Silva, antigo presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande (2005 a 2013)
Passados 10 anos sobre a inauguração da Casa do Arcano, ocorrem-me apenas duas palavras que foram as bases da sua concretização: Coração e Razão. Emotiva e afetivamente já não era mais possível, como cidadão ribeiragrandense dotado de alguma consciência crítica, pactuar com o estado de desleixo e degradação lenta, corrosiva, em que o Arcano vivia desde a morte da Madre Margarida Isabel. Ultrapassava-se já mais de um século e algumas décadas em que o Arcano, como o filho pródigo, desejava voltar à sua casa natal. As promessas e as vontades por razões várias foram desvanecendo-se com as múltiplas dificuldades, existindo perene a vontade coletiva do mesmo voltar à sua casa devidamente recuperado e restaurado. Pela proteção de poucos homens e de algumas instituições, onde se inclui a Igreja e a Confraria do Santíssimo Sacramento, só faltava chegar o Apocalipse, para que Casa e o Arcano fossem pó de que se faz o esquecimento. Muitas destas preocupações estão registadas no livro de visitas da Casa do Arcano, avultando algumas, como é o caso do da poetisa Natália Correia, que é um grito de apelo à tarefa de preservar e que muito me sensibilizou.
Contudo, tais proteções foram com o tempo generosas e fulcrais para a boa recuperação futura. Profissionalmente ligado à História, por dela ser professor, e ao Património por reconhecimento do seu papel sociocultural identitário, como deixar passar a oportunidade de à frente de uma autarquia não intervir em tal problema?
A resposta foi trabalhar em várias frentes para a alteração da situação logo após a minha eleição em 2005! Junto do Governo Regional pugnamos para a classificação do Arcano como Tesouro Regional, facto que ocorreu em 12 de maio com a publicação do Decreto Legislativo Regional n.º 9/2009/A; fez-se o protocolo de cooperação com Confraria do Santíssimo Sacramento e lançaram-se imediatamente os concursos para o projeto de arquitetura da Casa (arquiteto Filipe Carneiro) e de Conservação, Restauro e Tratamento do Arcano ganho pelo açoriano Paulo Brasil, de modo a que a 30 de março de 2008 estávamos a adjudicar a empreitada da Casa do Arcano por 441 690, 83 euros à empresa Caetano e Medeiros Lda. Consciente da importância da obra, recuperar uma casa e um objeto de valor inestimável, para deles fazer uma instituição museológica conjunta que orgulhasse o seu passado, a sua criadora e a terra que a vi nascer, implicaram denodo e arrojo para que, volvidos 18 meses, se fizesse a inauguração.
Simultaneamente lutou-se com a Divisão Cultural da autarquia para que a Ribeira Grande fizesse parte da Rede Portuguesa de Museus, facto que se verificou em 2011 e para o qual concorreu o conjunto de valências culturais que tínhamos e em que se destacava a Casa do Arcano!
De todo este esforço, entre outros de âmbito cultural que se fizeram, só posso dizer que sinto que se fez o que se devia ter feito por respeito ao trabalho e à memória de uma verdadeira artista. Não fiquei imune à arte de madre Margarida Isabel do Apocalipse, e sei que o meu contributo foi insignificante par a sua obra, mas também sei que tive um gosto enorme que o meu coração evidenciasse a sua obra!
Hoje, também posso afirmar que todos os ribeiragrandenses queriam que se fizesse o que se fez pela maravilha criativa que é o espírito humano, neste caso, o de Madre Margarida do Apocalipse.