VILANCETES PARA ESTE NATAL

O último Natal na minha cidade, Concepción, não se realizou. O Golpe de estado de setembro de 1973 interrompeu todas as festividades, não apenas as minhas, senão a de muitos compatriotas atingidos pela dictadura. Lembro com muita emoção as nossas idas à Quinta Junge (um horto próximo) para a compra do pinheiro de Natal, que era como se costumava designar um pinheiro alemão, de agulhas pequenas e macias, que quando secavam se transformavam em verdadeiros espetos. Guardávamos os enfeites numa mala que durante um ano permanecia esquecida num armário até o Natal seguinte. Flocos de algodão, luzes em serpentina, grinaldas brilhantes, figurinhas de madeira ou vidro quebradiças. O Natal era para mim e para os meus irmãos muitas coisas; os presentes, o decorar da árvore, o presépio na base do pinheiro, o encontro com os amigos e familiares na noite de Natal, jogos e surpresas. Não muito diferente das celebrações em Portugal.

No calor estival da celebração, sempre nos pareceu um absurdo até ridículo, enfeitar a árvore com flocos fingidos de neve, e ver nas lojas ou nas ruas o Pai Natal vestido ao rigor da Coca Cola, muito distante do São Nicolau, o bispo nascido em Mira/Anatólia.

O Natal seguinte em 1974, foi em Alemanha, no rigor do inverno com neve a sério e profundamente marcado pelo luto da minha avó que nos deixou pouco dias antes em dezembro. Nunca mais voltei a ter um Natal como antes. A partir desse momento cumpre-se a data com o rigor ritualista e silencioso de uma celebração de luz para afastar as sombras do perdido.

Entre as tradições, gostávamos de escutar na noite de Natal os vilancetes tradicionais chilenos do nosso culto popular. Vilancetes (Villancicos para mim) que não se afastavam das suas origens da península ibérica e, que em breves versos e em rimas quase inocentes, nos recriavam cada ano o espírito natalício, herança fabulosa que celebra nas suas letras e músicas o início do cristianismo.

Deixo ficar aqui alguns vilancetes para a celebração deste ano, em memória de todos aqueles que partiram e que não poderão assistir ao festim de luz deste dezembro.

 

Entonces Me Voy Volando

Violeta Parra (*)

Este mantelito blanco
Que lo bordó mi amá
A la virgen se lo llevo
La noche de navidad,
Me iré saltando barranca
Que estoy de felicidad.

A Belén pastores debemos marchar,
que el Rey de los reyes ha nacido ya (bis)

Vamos pastorcitos, que el Rey celestial,
tiene por morada humilde portal.

A Belén pastores debemos marchar,
que el Rey de los reyes ha nacido ya (bis)

La Virgen bendita mimándolo está,
de rodillas todos vámosle a adorar.

A las doce de la noche,
todos los gallos cantaron,
y en su canto anunciaron,
que el Niño Jesús nació.

Ay sí, ay no,
al Niño lo quiero yo.
Ay sí, ay no,
al Niño lo quiero yo.

Señora doña María,
aquí le traigo unas peras,
aunque no están muy maduras,
cocidas están muy buenas.

Ay sí, ay no,
al Niño lo quiero yo.

 

En el portal de Belén,
hacen lumbre los pastores,
para calentar al Niño,
que ha nacido entre las flores.

 

Vilancete – Gil Vicente

Adorai, montanhas,
o Deus das alturas,
também das verduras.

Adorai, desertos
e serras floridas,
o Deus dos secretos,
o Senhor das vidas.
Ribeiras crescidas
louvai nas alturas
o Deus das criaturas.

Louvai arvoredos
de fruto prezado,
digam os penedos:
Deus seja louvado!
E louve meu gado,
nestas verduras,
o Deus das alturas.

O VILANCETE – É um tipo especial de glosa (composição poética que desenvolve um mote), a qual consiste num desdobramento de um mote em tantas estrofes (voltas) quantos são os versos do mote. No vilancete o mote é um terceto, em que rimam o segundo e o terceiro versos; as voltas são duas e repetem esses versos:

https://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/3664467

Forma poética comum na Península Ibérica, na época da Renascença[1]. Os vilancetes podiam também ser adaptados para música: muitos compositores ibéricos dos séculos XV e XVI, como Juan del Encina ou o português Pedro de Escobar compuseram vilancetes musicais. Em Portugal vilancete aparece pela primeira vez no Cancioneiro Geral, antologia poética de Garcia de Resende (1516) – Boas Festas ! Roberto Merino