Jessica Ferreira fundou, em 2007, o projeto social e pedagógico “A Minha Escolinha de Ballet”, com o intuito de oferecer às crianças e jovens da Ribeira Grande, a oportunidade de entrarem em contacto com o mundo da dança clássica e contemporânea, de forma gratuita ou meramente contributiva.
Defina-me “A Minha Escolinha de Ballet”.
A minha Escolinha de Ballet é uma organização sem fins lucrativos cuja criação respondeu ao objetivo de oferecer às crianças da Ribeira Grande a oportunidade de contactarem com o mundo da dança (clássica e contemporânea) e a possibilidade de frequentarem aulas, a título gratuito ou mediante uma contribuição possível. Foi a forma que encontrei de partilhar com as crianças, um gosto que sempre me acompanhou, sabendo que a dança, tal como outras atividades desportivas e artísticas, contribui de forma muito positiva para o desenvolvimento das crianças e dos jovens. Neste sentido, podemos dizer que a Escolinha de Ballet procura definir-se como um espaço aberto às crianças e aos jovens que procuram uma alternativa divertida, saudável e artística como complemento de outras atividades que possam preencher o tempo livre de que dispõem.
Este projeto é, então, uma aposta da Jessica em prol da Ribeira Grande e dos ribeiragrandenses?
Todos podemos, na nossa qualidade de cidadãos e, neste caso, de residente na cidade da Ribeira Grande, prestar o nosso contributo e a nossa homenagem à cidade que nos acolhe. Sempre me senti muito bem na Ribeira Grande. É a minha cidade! E como tal, procurei dentro das minhas possibilidades, encontrar uma atividade da qual gostasse muito (pois acredito que a longevidade dos projetos depende, em larga medida, da paixão que nutrimos pelo que fazemos) e de, através desta, poder oferecer o meu contributo às crianças e aos jovens desta cidade, uma vez que, particularmente, no que respeita ao ensino da dança, dispúnhamos de poucas alternativas para os que não podem deslocar-se a Ponta Delgada e os que podem, não têm como pagar as aulas em escolas privadas. Mais do que ensinar a dançar, partilho o meu gosto pela dança e pela música e ofereço um espaço em que é possível ver desenvolvidas as capacidades criativas e artísticas de cada criança e jovem. Sempre que possível, completo os ensinamentos do ano com Workshops de dança e cursos de verão para que os alunos possam melhorar o seu desempenho e conhecer novas formas de dançar e de exprimir o seu talento.
Com que apoios conta para manter esta escola?
O nosso mecenas tem sido a Fábrica de Licores “Mulher de Capote”, pois é esta a empresa que garante a continuidade do nosso projeto. Sem o seu contributo, não teria sido possível sobreviver e investir ao longo dos anos. Pontualmente, e especialmente nos últimos dois anos, tenho contado com o apoio da autarquia, através do pelouro da Cultura da Câmara Municipal da Ribeira Grande, cujo contributo tem sido importante, na medida em que tem permitido oferecer às alunas, a possibilidade de frequentarem cursos de dança complementares, que têm um papel extremamente relevante no progresso da sua aprendizagem.
O espetáculo no Teatro Ribeiragrandense teve magia. Notória a cumplicidade entre a Jessica e todos aqueles que pisaram o palco e na plateia incansáveis no aplauso. Isto preenche-a?
A cumplicidade que se expressa, antes, durante e depois de um espetáculo é o resultado mais compensador. Partilhamos, todos, as angústias da fase de preparação, o nervosismo natural que acontece nas vésperas deste recital, e por fim, sabemos todos, tanto os que estão em palco, como os pais e amigos que assistem na plateia, que um espetáculo de final de ano resume o trabalho de um ano letivo inteiro. No final do nosso trabalho, que termina quando a última coreografia é apresentada, percebemos e sentimos que os nossos espectadores viveram o momento connosco e apreciaram o que fizemos, por isso somos recompensados da forma mais gratificante.
Ribeira Grande é deficitária em projetos como este? A aposta do poder local, na generalidade, deveria ter este tipo de preocupações como essenciais a uma sociedade mais sadia e feliz?
Sim, seria ideal se a autarquia assegurasse a manutenção do ensino das artes e do desporto. Penso, efetivamente, que educaríamos os cidadãos do futuro de forma mais equilibrada e sadia. Não sendo possível, são os privados que, através da sua meritória ação, vão suprindo o desidrato. Não é o ideal, pois depende do contexto empresarial de cada momento. Felizmente, tem sido possível manter este projeto a funcionar. Porém, tal como o ensino básico e secundário, o ensino das artes deveria ser definido como uma prioridade a assegurar pelo estado. Caso contrário, a sua longevidade e consistência estará sempre dependente da boa vontade de entidades terceiras. No nosso caso, temos tido a sorte de poder manter esta iniciativa. Mas se me perguntar se esta é a situação ideal, do ponto de vista do desenvolvimento das nossas sociedades, acredito que há muito mais a fazer para que a dança, entre outras artes, possa ser muito mais acessível e experimentada por todos.
Sendo natural de Providence (USA), embora de uma família genuinamente portuguesa dos Açores e da Ribeira Grande, como se consegue manter aqui e desenvolver, quer no campo empresarial, quer no campo cultural tamanho trabalho tão meritório?
Talvez por isso mesmo! Porque cresci no seio de uma família que me ensinou a nunca baixar os braços e que me transmitiu os valores da solidariedade e da generosidade. De facto, os meus pais são originários da Ribeira Grande, mas, numa dada altura das suas vidas, tiveram de procurar adaptar-se a outras paragens. Tal como outros imigrantes, eles trabalharam muito, aprenderam e transmitiram muito e acho que eu sou o resultado deste percurso. Tive a sorte de usufruir de uma vida melhor, graças ao caminho que os meus pais percorreram e, de certa forma, gosto de procurar formas de retribuir parte do que a vida me proporcionou. Enquanto eu puder vou ajudar e vou contribuir, aliás vou continuar a fazer tudo o que estiver ao meu alcance, para que outros possam usufruir de momentos mais felizes.
Sei que é dotada de uma bondade sublime e qualidades artísticas e profissionais que a elevam a um patamar onde o sonho não tem limites. Pode-nos desvendar algum dos seus sonhos?
Há uma parte da nossa generosidade que nos realiza também. Ser generoso não significa dar sem receber. A bondade, a simpatia e o reconhecimento chegam-me de todas as formas e eu sinto-me plenamente recompensada. Eu dou e recebo em troca. Pode não ser na mesma moeda, mas nunca deixo de receber, seja em forma de afeto, de agradecimento ou de elogio. A fasquia dos meus sonhos é sempre mais alta, a cada ano e renova-se permanentemente. Se eu conseguir cumprir metade do que eu sonho para mim e para os outros, já serei uma mulher muito feliz. No que toca ao meu projeto “A Minha Escolinha de Ballet” gostava de continuar a ver as minhas alunas a progredirem e de poder proporcionar às que querem, porventura, seguir uma carreira artística, as condições essenciais para que possam prosseguir os seus sonhos. Quanto às realizações profissionais e artísticas, faço sempre o melhor que sei e, por vezes, o melhor que posso, tendo em conta as circunstâncias em que se apresentam. Nem sempre consigo fazer com a excelência que ambiciono, mas procuro identificar os pontos em que falho para tentar melhorá-los, numa próxima oportunidade. É uma caminhada longa e constante, sem um fim à vista.
Que mensagem gostaria de deixar aos jovens que frequentam a sua escolinha e à comunidade ribeiragrandense daqui e da diáspora?
Aos jovens que frequentam a Minha Escolinha de Ballet gostava de reforçar uma ideia que vai fazer com que eles nunca deixem de progredir: a dança é uma disciplina muito exigente que requer muita dedicação e trabalho árduo. Aproveitem, pois, todas as oportunidades de aprendizagem e de contacto com os diversos profissionais e com as pessoas que partilham esta paixão. Todos os momentos podem proporcionar ótimas hipóteses de desenvolvimento artístico e pessoal. É importante perceber e não deixar escapar, pois são uma dádiva. À comunidade ribeiragrandense e em particular aos encarregados de educação tenho que agradecer a confiança depositada e o espírito de cooperação desde sempre demonstrado. Foram e continuam a ser incansáveis. Estão onde é preciso estar. Sempre! À Diáspora, gente da minha gente, tenho que agradecer, hoje e sempre, os ensinamentos que me deixaram ao longo da minha meninice e adolescência. Os bons exemplos que transmitiram e que fizeram de mim a mulher que sempre quis ser e que gosto de ser!