“SOU UM APAIXONADO PELA MÚSICA, MAS TAMBÉM PELA SUA MITOLOGIA E PELO SEU IMPACTO SOCIOCULTURAL”

Com mais de 25 anos de carreira, os Moonspell lançaram um livro de autoria de Ricardo Amorim, onde contam, pela primeira vez, a história da banda.

Em conversa com o AUDIÊNCIA, o escritor fala sobre o convite feito pelo os Moonspell, o processo de escrita, o rock, em Portugal, e da música.

 

 

É um apaixonado pelo rock, quando e como surge esta paixão?

Esta paixão surgiu cerca dos meus 8 ou 9 anos, na altura em que me diziam que seria uma fase passageira que, estranhamente, ainda perdura. Começou pelo heavy metal, evoluindo para as suas mais variadas franjas, para depois recuar até às raízes do rock and roll e do blues. Gosto de conhecer a história, fixar-me numa banda ou artista, saber mais sobre ele, depois partir à descoberta de pontos em comum com outros e continuar a entrar pelas portas que se vão abrindo a cada nova descoberta. Sou um apaixonado pela música, mas também pela sua mitologia e pelo seu impacto sociocultural. Acredito no poder de uma canção, e que esse poder pode levar à mudança, também de uma sociedade, mas, fundamentalmente, à mudança pessoal.

 

Como é que surgiu a oportunidade de escrever o seu primeiro livro e, ainda para mais, sobre a carreira dos Moonspell?

Este projecto nasceu de uma forma bastante espontânea. Gostaria de ter uma resposta mais entusiasmante que dizer apenas, “porque eles me convidaram”, mas foi exactamente isso que aconteceu. A ideia partiu deles, pelo que a mim restou-me questionar se a proposta era mesmo a sério ou não. Quando percebi que sim, ou até mesmo antes, aceitei logo este desafio.

 

Qual a importância de escrever um livro sobre os Moonspell?

A importância reside no facto dos Moonspell terem um papel de protagonismo na música portuguesa. São, indubitavelmente, a banda portuguesa mais internacional, na medida em que o grosso da sua actividade de palco é no estrangeiro, e tal acontece desde 1995, mas também para que não fique apenas esse rótulo a eles colado. É uma banda com uma carreira e percurso de vida interessante, que junta personalidades muito diferentes entre si, mas que desenvolveu uma união muito forte. Mais que a biografia de uma banda, acho que esta é uma história entusiasmante e que precisava de ser contada.

 

Um livro demora o seu tempo, quanto tempo levou a levantar os dados e a escrever?

Todo o processo, de pesquisa e de escrita, levou um ano. Os processos foram quase simultâneos e ia escrevendo à medida que pesquisava sobre uma determinada fase. Os elementos recolhidos constituíram as peças de um gigante puzzle que depois fui montando através da escrita.

 

Foi difícil a escrita do livro?

Fácil não foi, certamente, mas o prazer que tive em fazê-lo impede-me de dizer que tenha sido difícil.

 

Ao longo da recolha de dados,ficou surpreendido com alguma informação?

As surpresas foram constantes, há muita informação neste livro que não era conhecida fora do círculo mais íntimo da banda. Não quero revelar muito sobre a história, pois não quero retirar esse prazer da descoberta na leitura, mas é natural que uma relação entre cinco pessoas, juntas há tantos anos, tenha passado por várias fases e com diferentes graus de animosidade.

 

Como foi o ambiente de conversa com os Moonspell?

O melhor possível. Além do desafio profissional, que foi muito estimulante, o mais importante que retiro de toda esta experiência é a amizade que criei com eles, que estou certo que será para a vida.

 

Os Moonspell ainda têm um longo futuro?

Não sei se será longo, ou sequer como será esse futuro. No livro são deixadas algumas pistas por eles, quando confrontados com a pergunta, mas infelizmente não são dotados do dom da vidência, e eu ainda menos, estando de fora.

 

Tal como refere no livro, existe um o confronto com o passado. Pensa que vai mudar de alguma forma os Moonspell?

Não sei se os vai alterar, mas pelo menos fê-los compreenderem-se melhor mutuamente. Estão numa fase de maturidade, tanto enquanto homens como enquanto banda, e eles próprios me confessaram que as revisitações ao passado que fizeram comigo os levou a aceitarem-se e compreenderem-se melhor uns aos outros. Tenho algum pudor em dizer que isso tenha tido um efeito terapêutico para eles, mas na falta de melhor, arriscaria afirmá-lo.

 

Ainda há segredos por revelar?

No que diz respeito à história da banda, do seu percurso, das conquistas e falhanços, não creio que fiquem segredos por revelar. Já antes não seriam propriamente segredos, apenas factos que não teriam ainda encontrado o meio certo de chegarem a público, como creio ser um livro desta natureza. Claro que existem episódios que não estão contados, ou porque não são relevantes para a história que estava por contar, ou por qualquer outro motivo, mas este também não é um livro que pretenda revelar segredos bombásticos ou causar sensacionalismo.

 

Vai haver 2ª edição quando os Moonspell celebrarem os 50 anos de carreira?

Continuo sem a capacidade de prever o futuro, mas não me parece um mau projecto.

 

Depois de escrever este livro, alguma coisa mudou em si?

Creio que, enquanto pessoas, estamos em constante evolução e aprendizagem. As nossas experiências e vivências vão-nos moldando, e gosto de pensar que hoje sou um pouco diferente daquilo que era ontem. Se à passagem do tempo, e a aprendizagem que a mesma implica, juntarmos a experiência que foi escrever este livro (com tudo o que isso envolve), certamente que muita coisa mudou em mim.

 

Falando da música, como anda o rock em Portugal?

Acho que temos algumas bandas muito boas em Portugal, temo é que o rock não tenha conseguido rejuvenescer o seu público, mas não creio que seja um mal exclusivamente nosso. A indústria da música ao vivo virou-se demasiado para os DJs, e isso reflecte-se na representatividade que o género tem. Na minha adolescência, no liceu, qualquer colega teria uma banda preferida, fosse Metallica, Nirvana ou Bon Jovi, ou até The Doors, Pink Floyd ou Dead Kennedys. Creio que se hoje entrar num liceu e fizer essa pergunta a uma turma poucos saberão sequer dar uma resposta, pois a música é algo de imaterial e sem valor, que passa no youtube e nas festas a que vão. Ou então não, e eu é que me tornei num velho do restelo. Voltando a Portugal, fico muito satisfeito com o sucesso de uma banda como Linda Martini, que de facto conseguem agarrar o público mais jovem, o que considero essencial, e o The Legendary Tigerman é incontornável também. Os Bizarra Locomotiva são a melhor banda ao vivo que existe por cá, e começam a ser um segredo menos bem guardado que eram há uns tempos, e Mão Morta é uma das minhas bandas preferidas de sempre, independentemente da sua nacionalidade.

 

Há sempre aquele preconceito que nós, portugueses, não valorizamos o que é nosso, e às vezes valorizamos só quando os internacionais valorizam. Concorda com esta afirmação relativamente à música?

Desconfio de preconceitos, e embora isso possa ser dito sobre os Moonspell, por exemplo, não sei se será uma verdade que possa ser assim afirmada a toda a linha. Existem casos em que tal se verifica, como outros em que espantam alguns microfenómenos. Ser estrangeiro não é um garante do bom gosto, basta ver as sandálias com meia branca.

 

O rock e o Festival da Canção/Eurovisão não se misturam?

A Eurovisão é algo de totalmente alienígena para mim. Nunca tive o mínimo de interesse e tal não mudou com a recente vitória portuguesa. Pelo contrário, apenas me fez sentir mais repelido, e acho que já há demasiada gente a opinar sobre um programa de televisão, e bem mais habilitada que eu, para vir agora eu juntar-me ao coro.

 

O mundo artístico é bastante amplo. O que é que é necessário mudar?

Não faço a mínima ideia e acho que devem ser os agentes do mundo artístico a reflectir sobre o que deve ou não mudar. Enquanto espectador e consumidor, gostaria que os concertos começassem mais cedo, pois muitas vezes dificultam a vida a quem tem de apanhar transportes ou trabalhar no dia seguinte, levando as pessoas a ficar em casa, e, fundamentalmente, a descida da taxa de IVA.

 

Projetos para o futuro…

Para já, promover este livro o mais possível e vou também estar envolvido no processo de tradução para inglês, que já está em marcha por intermédio de uma tradutora. Retomarei a minha colaboração na LOUD!, que tive de suspender durante o processo de pesquisa e escrita deste livro, e depois logo se vê se surgem outros projectos que me aliciem como foi o caso de «Lobos Que Foram Homens».