Nascido na Ribeirinha da Ribeira Grande em 1974, Adriano Manuel Torres Borges foi criado no seio de uma família humilde. Com oito irmãos, dois deles gémeos, conta ao Audiência como viveu a sua infância: as brincadeiras com os irmãos, os verões na escola e o gosto pelo estudo.
Após concluir o primeiro ciclo, aos 10 anos decidiu que queria ser padre, contando assim com o apoio da sua família para sair da sua freguesia e vir estudar para o Seminário de Ponta Delgada. Um ano mais tarde, também os irmãos gémeos, 10 meses mais novos, decidiram seguir-lhe os passos. Ordenado diácono em 1998, esperou um ano para poder ter a Missa de Ordenação e também a Missa Nova em 2000, juntamente com os irmãos José e Paulo Borges.
Desempenhou funções de pároco nas ilhas de Santa Maria e Terceira, foi ecónomo da Diocese de Angra e Ilhas dos Açores bem como do Seminário Episcopal da Diocese de Angra e Ilhas dos Açores, professor de Educação Moral e Religiosa Católica (sendo ainda Diretor do Serviço Diocesano de apoio à Pastoral Escolar na Diocese), além de ter lecionado História da Igreja, Arqueologia e Arte Sacra no Seminário de Angra, após ter concluído a licenciatura canónica (mestrado) em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Atualmente, com 44 anos, é Reitor do Santuário da Esperança em Ponta Delgada. Em 2017 viveu um momento de grande emoção juntamente com os irmãos, ao estarem presentes na primeira audiência papal pública.
A 2 de fevereiro de 2019, foi distinguido com o “Troféu Personalidade 2018” na 14.ª Gala Audiência.
Vamos começar pelo início, pela Ribeirinha. É nascido e criado na Ribeirinha.
Nasci na Ribeirinha em 1974, no dia a seguir à Revolução dos Cravos, no dia 26 de abril de 1974. Costumo dizer que nasci já na liberdade.
O meu núcleo familiar era de gente católica, todos praticantes. Claro que era mais normal minha mãe praticar, porque o meu pai trabalhava muito. Quando tinha oportunidade ia à missa, mas era difícil. Já a minha mãe ia sempre. E agora é missa diária. Se todos os dias ela tivesse oportunidade de ir a uma missa de cada filho, com certeza iria. Crescemos num ambiente muito saudável, sobretudo pela amizade que tínhamos uns com os outros. Além do que os nossos pais nos davam, claro que com restrições que nunca foram alimentares nem daquilo que era o essencial mas não havia dinheiro para uma vida de luxo, havia sempre um ambiente muito saudável, sobretudo pela amizade. Ainda hoje todos os nove irmãos são muito amigos. Creio que uma das razões também para nos darmos bem era a idade. Éramos todos “em escadinha”. Fomos crescendo juntos… O nascimento dos gémeos, 10 meses depois de eu ter nascido, e um ano e meio depois mais um irmão, fez com que tivéssemos quatro rapazes praticamente todos da mesma idade. E quando tínhamos sete, oito, nove anos, tínhamos sempre um grupo de quatro para brincar. Quantas crianças é que hoje não têm essa oportunidade e têm de jogar sozinhos em frente ao computador… nós éramos quatro. Quatro dá para tudo, dá para jogar às cartas, dá para jogar futebol… tínhamos sempre brincadeiras para fazer e também éramos criativos.
Também fez o primeiro ciclo na Ribeirinha.
Em 1980 fui para a escola até à 4.ª classe na Ribeirinha com a professora Margarida, que ainda hoje continua viva. Foi uma professora extraordinária e marcou muito a minha vida. Era uma professora muito exigente. O nosso horário era das 9h às 3h da tarde, mas ficávamos até ao anoitecer na escola. Os outros iam todos embora e nós, a turma dela, ficávamos sozinhos. Ao ponto de ela fechar a escola e os restantes funcionários irem embora. Pelas 6h30, 7 da noite íamos para casa. E ainda tínhamos trabalhos para fazer. Comíamos e fazíamos os trabalhos.
Era muito exigente mas fazia com paixão. Hoje em dia nem pagos os professores querem fazer horas extraordinárias, muito menos gratuitamente. As pessoas quase que não acreditam quando conto isto. Na altura a escola começava em outubro, então tínhamos três meses de férias de verão. Com exceção dos primeiros 15 dias de agosto, na altura da festa da freguesia, as tardes de verão eram passadas na casa da minha professora, debaixo da latada, com cadeiras que ela arranjou e com um quadro grande. Todos os dias nos dava aulas, exceto ao fim de semana. Claro que era para aqueles que quisessem. A minha mãe obrigava-me a ir… Os meus irmãos passavam a manhã a brincar, à tarde iam tomar banho para o mar (a minha freguesia tem uma baía muito bonita para tomar banho). Eles iam para lá e eu ia para casa da professora. Nem todos iam, acabavam por ir os melhores alunos. No mês de julho fazíamos revisões. Ela passava o mês a rever o ano anterior. O restante tempo era a preparar o ano seguinte. Claro que tive uma formação bastante exigente mas muito boa.
Quando é que surge a vontade de ser padre?
Em 1984, estava na escola, e um colega meu um dia disse que ia para o seminário. Eu estava na catequese como as outras crianças, ia à missa ao domingo… Esse meu colega falou nisso, éramos muito amigos, e eu disse à minha mãe que queria ir para o seminário. Minha mãe disse que íamos falar com o meu pai. Eu disse “ó Mãe, mas eu gostava muito”. Na altura, o Reitor do Seminário, que por acaso foi Reitor deste Santuário, era o Monsenhor Jacinto da Costa Almeida, natural da Ribeirinha. Por isso para mim também é um privilégio ser sucessor dele. Ele costumava ir à Ribeirinha visitar algumas pessoas e eu sabia que uma das casas era ao pé da escola. Um dia disse à minha mãe que ia falar com ele. Ela dizia-me para tirar essas coisas do juízo… Também disse à minha professora que queria ir para o seminário, ela ficou muito contente. Quando soube que ele estava na tal casa ao pé da escola, pedi à professora e fui a correr até casa dizer à minha mãe para ir comigo falar com o Pe. Jacinto. A minha mãe ficou aflita, mas lá foi comigo. Eu, com 10 anos, é que falei com ele. Lembro-me de uma coisa que ele me disse: “mas tu sabes o que é o seminário?”. A minha professora já me tinha explicado tudo. Eu disse-lhe que era uma escola onde se estudava para ser padre, que era disciplinada, que se rezava e que se estudava e que eu tinha gosto em ir. Ele disse “se tens gosto, vais”. Tinha também a segunda parte, que era dizer ao meu pai… Claro que os pais sonham coisas para os filhos. O meu pai nunca sonhou que algum dos filhos pudesse ser padre. Creio que na altura ele sonhava que eu fosse militar… no princípio mostrou-se apreensivo.
O padre da minha freguesia, o padre Artur Pacheco Agostinho, que esteve lá mais de 50 anos, é que tinha batizado e casado os meus pais, portanto, era uma autoridade na freguesia. Ele chamou o meu pai. Não sei que conversa tiveram, mas o meu pai chegou a casa e disse “vamos preparar as coisas que ele vai para o seminário”. Eu fiquei muito contente, claro. Na altura era preciso quase um enxoval para levar. Era preciso lençóis, levar um fato… minha mãe preparou tudo, segundo as nossas possibilidades, e vim para o seminário. Um facto engraçado é que durante o período de verão, aquele meu colega que era muito meu amigo e que disse que ia para o seminário, não foi. Não quis ir. Eu tinha já decidido e fui. Portanto, ele não foi mas eu fui.
Estava num lugar diferente com apenas 10 anos.
No princípio foi difícil. Tinha 10 anos. Mas também éramos 15 ou 16 na minha turma e tínhamos todos 10 aninhos… Era uma casa enorme, onde é agora o São Miguel Park Hotel. Com o passar do tempo criámos amigos, entrámos naquele ritmo. Não vínhamos a casa, não havia telefones… a minha mãe de vez em quando telefonava para o seminário para saber de mim, de vez em quando eu telefonava para casa, o meu pai ia lá buscar a roupa suja, trazia-me roupa lavada, mas eu não via fisicamente a minha mãe. A primeira vez que a vi, depois de ter entrado em outubro no seminário, foi no Dia de Todos os Santos, e depois nas férias de Natal.
Como eram esses momentos, quando regressava a casa?
Quando chegava a casa, falava entusiasmado do seminário e do que fazíamos. Os gémeos também se entusiasmaram e o facto é que no ano seguinte também foram para o seminário. Claro que aí houve quase que uma base familiar. Éramos três. E eu sentia-me responsável por eles porque era mais velho. Eu já estava no 6.º ano, eles estavam no 5.º! E pronto… fizemos a nossa caminhada no seminário de Ponta Delgada e depois fui para a Terceira. Quando há a transição do 9.º ano para a Terceira, aí passei uma crise. Uma crise de saber se era realmente aquilo que eu queria. Todos nós, seminaristas e também padres, tínhamos um padre que nos acompanhava espiritualmente, era o diretor espiritual. Era alguém a quem contávamos a nossa vida, as nossas indecisões…
No seminário menor, vivíamos fechados. Saíamos à quarta-feira, das 13h às 16h. Podíamos dar uma voltinha na cidade mas nunca sozinhos, sempre em grupos de três ou de quatro. Claro que víamos a liberdade dos outros, as raparigas… também gostávamos de ver raparigas e de conversar com elas. Chega ali uma determinada idade em que pensamos se é realmente aquilo que queremos. Então, esse meu diretor espiritual disse-me algo interessante: “sabes uma coisa? O Seminário de Angra é muito diferente deste. Lá já são tratados como quase adultos. Podes sair todos os dias, até duas vezes por dia! Mais ainda, vão-te dar uma chave da porta! Tens uma chave, não precisas de entrar em grupo. Mais ainda, vais ter um quarto só para ti!” – Até então vivíamos em camaratas. Claro que comecei a pensar que se calhar era interessante. E fui. Fui mais para querer saber essa novidade de ir para a frente. Fui para a Terceira. O primeiro ano correu bastante bem. No princípio tive algumas dificuldades, claro. Tínhamos Latim, Grego, Filosofia… Eram disciplinas diferentes e difíceis. Os professores também tinham outro “gabarito”. Os de cá também eram muito bons, mas o nível de exigência era diferente.
No ano seguinte foram os gémeos. Apesar de vivermos na mesma casa e tudo o mais, cada um de nós fazia a sua caminhada. Quando estava no 11.º ano, pensei em sair. Pensei “já vi que isto aqui é interessante, tenho bons colegas e bons amigos… mas se calhar não quero ser padre. Gostava de casar, de ter filhos e de ter uma vida normal como os outros”. Na altura aparece a PGA [Prova Geral de Acesso], e os alunos que acabassem o 12.º ano faziam aquela prova para entrar na universidade. Portanto, ali a meio do 12.º ano decido sair do seminário. Na minha cabeça, acabava o 12.º ano e ia embora. Acentua-se, na época, uma crise grande. A gente pede ao Reitor (porque no seminário para fazer o curso de Teologia não era necessário fazer a prova) para fazer a prova. Ele proibiu. Isso revoltou-nos bastante, porque não fazia diferença para o seminário autorizar-nos. Até na altura, tinha um gosto pessoal em fazer essa prova porque queria saber quais eram as minhas habilitações no ensino recorrente. Eu aprendi tudo no seminário, queria saber se estava no mesmo nível dos outros… Revoltou-me bastante, e novamente o desabafo era com o meu diretor espiritual, o Monsenhor José Adelino, a quem devo muito do que sou hoje. Talvez dos melhores padres que conheci na minha vida. Um homem fantástico e um coração de ouro. Eu apresentava-lhe dificuldades e ele apresentava-me soluções.
Bom, já tinha decidido sair e ele deu-me um conselho. Disse-me assim: “tu tens 18 anos, qual é o teu problema? Tu não sabes o que vais estudar a seguir ao 12.º ano. Vais estudar coisas específicas. Até agora estudaste Filosofia, Português, História…Vais passar a estudar coisas que são completamente diferentes. Vais estudar Psicologia, Teologia, a Bíblia… é um mundo diferente! Não te custa nada ficares mais um ano para veres como é isto. Mas tu pões de parte a hipótese de ser padre?” e eu disse que não. Com a ajuda dele, fiquei mais um ano. Claro que aí as coisas eram diferentes… já tinha amadurecido mais. Já tinha 18 anos, via as coisas com outra perspetiva e até começava a estudar com a perspetiva de olhar para o futuro. Comecei a gostar daquilo que estudava, sempre com dificuldades e crises pelo caminho. Creio que em cada década da minha vida tive uma crise, e uma crise que mudou substancialmente a minha vida. Aos 10 anos, decidi ir para o seminário. Saí da Ribeirinha, um lugar pequenino e vim para Ponta Delgada. Naquela altura era um mundo…
Claro que os estudos me entusiasmavam. Umas matérias mais que outras. Gostava muito de História e tinha facilidades nas línguas. Menos o Latim e o Grego, mas no Francês, no Inglês e no Italiano tinha facilidade.
Mesmo tendo sido ordenado diácono antes dos seus irmãos, a Missa Nova foi celebrada em conjunto.
Em 1997, sensivelmente, conversando com os meus irmãos (que são os meus melhores amigos), decido que vamos ser ordenados padres juntos. Qual era a pressa de ser padre em 1999 se podia ser em 2000? Então esperei. Fui ordenado diácono a 8 de dezembro de 1998, seis meses antes de acabar o curso. Depois acabei o curso. No fim não fui padre porque ia esperar um ano, mas não ia ficar um ano sem fazer nada. É bom e aconselhável que antes se faça um “estágio”. Com este ano que tinha de Diácono, fui fazer um estágio. O senhor Bispo, D. António na altura, disse-me que ia para as Feteiras e Candelária, em São Miguel. O pároco seria o Pe. Constâncio, que ainda hoje está cá e é meu vice-reitor no Santuário de Santo Cristo.
Sem problema nenhum. Vou para a minha ilha, ainda bem. No princípio do mês de agosto, recebo um telefonema do senhor Bispo que me diz que afinal ia para Santa Maria. Eu disse que sim. Na altura tinha 24 anos, era “fresquinho”, tinha vontade de trabalhar. “Seja aqui ou na China, onde o senhor Bispo mandar, eu vou.” Ele era uma pessoa muito conversadora. Não obrigava ninguém… Não vou dizer que no princípio fiquei feliz. Claro que os meus pais também não, preferiam que ficasse em São Miguel…
Nessa altura, ainda diácono, era professor da escola, dava aulas de Religião e Moral. Nesse ano apaixonei-me por Santa Maria. Gostei muito de lá estar. Gostava da escola, dos alunos… ainda hoje sou professor efetivo da Escola Básica e Integrada de Santa Maria. Se algum dia quiser voltar, o meu lugar está lá. Adorei Santa Maria. Estive lá sete anos.
Entretanto, somos ordenados a 25 de junho de 2000. Somos ordenados 10 padres, entre os quais, eu e os meus irmãos. A nossa Ordenação foi na Sé de Angra do Heroísmo. Foi a minha família toda, irmãos e pais. Depois, no dia 30 de julho, fizemos a nossa primeira missa. Foi na Ribeirinha. Teve de ser na rua, no Coreto. Foi um momento muito bonito.
Era difícil para nós, sendo três irmãos, dizer “vou convidar-te a ti e não vou convidar-te a ti”. Então decidimos fazer uma festa aberta. Com a colaboração essencial de algumas pessoas da freguesia, nomeadamente o senhor Hermínio Sousa (a quem devo este favor e a amizade que sempre nos deu), que tomou a dianteira. Cada rua da minha freguesia juntou-se. As pessoas juntaram-se. Uma rua cozeu pão, a outra fez carne assada, a outra frango… a fábrica de cerveja ofereceu barris de cerveja e nós comprámos o vinho e o bolo. O bolo era do tamanho da caixa de uma carrinha, para dar para as pessoas todas. A Câmara Municipal da Ribeira Grande também colaborou, na altura, nestas festas.
A freguesia tinha as ruas fechadas. Mesas pelo Largo da Cruz (Largo da Igreja). Todos comeram, todos conviveram… em primeiro lugar celebrámos a missa. Normalmente, quando é a nossa primeira missa, o padre celebra, prega e faz tudo. Mas nós éramos três. Eu presidi, um dos meus irmãos pregou e o outro fez os agradecimentos no fim. Estávamos com medo da chuva, mas Deus permitiu que tudo corresse bem. A imagem do Santíssimo Salvador do Mundo [padroeiro] veio para a rua… foi um dia muito bonito. Tivemos amigos de toda a parte. Da Terceira, de Santa Maria e até do estrangeiro.
É depois desta fase da sua vida que volta para Santa Maria?
Sim. Depois disto, volto para Santa Maria. Os meus irmãos ficaram em São Miguel. Tinha novos desafios em Santa Maria. A Igreja Matriz da Vila do Porto estava a precisar de obras profundas. Ficaram só as quatro paredes, até o chão foi arrancado. Estivemos dois anos em obras. Era necessário haver financiamento dessas obras. Na altura foram 120 mil contos, vem a ser agora 600 mil euros.
Em Santa Maria trabalhei com o Pe. José Paulo, que agora está na Fajã de Baixo. Trabalhei um ano com ele e por influência dele é que o senhor Bispo me mudou das Feteiras para Santa Maria. Quando nos acontece algo na nossa vida, podemos ver isso como uma dificuldade ou como uma oportunidade. Vi sempre isso como uma oportunidade. Aprendi muito com ele… no ano seguinte, quando sou ordenado padre, ele vai embora e eu fiquei no lugar dele. Fizemos um acordo com o Governo Regional, que patrocinou 50% da obra. Para uma ilha de 5.000 pessoas, é muito dinheiro. Criámos um movimento de entreajuda e voluntariado entre as pessoas. Fizemos restaurantes, jantares e até explorámos o bar da Maré de Agosto para fazer dinheiro.
Trabalhei muito nessa altura. Era professor na escola, ouvidor na ilha de Santa Maria, pároco… No entretanto, tinha dois padres já mais idosos que ajudavam bastante em funerais ou outras coisas que não podia e eles iam. Depois um faleceu no fim de um ano e o outro no início do outro ano. Em vez de quatro padres na ilha, ficaram dois. Com o mesmo trabalho e com metade do pessoal. Foi preciso trabalhar no duro. E juntamente com isso, a angariação de fundos. Os nossos emigrantes de Santa Maria também ajudaram bastante. Conseguimos concluir a obra e ao fim de sete anos, quando saí de Santa Maria, 80% do património religioso estava recuperado. Foi muito trabalho, mas graças à generosidade das pessoas tudo se fez. Claro que é necessário ter bons líderes nas comunidades e que o padre também os ajude.
Ainda hoje vou a Santa Maria fazer batizados e casamentos. Recentemente, um antigo aluno meu, que vai casar para o ano, em 2020, telefonou-me a convidar para ser o padre no casamento dele. Esta é a ligação que tenho com Santa Maria. Gosto de estar lá e vejo que as pessoas também têm um carinho muito especial por mim.
Eu não deixava as pessoas trabalharem sozinhas. Eu estava sempre com elas. Era o primeiro a chegar, o primeiro a pegar numa vassoura, a limpar o lixo e era o último a apagar a luz e fechar a porta. Era preciso acartar coisas, eu acartava coisas… sempre fui próximo das pessoas.
Quando é que surge a oportunidade de ir estudar para Roma?
Em 2004 D. António fala comigo. Eu tinha acabado de inaugurar a obra da Matriz… ele diz-me que gostava que eu fosse estudar para fora. Eu disse “ó senhor Bispo, acabei de fazer esta obra lindíssima. O senhor que me deixe gozá-la. Agora que a minha igreja está linda, o senhor quer tirar-me daqui?”. Depois tinha outro inconveniente. Era para estudar Direito Canónico. Pedi para o senhor Bispo não me fazer aquilo… eu não gostava. Se ele fizesse questão, eu ia. Nunca disse que não a nenhum Bispo. Entretanto, ele disse que ficava mais um ano e que depois conversávamos.
No ano seguinte, em 2005, lá volta ele, para eu ir estudar Pastoral Familiar para Espanha, em Madrid. Também não me agradava… mas se ele fizesse questão, eu ia. Ele perguntou então o que é que eu gostava de estudar. Eu disse que não queria estudar, que estava bem em Santa Maria. Eu disse que se fosse História, gostaria, ao que ele respondeu que precisavam de um professor de História. Estávamos em 2005 e ele disse que no ano seguinte iria estudar História. À terceira foi de vez. Ia estudar história.
Por volta do Natal ele disse-me que ia para Paris. Havia lá uma comunidade portuguesa, com a Igreja de Nossa Senhora de Fátima. Disse-me que a paróquia ia acolher-me e ajudar nos estudos. Ia tirar História da Igreja. Eu disse que sim. Comecei em contactos com o padre que estava lá, que era madeirense. Ele ia sair e eu ia para o lugar dele. A seguir à Páscoa, ia lá uma semana para saber qual a situação. O padre que lá estava mostrou-se disponível para me receber, para ir à universidade e tudo o mais.
Havia uma dificuldade: eu não ia fazer o curso no tempo normal porque ia trabalhar numa paróquia muito grande. Seria cinco, seis anos ou o tempo que fosse.
Na véspera de ir para Paris, o senhor Bispo ligou-me a dizer que já não ia para Paris mas sim para Roma, para um colégio português. Assim foi. Em 2006, dolorosamente, despedi-me de Santa Maria. Saí de lá de coração cheio. Pela amizade, pelo trabalho que desenvolvi… foi o meu primeiro amor. Fui para Roma. Saí de uma ilha que tinha 5.000 pessoas e foi para uma universidade que tinha 5.000 alunos.
Chego a Roma. Inscrevi-me num curso de italiano. No princípio, para entrar no ritmo, foi difícil. A língua italiana tem uma musicalidade e é preciso entrar dentro daquela música. Foi relativamente fácil, a língua não foi uma barreira. Por volta do Natal, já dominava bem o italiano. Claro que a parte escrita era mais difícil. Alguns trabalhos acabei por fazer em inglês. O primeiro semestre fiz os exames todos em inglês. Era uma das línguas oficiais. Tive Latim outra vez. Não me tinha dado bem com o Latim antes… mas agora, com 32 anos, pensei “tem de ser”. Claro que ao lado dos meus colegas da Coreia me saía bem. Fiz o meu curso. No primeiro ano, com muito medo, estudava muito. Medo de falhar. Tinha gosto em saber, mas medo de falhar. Claro que começamos a receber notas e fiquei mais tranquilo. Fui muito bom aluno em Roma, graças ao medo.
Ao domingo e ao sábado eram bons dias para fazer visitas de estudo. Ir aos Museus com os professores, às Catacumbas, às ruínas romanas… ao domingo nem por isso, mas no primeiro os sábados eram tirados para isso.
No segundo ano comecei a estudar mais a História. Foi um ano tranquilo. No princípio de junho já tinha tudo pronto. Até fiz dois exames no mesmo dia para poder vir mais cedo para São Miguel. O último ano foi mais trabalhoso porque tive que fazer a tese. Foi sobre um assunto da nossa Diocese: o único sino que a nossa Diocese já teve. Comparei-o com outros sinos da Península Ibérica. Quem terminasse até ao fim de abril, podia fazer exame em junho. Quem não conseguisse, só fazia em setembro. Claro que não queria voltar em setembro para Roma, queria terminar tudo a tempo e horas. A Diocese é que estava a pagar os meus estudos e eu não queria ser mais um peso.
Nessa altura tive um convite para ir para a Alemanha pela Páscoa. Fui para lá uma semana inteira, para a casa de portugueses. Pedi-lhes mesmo que me arranjassem um quarto com secretária para trabalhar. Levei o computador, os livros e as notas. Tinha a tese quase pronta, mas precisava de a rever toda. Naquela semana consegui fazê-la toda.
Sempre gostei de trabalhar de manhã. Trabalhar no sentido de ler e de estudar. Acordava cedo e estudava logo de manhã. Acordava pelas 5h da manhã, mas deitava-me cedo. Até às 9h da manhã estudava, tomava o pequeno-almoço com a família, depois voltava até à hora de almoço. Dormia uma sesta depois do almoço e das três às sete da tarde voltava a estudar. Depois jantava, via televisão e ia para a cama. Consegui fazer tudo.
Cheguei a Roma, depois da Páscoa, pedi a um colega meu para ler a tese antes de entregá-la. Ele era doutorado em História da Igreja. Ajudou-me e entreguei-a, defendi-a e terminei com uma média excelente. A classificação em Roma é de um a 10 e tive 9,4. Claro que dá um certo orgulho. Fui honesto no trabalho e na dedicação, acho que foi merecido.
Depois dos estudos, segue para a ilha Terceira.
Depois disto venho para Angra do Heroísmo. Aí perdi as esperanças de vir para São Miguel. Indo para a Terceira, era para ficar eternamente ligado ao Seminário. Já tinha estado sete anos em Santa Maria, três em Roma e agora o resto da vida era na Terceira. Fui para a Terceira como professor no Seminário. É uma experiência lindíssima porque estamos sempre a recordar o que estudámos e também porque nos obriga a estudar muito. Também era professor de Religião e Moral na escola, além de que também me foi dada a paróquia de São Pedro de Angra do Heroísmo. Morei em São Carlos, que é um lugar da freguesia de São Pedro. Portanto, aulas no Seminário, na escola e também tinha uma paróquia. Tinha uma vida bastante ocupada.
Cheguei a uma paróquia que tinha saldo negativo. E foi necessário, no princípio, fazer algumas remodelações. Eu também tinha o meu ordenado da escola, abdiquei do meu ordenado na paróquia em favor da própria paróquia… as coisas foram melhorando. Em 2010 (cá está, mais uma década), o senhor Bispo telefona-me e pergunta-me se estava em casa, que precisava falar comigo. O nosso Bispo D. António era muito próximo. Um Bispo qualquer, deste mundo todo, dir-me-ia para ir ter com ele, mas ele disse que não. Que vinha à minha casa. Apareceu lá e debaixo do braço trazia uma garrafa de whisky. Eu tinha acabado de jantar e ainda estava a arrumar a mesa. Abrimos a garrafa e ele disse-me que vinha fazer-me um pedido: ser ecónomo da Diocese. A Diocese estava a passar por uma grave crise financeira. Tínhamos tido um problema que nos fez passar, durante muito tempo, muitas restrições financeiras. O ecónomo antes de mim fez um excelente trabalho, mas um trabalho de ser o “mau da fita” e de dizer “não há dinheiro”. Foram vários anos a dizer “não há dinheiro” para se poupar e pagar a dívida que havia. Ele pediu para sair e o D. António veio pedir-me para substituí-lo. Eu disse “não vou dizer que sim agora. É uma coisa muito séria e tenho de pensar nisso”. Ele respondeu que não queria uma resposta já, que podia pensar.
Foi uma decisão difícil?
Muito. Telefonei aos meus irmãos, os meus grandes confidentes. Eles disseram-me para não aceitar, porque ia ser o alvo de todos os padres da Diocese. Normalmente ninguém gosta dos ecónomos. É o indivíduo que diz que não e ninguém gosta de quem diz que não. Eu concordei com eles… No entretanto, fui falar com o meu antigo diretor espiritual. Telefonei-lhe e fui ter com ele. Disse-lhe que o senhor Bispo me tinha convidado para ser ecónomo. Ele disse “boa escolha”. Eu pus-lhe as minhas dúvidas e problemas e ele sempre me ouviu. Disse-me “a Igreja precisa de ti. Tens de ouvir a voz do Bispo como sendo a voz de Deus e do Espírito Santo. Alguém tem de ser, e o senhor Bispo escolheu-te a ti. E mais, o senhor Bispo escolheu-te a ti porque também foi aconselhado por outros”. De facto ele já tinha pedido conselhos a outros padres e todos diziam que era “aquele rapazinho” que tinha chegado de Roma que devia ser ecónomo.
Aconselhei-me com outro colega, um grande amigo meu, o Pe. Júlio Rocha. Fomos colegas de seminário, depois ele foi para Roma estudar e quando voltou foi meu professor, até que mais tarde éramos colegas novamente. Ele disse-me para não aceitar, que me ia desgraçar… Depois também havia outra dificuldade: eu era da área de letras, embora tivesse jeito para administrar. Já em Santa Maria o tinha feito, a paróquia de São Pedro também já estava a “respirar”… então pronto. Rezei e disse ao senhor Bispo “sim, senhor, aceito”. Então em 2010 torno-me ecónomo da Diocese e um ano mais tarde do Seminário, que são duas instituições diferentes.
Com estas duas funções deixo de dar aulas, tornando-me coordenador das aulas de Educação Moral e Religiosa Católica a nível Açores, ou seja, coordeno todos os professores dos Açores, esta função é uma das atuais.
Quando fui ecónomo, sou pároco de São Carlos, no lugar de São Carlos, que tem uma igreja moderna, que também se enchia ao domingo. Criei lá uma comunidade. “Criei”… a comunidade cria-se por si.
No último ano fiz parte da comissão do Império do Espírito Santo, com uma equipa de jovens. Eu era o mais velho na equipa. Eu era um dos membros, um mordomo, e o chefe era o procurador. Foi um ano fantástico. Não só por causa da espiritualidade própria do Espírito Santo. Lá o hábito é levar a coroa do Espírito Santo a casa das pessoas, onde fica uma semana. Ver pessoas a chorar de alegria quando a coroa entrava, e a chorar de tristeza quando a coroa sai… pessoas a pedir para a coroa ficar mais uns dias… foi um ano fora de série. Uma equipa com quem tive a sorte, a oportunidade e o privilégio de trabalhar e que ainda hoje me deixa muita saudade.
A última missa que disse em São Carlos, houve uma coisa que me impressionou: ver duas meninas (uma com seis anos e outra com sete) a chorar. Os adultos é uma coisa. Uns têm mais facilidade em chorar, outros nem tanto… mas ver crianças a chorar é outra coisa. Foi um momento muito forte. Além de Santa Maria, também tenho uma relação fantástica com São Carlos. Gosto muito de São Carlos. Cá está, foi o meu segundo amor. O primeiro foi Santa Maria.
Foram anos espetaculares. Adorei estar em São Carlos. Adoro aquela gente.
O primeiro ano como ecónomo foi difícil… foi difícil entrar dentro da linguagem financeira. Até comprei um livro “Economia para Totós”. Era simples de mais, e eu também não era assim tão simplório, mas deu uns conceitos e ideias interessantes. Depois pus-me a estudar mais. Mais alguns conceitos. Mas tinha uma equipa fantástica na Diocese. Sobretudo duas economistas, a Carla Bretão e a Dora Garcia Pereira, que eram formadas em economia. Falava muito com elas… Claro que a última decisão era minha, mas elas aconselhavam-me.
As coisas correram bem… Lá está! Em vez de uma dificuldade, vi uma oportunidade! Viajei pelas ilhas todas. Era a minha obrigação. Aí aproveitava e ia às escolas, mas também estava com os padres. Ia às paróquias com mais dificuldades, reunia-me com os padres, com os Conselhos de Assuntos Económicos… É chato e aborrecido às vezes sairmos de casa (principalmente quando era para ir para São Jorge ou para as Flores, onde muitas vezes o avião cancelava), mas acabei por conhecer muita gente e por conhecer as ilhas todas. Ir para o Pico, passar três dias, era uma festa! Para já pelos amigos que tenho lá e depois pela ilha em si. Ir para Santa Maria com outras funções… era fantástico!
Claro que ao mesmo tempo, também levava na cabeça. Mas na realidade, não sei se tem a ver com a minha maneira de ser, só tive dois conflitos com colegas, e são 160 colegas. Quer dizer que conseguimos. Com certeza que há muitos [colegas] que não gostam de mim. Até seria ridículo pensar que toda a gente gosta de mim. As coisas são assim mesmo… Mas conflitos e problemas, foram dois.
Hoje falo com todos os padres. Sou mais amigo de uns do que outros, o que é normal, mas dou-me bem e gosto muito do nosso clérigo.
Quando é que ser Reitor do Santuário começa a ser uma opção?
Bom, em 2015, o Reitor do Santuário, o Monsenhor Augusto Cabral, estava muito doente. Era necessário arranjar alguém para vir para cá. Por tradição, quem vem para cá vem no fim da carreira. É um “prémio” de carreira. Numa reunião em que eu estava presente, o Colégio dos Consultores, do qual também fiz parte, levantou-se o problema do Reitor do Santuário. Começa-se a falar: pode ser um, aquele outro… E há um dos colegas que começa a falar e diz que deveria ser alguém mais novo, que o Santuário tem tantos desafios como a parte das obras, a parte espiritual… era preciso alguém novo, por isso, “vamos pensar em alguém novo”. Esse mesmo colega, que estava a ter este discurso, diz: “eu acho que a pessoa indicada era o Pe. Adriano!”. Todos os colegas concordaram. Isso para mim foi uma alegria. Todos os presentes acharam que eu era uma solução, até o próprio Bispo. O senhor Bispo só levantou um problema: “e agora quem é que vai ficar em ecónomo? Quem é que vou arranjar para te substituir? Mas vamos pensar…”. Portanto, ficou decidido nessa reunião que eu é que viria para o Santo Cristo, isto antes das grandes festas em 2015.
Nesse ano vou à festa, já sei que sou eu quem vem para cá, mas venho ambientar-me. Ninguém sabe que sou eu… meia dúzia de padres sabe, mas obrigados ao sigilo.
Toda a gente sabia que o Santuário ia ter um Reitor novo porque ao antigo estava, infelizmente, bastante debilitado.
No entanto, durante o verão, há um ‘volte face’. O senhor Bispo chamou-me e disse que já não ia para o Santuário. Que alguns tinham pensado que não era boa ideia… Eu disse “está bem, o senhor é que sabe”. Mas disse-lhe (sempre fui assim com os bispos todos: obedeço, mas digo o que penso) que estava triste por ter voltado atrás numa decisão que já estava tomada. O senhor Bispo disse-me então se eu queria uma paróquia aqui de Ponta Delgada. Eu disse-lhe que não, que o problema não estava em ir para São Miguel e que eu estava bem na Terceira.
No ano seguinte dá-se a mudança de bispo. Vem o nosso bispo D. João e o D. António ainda está. Portanto, D. António ainda é o titular e só sai quando faz 75 anos.
Estávamos numa reunião de consultores com os dois bispos, com os tais mesmos padres que no ano antes tinham dito para eu ir para o Santuário. No entretanto, o monsenhor Augusto, mesmo doente, esteve mais um ano.
Estávamos nessa tal reunião com os dois bispos, e quase a terminar a reunião, não se falava do Reitor do Santuário. O então Reitor a sofrer imenso, estava em tratamentos e tudo o mais… e ninguém falava em substituí-lo. O tal padre que no ano anterior tinha dito o meu nome, tocou no assunto. O senhor Bispo perguntou quem é que deveria ir para o Santuário. Começam todos a olhar uns para os outros e o tal padre disse “o ano passado decidimos aqui em unanimidade que era o Padre Adriano”. O D. António confirmou e disse que eu era a pessoa indicada, e o D. João disse logo que sim, que se eu era a pessoa indicada, eu é que ia. Em 2016 ficou então decidido que eu ia. Vou novamente à festa, e em outubro começo aqui no Santo Cristo. Sou o reitor mais novo. Uma vez perguntaram-me se eu não era muito novo para ser reitor do Santo Cristo. Eu respondi que eu era da idade do presidente do Governo Regional…
Portanto, a minha vida foi esta. Estou cá há dois anos. É uma vida muito diferente. Antes era contas e números… agora tenho uma vida mais espiritual. Claro que tenho ainda a parte das obras, e para isso tenho uma equipa que muito me ajuda, mas também tenho a outra parte, que é receber as pessoas, passar horas no confessionário… o tempo que eu antes passava numa secretária a fazer contas, agora passo sentado no confessionário a ouvir pessoas. É muito bom poder ajudar, quando se consegue.
Esta proximidade com o Senhor Santo Cristo dos Milagres é um privilégio, apesar de saber que sou um pecador, que tenho as minhas limitações e que tenho o meu coração dividido (um bocadinho em Santa Maria, outro na Ribeirinha, um bocadinho para Roma e um bocado muito grande para a Terceira).
Acordo muito cedo. Os meus colegas dizem “todos os dias missa às 8h da manhã?”. Mas eu sempre gostei. Continuo como professor do seminário. O ano passado dava aulas intensivas uma semana por mês. Este ano estamos a seguir outro esquema: dar aulas via ‘skype’.
O futuro entrego sempre nas mãos de Deus, como fiz a vida toda. Agora estou cá, tenho a nomeação por seis anos. Quando acabar, o senhor Bispo tem a liberdade de me pedir outro serviço, e eu, com a mesma liberdade e espírito de serviço que vim para cá, também hei de ir para outro lugar. A nossa vida é assim. Gosto muito de estar cá. Para mim, estas obras que estão a decorrer não são uma dificuldade, são uma oportunidade de melhorar a vida no Convento e no Santuário.
Como surge a responsabilidade de ser Vigário Episcopal?
Também fui nomeado Vigário Episcopal para a ilha de São Miguel e de Santa Maria, ou seja, representante do Bispo em São Miguel e Santa Maria, que é uma função com bastante responsabilidade.
Também tive alguma dificuldade em aceitar porque é um cargo que às vezes traz alguns dissabores. Obriga-nos a confrontar colegas e chamar a atenção a alguém nunca é bom. Se quisermos ser sempre bem vistos perante a alguém, nunca dizemos que não, nem nunca chamamos a atenção… claro que no confronto e na conversa com os colegas tento ser sempre aquele que apresenta soluções diferentes daquelas que já têm. Há pessoas que são mais teimosas e que querem a sua solução mesmo que não seja a melhor, e há outras que aceitam.
Esta função também tem outra coisa: não é uma escolha direta e pessoal do senhor Bispo. Ele pediu que os padres se pronunciassem sobre qual o colega que queriam que fosse Vigário. Claro que nem todos votaram, mas para o Bispo me ter escolhido, é porque, provavelmente, a maioria votou em mim. Se os meus colegas acham que sim, eu aceitei nesse espírito de serviço. Também espero deixar esta responsabilidade para outros, no final destes cinco anos. É bom que passe por todos, ou pelo menos pelo máximo número de pessoas. Não concordo de forma nenhuma que os cargos de responsabilidade diocesana fiquem eternamente numa pessoa. Se calhar não precisa ser só um mandato, podem ser dois ou três, mas eternamente numa só pessoa, não.
Qual das funções que desempenhou é que lhe deu mais prazer?
Ser pároco em São Carlos. Ou melhor. Pároco, seja onde for. Gosto muito de ser professor, quer no seminário, quer na escola. Também já dei aulas na Universidade Sénior… Dá-me muito gozo falar. Estudar, preparar e depois falar. Claro que em todas as funções que eu estive, gostei. Gostei de trabalhar com a minha equipa do economato. Gosto de trabalhar nas escolas, gosto de ser reitor do Santo Cristo. Gosto de estar aqui, de receber as pessoas e de estar com as pessoas. A minha vida agora é isto.
O futuro é incerto, como já disse não está nas suas mãos. Mas há algum tipo de perspetiva?
Eu estou aqui nas mãos de Deus. Quando acabar os seis anos, logo vemos.
O projeto aqui, no Santuário, em questão de obras, dificilmente acabará antes de terminar os seis anos, mas mesmo que não acabe, alguém há de continuar.
Já falou sobre o trabalho que desempenha como Reitor do Santuário, mas à exceção de acabar as obras, o que é que está nas suas mãos? O que é que ainda poderá fazer?
Eu tenho projetos para o futuro enquanto Reitor. A partir de outubro ou novembro gostaria de fazer um trabalho com as operadoras turísticas aqui na ilha no aspeto do património religioso: convidar os guias e os operadores turísticos e fazermos uma pequena ação de sensibilização sobre como entrar e como estar numa igreja, o silêncio que se tem de pedir para fazerem… há grupos que são extremamente barulhentos e aqui no Santuário tem sempre gente a rezar. Portanto, vermos esses pormenores. Também ouço muitas vezes, junto à “roda”, que “este lugar era para pôr os bebés”. Se houvesse um convento de freiras para receber bebés, era um infantário. Mas não… quem vivia aqui, eram as freiras em clausura. O único contacto com o exterior era a roda, fosse para dar ou para receber. Para receber esmolas como cebolas, batatas, alhos, tudo. Às vezes aconteceu deixarem crianças, mas o intuito não era esse. A roda servia para isso… também por vezes muita gente batia e pedia esmola e as irmãs davam o que tinham. É preciso clarificar estas questões e este é um dos projetos que quero fazer. Essencialmente quero dedicar-me às obras.
A nível espiritual quero introduzir mais algumas diferenças na festa porque também devemos evoluir com o tempo. Não desrespeitando a tradição, a crença e a fé real, verdadeira e muito séria do nosso povo, mas aos poucos podemos ir introduzindo ou retirando coisas. O que se alterar que seja para o bem. De certeza que vai chegar a um ponto que não vou alterar nada porque já não vou ter capacidade suficiente para introduzir alterações. Aí está na altura de vir outro com novas ideias e novas maneiras de ser. E eu não tenho que o criticar. Tenho 44 anos e já não tenho grande formatação para estar a trabalhar, por exemplo, com grupos de jovens. Um padre com 24, 25 anos é ideal para eles. Tudo tem uma fase.
Porque é que as pessoas no Santuário o procuram?
As pessoas não vêm ter comigo por ser eu. Vêm ter comigo porque, para já, sou padre, e depois porque sou o Reitor do Santuário. Vêm falar da sua vida e vêm dar graças a Deus. Normalmente quem vem dar graças a Deus não dá graças a mim. Vêm aqui, rezam e agradecem pela sua vida. Os que vêm aqui a chorar e a pedir, muitos também o fazem silenciosamente lá fora, no Sacrário ou na grade do Senhor Santo Cristo.
Às vezes estou sentado no confessionário e ouço soluçar ali ao lado. As pessoas procuram-me porque estou ali. Nota que muitas vezes as pessoas entram na igreja, estou sentado no confessionário, e as pessoas começam a olhar. Se eu não estivesse (eu, ou outro padre), não iam. Infelizmente muitas vezes entramos na igreja e não vemos o padre. É verdade que entramos para rezar e para estar com nosso Senhor, mas se o padre estiver lá e eu tiver alguma coisa para dizer, ou para desabafar vou falar com o padre. Às vezes as pessoas só querem falar e ouvir uma palavra de conforto. Isso é um remédio, a maior parte das vezes. Porque à medida que as pessoas vão falando, vão encontrando soluções.
2018 foi um ano de quê?
Foi um ano difícil. Foi um ano de grandes emoções, de sentimentos fortes, com algumas intermitências pessoais, não de dedicação ao trabalho. Tenho a consciência que dedico o máximo que posso. Mas emocionalmente, foi um ano intermitente.