A Sociedade Filarmónica de Crestuma comemorou o seu 99º aniversário em pleno ano 2020, marcado pela situação do país devido à pandemia do Covid19, tendo de se adaptar e optar por uma comemoração online. Mas o ano ficou ainda definido pela não realização do concerto de São José, o mais importante da filarmónica, e pela não participação na festa de Santa Marinha de Crestuma, pela segunda vez na história. Para 2021 está agendado o centenário da instituição que ficará marcado não só pelas atividades, desde a gravação de um duplo cd ao lançamento de um livro, como pela saída do atual presidente José Campos Oliveira que admite estar pronto para sair da liderança da associação, com o sentimento de dever cumprido, e dar o lugar a pessoas mais jovens, com novas ideias.
Foi em 1921 que a Sociedade Filarmónica de Crestuma nasceu, segundo os registos, da união de dois grupos musicais da freguesia: a Associação Musical Crestumense e a Trupe Musical Crestumense. José Campos Oliveira é o presidente da filarmónica desde 2004 mas esteve toda a vida ligado à música e, em específico, à Sociedade Filarmónica de Crestuma. O seu bisavô, Alberto da Silva Ramos, foi um dos fundados da associação e o seu primeiro presidente, seguiu-se o avô, Hermenegildo da Silva Campos, que foi secretário e músico por mais de 40 anos, chegando mesmo a ser maestro durante pouco mais de um ano. O tio, Rodolfo Campos, também foi maestro durante quatro anos. Os irmãos de José Campos de Oliveira também são músicos e a esposa tocava trompa na banda. A cunhada, o cunhado, os sobrinhos são músicos em Crestuma. A Joana, filha do presidente, toca flauta, e é hoje a maestrina da filarmónica crestumense. Tiago, o filho mais novo, toca oboé…ora, por estas razões e muitas mais, a Sociedade Filarmónica de Crestuma esteve sempre na sua vida e estará até morrer, como o próprio afirma.
Em 2020, a associação festejou o seu 99º aniversário, que ficou marcado pela pandemia da Covid19 que assola o mundo inteiro. Num ano difícil para as artes, e principalmente para a música que vive de festas, romarias e concertos, a Sociedade Filarmónica de Crestuma viu as suas cerca de 30 atuações anuais canceladas e os ensaios também não acontecem à largos meses. Foi neste clima anormal que se festejou o 99º aniversário, no passado dia 1 de julho de 2020, que ficou marcado por algumas atuações online. “Fizemos apenas um concerto na data do aniversário com duetos, tercetos e quintetos, transmitido pela internet”, contou José Campos Oliveira, que ainda garantiu que esse som em nada se compara ao de mais de 60 elementos a tocar em conjunto e frisou que a própria população de Crestuma sente falta do movimento vindo da sua sede e principalmente “do som que sai daquela casa todas as semanas”.
Verão mais pobre
Se a Sociedade Filarmónica fica triste por não ter atuações este ano, há algumas das quais sente mais falta que outras. Sem menosprezar todas as suas outras atuações, José Campos Oliveira fala com tristeza da não realização do concerto de São José, aquele que é tido como o mais importante da banda. “É a apresentação da banda aos sócios, à comunidade e é a apresentação dos novos músicos, saídos da nossa escola de música. Este ano não existiu e para nós era impensável não termos este concerto”, disse o presidente da associação. A proximidade à terra que os viu nascer e que os acolhe desde então é evidente, e dessa forma, José Campos Oliveira demonstra também tristeza pela banda não ter tocado na festa de Santa Marinha de Crestuma, no mês de agosto. “Foi a segunda vez que aconteceu na nossa história, a primeira foi em 1978, devido a uma fuga de músicos para o exterior que impossibilitou que a mesma tocasse na romaria. À data, o Padre António Domingos disse que estava de luto pela banda não tocar na festa. Este ano fui eu que senti esse mesmo luto que o padre sentiu em 1978, foi doloroso”, contou tristemente José Campos Oliveira. Além da romaria de Santa Marinha, a Sociedade Filarmónica de Crestuma participa na primeira comunhão das crianças da freguesia, na comunhão solene e na festa do Sagrado Coração de Jesus.
Outro dos projetos anuais da Sociedade Filarmónica de Crestuma que acabou por não se realizar em 2020, devido à situação de pandemia, foi o ”Estágio D’Ouro”. “É um dos melhores eventos do género na Europa, senão mesmo o melhor”, exaltou o presidente. A fasquia do evento estava alto depois dos ilustres nomes presentes em 2019, ainda assim, José acredita que para o ano vão ser capazes de se superar e voltar a trazer à Casa da Música, local onde é realizado o concerto final do estágio, um dos melhores concertos que a mesma recebe.
Em ano de pandemia o presidente da Sociedade Filarmónica de Crestuma também achou importante referir o apoio do município. “Normalmente não temos nenhum subsídio, nem da junta nem da câmara, mas este ano, devido ao vírus, a autarquia ajudou-nos”, contou José Campos Oliveira, que ainda acrescentou que o único apoio anual que recebem é para a realização do evento “Estágio D’Ouro, toda a restante valorização financeira que existe é fruto do trabalho da banda.
A escola de música da associação, nascida a 1978, foi criada com o intuito de ensinar música às crianças da freguesia e a alguns membros da banda que à data tocavam de ouvido e não sabiam reconhecer uma única nota musical. Hoje a situação é bem diferente. Desde 2004 que a banda começou a encaminhar os seus músicos para os diversos conservatórios. Em 2020, a sociedade filarmónica pode orgulhar-se de ter mais de metade dos seus músicos licenciados na área e de todos os elementos terem formação a nível de conservatório. Os professores da escola de música também são, todos eles, licenciados, o que dá um enorme orgulho a José Oliveira Campos, por saber que está a apoiar pessoas que vivem da música e daquilo que amam fazer. No entanto, uma filarmónica bem formada tem as suas desvantagens: o custo elevado. “É preciso pagar aos professores e o valor das cotas não são suficientes”, referiu José, contando que cerca de 300 sócios, apenas representam 3000 euros anuais, ou seja, o pagamento necessário para dois professores licenciados.
A par da escola de música, que recebe crianças a partir dos quatro anos de idade, o presidente referiu outro projeto que estava prestes a ser colocado em marcha e que teve de ficar em pausa devido ao Covid19, mas que, assim que possível, é para pôr em marcha: a música para bebés. “Existe uma melhor percepção do que é a música e os sons musicais em idades tenras e nós já temos vários músicos preparados para isso, com formações específicas e queremos evoluir nesse sentido”, contou José Campos Oliveira enquanto referia os resultados de países como a China, o Japão e a Alemanha que já apostaram na área.
O centenário marcará o fim de uma época
A paragem forçada de 2020 não tem só coisas negativas, sobrou mais tempo para se pensar em 2021, ano em que a Sociedade Filarmónica de Crestuma vai comemorar 100 anos de existência. Apesar do medo de que uma segunda vaga do vírus possa assolar o país, as ideias e planos existem, ainda que estejam, temporariamente, a marinar. A gravação de um duplo cd e o lançamento de um livro com a história da associação são dois dos momentos altos planeados para 2021 e que José Campos Oliveira pretende ver concluídos antes do dia 1 de julho do próximo ano. “A ideia é gravar um duplo cd, um com maestros e compositores portugueses e o outro com temas de Crestuma, tocados pela nossa banda e cantados por um coro, que ainda não sabemos qual será. Quanto ao livro, já está preparado, faltam apenas alguns retoques e vai conter o nome de todos os que já fizeram parte da história desta associação, seja na direção, conselho fiscal, músicos, maestros, tudo, porque se há algo de que nos podemos orgulhar é de conhecermos e termos toda a nossa história registada”, contou pormenorizadamente o atual presidente do grupo. Além destes dois tópicos, a Sociedade Filarmónica de Crestuma pretende convidar as bandas vizinhas do município (Avintes, Coimbrões e Lever), bem como as bandas militares, nomeadamente da força aérea, GNR e marinha. Apesar de todos os planos, o presidente assume que as coisas estão em stand by e que estão todos muito preocupados com o planeamento do centenário enquanto não houver uma vacina para o vírus.
Os 100 anos da instituição vão ser um marco do final de um século de existência, mas poderá significar muito mais. José Campos Oliveira confessa que a sua ideia é ficar até ao centenário e depois colocar o seu lugar à disposição. Diz que a Sociedade Filarmónica de Crestuma vai sempre fazer parte da sua vida e que estará sempre disposto a ajudar, mas que não pretende continuar como presidente depois dos 100 anos, ainda assim vê a sua missão como cumprida. “Eu fiz um projeto em 2004, quando me apresentei, para uma série de assuntos para os quais a banda tinha necessidade, 17 anos passados esses objetivos estão cumpridos. A banda nunca tinha gravado um cd, entretanto já gravou dois cds e três dvds. Queria mudar o fardamento, nestes anos foi duas vezes alterado. Queria adquirir instrumentos de percussão, compramos todos os instrumentos de percussão, desde bateria, xilofone, entre muitos outros, além disso, nestes 17 anos, modificamos cerca de 50% do instrumental da banda. Criamos o “Harmonia”, que é o jornal da banda. Compramos uma carrinha. Construímos a nossa sede, contra tudo e contra todos, e aí, um grande agradecimento ao presidente Eduardo Vítor Rodrigues, porque tem de ser dito que no tempo de Luís Filipe Menezes, tudo nos foi negado e nunca fomos isentos de nada a nível de projetos e licenças”, contou José Campos Oliveira que ainda teceu elogios pela ajuda ao vice-presidente Patrocínio Azevedo, ao presidente da junta, Manuel Azevedo, e ao Dr. Cancela Moura. “Foram 17 anos gratificantes para mim e para a banda, mas espero que depois do centenário alguém me venha substituir porque já me começa a faltar ideias e deve haver pessoas mais jovens, com mais ideias e mais frescas”, conclui o atual presidente quanto ao seu desejo de abandonar o cargo em 2021.
Quanto a sonhos e desejos, José Campos de Oliveira acredita que a banda tem muito sucesso pela frente e vê o caminho por terras internacionais, com mais participações em concursos que valorizem o nível da Sociedade Filarmónica de Crestuma.