Isabel Silva Melo é uma artesã micaelense que se dedica às áreas artesanais das escamas de peixe, dos presépios de lapinha e à cerâmica figurativa. Este ano, viu o seu trabalho ser reconhecido, vencendo o Prémio Nacional de Artesanato na categoria de Empreendedorismo Novos Talentos 2019. O AUDIÊNCIA esteve à conversa com a artista para perceber como começou o gosto pelo artesanato, assim como quais as suas ambições para o futuro.
Do Atlântico para o mundo
Isabel Silva Melo é licenciada em Artes Plásticas pela Escola Superior de Belas Artes do Porto. Desde cedo que sabia que a sua vida iria passar pela arte. Deixou a ilha de São Miguel ainda adolescente e foi fazer o ensino secundário a Coimbra, para ter a oportunidade de ingressar no curso superior que viria a realizá-la.
Com o apoio dos pais no seu percurso académico, as experiências no exterior não começaram ali: aos 15 anos foi estudar para Inglaterra, uma vivência “decisiva para perceber que somos todos muito diferentes”.
Após terminar o curso, ficou a trabalhar no Porto como professora durante cerca de quatro anos. Apesar de ambicionar ter o seu próprio atelier, na altura as prioridades eram outras: “tinha que ser realista porque a minha filha tinha acabado de nascer e primeiro estava ela”.
O regresso a São Miguel aconteceu. De malas e bagagens a família mudou-se para a ilha onde Isabel cresceu.
O princípio dos trabalhos de artesanato
Professora há 30 anos, acredita que cativa os seus alunos por se sentir concretizada, já que “qualquer pessoa consegue ter empatia com um professor que esteja bem consigo próprio”. Para isso, “tem que se criar um público que adira àquilo que vamos dizendo”. É aí que entra o artesanato, um fator que “veio ajudar muito a maneira como dou as aulas”.
“Durante cerca de 30 anos fui mãe, professora e agricultora”, começa por dizer Isabel. Quando a necessidade surgiu, a artista tirou formação, e começou a dedicar-se aos tradicionais presépios de lapinha para oferecer na época natalícia. “Para mim foi magia!”, afirma. “Comecei a fazer os bonequinhos, e estava tão feliz a fazê-los! Foi muito engraçado porque percebi que tinha facilidade e nem recorria a moldes, até porque assim diferenciava o produto”.
Tudo começou assim, com as lapinhas, há cerca de cinco anos. O seu gosto e trabalho pela área foram evoluindo e sentiu a necessidade de aprender a trabalhar a escama de peixe para pôr nos registos do Senhor Santo Cristo. Algum tempo depois já fazia alfinetes de peito e brincos (de escamas de peixe).
Chegou à Feira Lar, Campo e Mar (feira anual na época das festas em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres em Ponta Delgada) através da sua inscrição no Centro Regional de Apoio ao Artesanato (CRAA), inscrição esta que lhe abriu outras portas, já que dois anos depois participou na FIA (Feira Internacional do Artesanato), acontecimento que marcou a descoberta de um novo mundo.
“Estava eu lá muito sossegada, quando vejo uma custódia em barro que me fascinou, mesmo à entrada. Fiquei completamente deslumbrada com aquela custódia! Posteriormente conheci o autor, que acabou por vir cá dar formação através do Museu Carlos Machado, Delfim Manuel”.
A paixão surgiu. “Fiquei apaixonada pelo tipo de trabalho. Ele é o top da cerâmica figurativa em Portugal e tive o privilégio de aprender com ele”, refere.
No início, as figuras de Isabel Silva Melo eram feitas em pastas auto-secáveis. Depois da formação, passaram a ser feitas em barro e depois cozidas, ou seja, já eram de cerâmica.Atualmente a artesã já não se dedica a fazer lapinhas, mas os trabalhos em escama continuam, até porque existe o benefício de haver peças de vários foros financeiros e, por isso, o produto continua a ser escoado. Pelo contrário, “é raro vender peças de barro” porque a realidade é que “em Portugal não temos poder de compra”.
Apesar de tudo isto, ainda há quem faça encomendas, sendo estas maioritariamente do foro religioso. A artista, que considera as encomendas que não sejam relacionadas com este tema como um “desafio”, confessa a sua facilidade na realização das peças. “Tenho as ideias e consigo concretizá-las. Sonho com uma peça e faço. Às vezes não sei bem como hei de fazer, mas sou teimosa. Às vezes cai, eu espero, faço a segunda, faço a terceira… tem que se ser persistente.”
A preparação do futuro
Ainda que o artesanato seja uma prática recente na vida da artista, Isabel Silva Melo reconhece que tudo surgiu no momento ideal. “Na altura não tinha tempo para me dedicar ao artesanato: saía de casa às 8h da manhã e chegava às 9h da noite. As minhas filhas tinham atividades e, ao fim de semana, que era quando tinha mais tempo livre, trabalhava na quinta”.
O gosto pela agricultura é também uma necessidade, tal como revelou. “Quando estou cá fora a trabalhar não penso em nada”. Pelo contrário, “o barro exige concentração”. O facto é que na vida desta artesã as duas áreas se complementam: “quando estou cansada do barro ou quando alguma coisa corre mal, venho cá fora trabalhar na quinta e depois volto para dentro mais relaxada e pronta a trabalhar no barro”.
“Nunca é tarde demais”, continua Isabel. “É um bocado «ridículo» começar a trabalhar o barro aos 51 anos, mas hei de trabalhar até morrer, se puder e se a saúde o permitir.”
Prova deste desejo é o facto de estar em desenvolvimento a construção de um atelier junto à sua moradia. O espaço que ocupa dentro de casa “já não é comportável”, diz, entre risos. “Há coisas que não posso fazer porque não tenho atelier, como é o caso dos vidrados [utilização de tinta na cerâmica] porque é tóxico”.
Juntando o útil ao agradável, “consegui bons juros junto da banca e o Governo Regional dos Açores também apoia parte das construções dos ateliers”, esclarece a artista, ansiosa por poder trabalhar neste novo espaço onde concretizará as suas “primeiras maluqueiras com tintas”.
O Prémio Nacional de Artesanato
“Dei saltos! Ainda hoje! Costumo dizer que estou em estado de graça.”, começa por dizer Isabel, assim que abordamos o Prémio Nacional de Artesanato.
A artista, vencedora na categoria de Empreendedorismo Novos Talentos, explica que candidatou-se quando tinha pouco mais de dois anos de atividade, sendo que o critério para este prémio é ter-se até três anos de atividade. Apresentou o seu currículo artístico, assim como o seu percurso, para todo o “somatório de um trabalho” ser avaliado.
“Nunca nos meus sonhos imaginei receber este prémio”, confessa, referindo uma conversa que teve com o seu mestre, Delfim Manuel: “estávamos na FIA. Ele estava no seu stand e disse-me «um dia vais estar ali no meio», que é o IEFP [Instituto de Emprego e Formação Profissional], a tal zona nobre da feira. Eu ri-me e disse «vai lá brincar com outro». Eu pensava que ele estava a gozar comigo, mas realmente vou lá estar, aliás, todos os premiados vão estar à entrada da feira, claro que se ela vier a acontecer, mas se acontecer, lá estarei no IEFP onde estarão os destacados”.
Outro dos momentos que Isabel Silva Melo guarda com carinho, refere-se ao registo do Senhor Santo Cristo que fez, a pedido do Governo Regional dos Açores, para oferecer ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aquando de uma visita à região. “Fiz um registo contemporâneo, de homenagem às mulheres que durante séculos prepararam o andor.” O objetivo era presentear a personalidade com um objeto capaz de fazer jus às tradições e à cultura de um povo. Este foi um momento e um pedido marcante, que recordará sempre com orgulho.