Com 81 anos de vida, 58 deles como homem do teatro e 47 como empresário nesta área, Hélder Freire Costa assegurou, em entrevista ao AUDIÊNCIA, que vai continuar a lutar, em prol do futuro do Parque Mayer e do Maria Vitória, que lidera. Enaltecendo o longo percurso de luta e muito trabalho, o produtor recordou o passado, lembrando aqueles que, como Giuseppe Bastos e Vasco Morgado, transformaram o acaso, numa paixão pelo teatro. Firme no comando da “catedral da revista”, que já resistiu a guerras, incêndios, crises e pandemias, Hélder Freire Costa sublinhou, ainda, a importância da comemoração do duplo centenário, depois das provas de fogo enfrentadas, assim como o sucesso do espetáculo celebrativo, intitulado “Parabéns, Parque Mayer!”.
Hélder Freire Costa, considerando que é, fundamentalmente, responsabilidade sua a concretização do centésimo aniversário do Parque Mayer, o que é que isso representa para si?
Para mim, é um orgulho e uma honra. Na altura, estive para sair, mas tive a infelicidade do meu empresário, Giuseppe Bastos, ter falecido e senti a responsabilidade e que fazia falta, então continuei, de forma que fiz do Parque Mayer e do Maria Vitória a minha vida. Entreguei-me de corpo e alma e daqui a dois anos faço 60 anos de Parque Mayer, portanto é toda uma vida. Eu não estava vocacionado, mas aconteceu, fui gostando, ficando e, em determinada altura, senti que fazia falta. Há sempre um tempo para batermos com a porta e se não o fizermos nesse momento, depois, já não temos outra oportunidade e foi o que me aconteceu. Uma semana antes da Revolução dos Cravos, tínhamos atualizado a revista “Ver, Ouvir e Calar” e, uma semana depois, os autores e o empresário entenderam remodelá-la e alterar o título, cruzando o “Calar” e colocando com chaveta “Falar”. Assim, na peça “Ver, Ouvir e Falar” repôs-se tudo aquilo que tinha sido cortado pela censura. Posso dizer-lhe que foi com o Giuseppe Bastos que eu aprendi todas estas lides e, por isso, quando ele faleceu, a companhia convocou-me para uma reunião, no palco, e propôs-me continuar, por eu ser o braço direito dele, até porque tínhamos um grande sucesso, que era a primeira revista livre do Teatro Maria Vitória, que se chamava “Até Parece Mentira”, sobre a euforia do pós-25 de Abril. Eu levei a companhia ao Porto, com a condição de datas específicas, algo que nunca se tinha feito e esgotamos todas as lotações. O Manuel João já era o gerente do Teatro Sá da Bandeira e, na altura, propôs-me que apresentasse durante mais uma semana e eu recusei, porque queria começar a estrear, rapidamente, a nova temporada em Lisboa. A revista foi um grande sucesso, era a novidade da euforia da liberdade. Mais tarde, eu liguei para as bilheteiras, que eram as três Maria e elas disseram-me que eu tinha feito bem em não ter aceitado prorrogar mais uma semana. Portanto, eu integrei-me totalmente, aqui, nesta atividade, com o apoio de todos aqueles que comigo estavam a trabalhar, nomeadamente o Salvador e o Henrique Santana, que trabalhou comigo até morrer. De forma que tive grandes apoios, por parte de toda a companhia. Eram outros tempos, era outra gente e eu fui considerado, respeitado e consegui levar o Teatro Maria Vitória na sua senda de sucessos. É claro que as gerações foram-se modificando, assim como os pensamentos e, hoje, existem pessoas acham que sabem mais de teatro do que eu, ou que eu sou um ignorante, e até que eu estou a mais no teatro, mas isso é lá com eles, porque a verdade é que eu estou lá e continuo a manter o Maria Vitória, como a «catedral da revista» e isso é que é importante e, curiosamente, aconteceu um caso suis generis é que o Maria Vitória, que foi o primeiro teatro do Parque Mayer ainda hoje funciona, sem interrupção, com a exceção dos meses de junho, julho e agosto, como é normal, pois é nesta altura que tiramos uns dias de férias e, depois, começamos a ensaiar a nova revista, que é estreada em setembro. Hoje, também, já não temos sessões à terça e quarta, nem as duas sessões diárias, mas eu sou do tempo em que não havia descanso, pois o descanso semanal dos artistas começou em 1967, já estávamos nós no Maria Vitória, de modo que, até aí, trabalhávamos sete dias por semana, fazíamos duas sessões diárias e matinés aos domingos e feriados. No Maria Vitória, tínhamos sessões à quarta, quinta e sexta, uma no sábado e duas no domingo. Mas, a determinada altura, começámos a ver que as pessoas à quarta-feira não iam, então mudámo-la para sábado, porque vinham muitas excursões, financiadas pelas Câmaras Municipais, que lhes arranjavam os autocarros, mas como ao domingo não havia motorista, tinham de realizar os passeios neste dia, então, eu pensei em fazermos matinés aos sábados e fizemos. Levou tempo para pegar, mas, hoje em dia, a matiné de sábado, às vezes, é melhor do que a de domingo.
Nas últimas duas décadas, a sua resistência e amor pelo teatro salvou, por um lado, o Parque Mayer, mas tirou-lhe, por outro, a sua independência financeira, porque, pelo que eu sei, terá recebido chorudas propostas para sair e recusou-as.
As propostas são apenas propostas, pois nós nunca sabemos se elas serão consagradas. Hoje vive-se muito da palavra e de promessas. Repare, o Parque Mayer está para ser reinaugurado há uma data de anos e continua no papel. De facto, eu recebi uma proposta para me ir embora e eu entendi que não a deveria aceitar, pois eu sempre fui uma pessoa responsável e custava-me ter de chegar ao pé daquele pessoal e dizer que ia sair, porque depois deles terem estado e lutado ao meu lado, eu não os podia deixar sozinhos e sem futuro, uma vez que, nessa altura, estava prevista a demolição do Teatro Maria Vitória. De modo que, eu entendi que tinha de resistir e disse que não queria dinheiro nenhum, pelo que prescindi. Se fiz mal ou se fiz bem? Para mim, entendo que fiz bem, porque continuo a ter o Maria Vitória a funcionar e a ter lá as pessoas. De facto, pela primeira vez na minha vida, fiquei dever dinheiro a muita gente, mas eu sempre disse que não queria saber quanto devia, eu queria era estar cá, porque hoje devia, mas no dia seguinte podia já não dever. As pessoas têm de ter calma e têm de optar, porque ou querem um teatro para trabalhar, ou querem ficar sem o patrão e que ele fique rico. Eu não quero ser rico. O dinheiro é a única coisa a que eu não ligo, porque gasta-se. O grande engodo do pós-25 de Abril foram os trabalhadores que foram indemnizados com 2 mil ou 3 mil e nunca tinham visto tanto dinheiro na vida, pensaram que iam ficar ricos, mas perderam o trabalho e a riqueza é o trabalho, porque é aí que se faz o dinheiro. Portanto, também pensei nisso, porque eu tendo lutado pelo Maria Vitória, pelo menos permiti que esta gente toda estivesse a trabalhar e eu estou a fazer aquilo que gosto. Eu tenho tido sobressaltos, com grandes dificuldades, os jovens abandonaram o país, as empresas faliram, os teatros acabaram e eu fui apanhado por isso também, mas como sou lutador e habituei-me, desde muito novo, que nada se faz sem se combater, é a minha forma de ser e é o que eu tenho feito toda a minha vida. Acho que devemos lutar por aquilo que queremos fazer, porque nada se faz sem ser conquistado.
Como é que vê o panorama cultural no país, neste momento?
Está mal, porque cada vez liga-se menos à cultura. Um povo sem cultura, e nós tivemos um regime anterior que apostava nisso, é pobre. Vá lá, que hoje há várias possibilidades de as pessoas terem cultura, só que não as utilizam. Hoje, quando falamos com as pessoas, ficamos estupefactos, porque têm o cérebro vazio, só pensam em dinheiro e existem valores bem mais importantes do que o próprio dinheiro, porque esses valores é que ajudam a riqueza. Uma pessoa inculta não tem a capacidade de poder conquistar a riqueza, só as pessoas cultas têm essa possibilidade e meios para a atingir. Portanto, vejo que isto está mal, mas, felizmente, tenho uma família que me dá muita satisfação, composta por lutadores, como eu, que se impõem na vida, à sua maneira, por aquilo que lutam.
Embora com sabor agridoce, estamos a assistir à reconstrução do Parque Mayer, mas tenho visto alguma desilusão, em relação àquilo que está a nascer, nomeadamente salas minúsculas e pavilhões, em vez de teatros. Qual é a nova cultura que aí vem?
A cultura da incultura. O mal é eles mexerem sem saberem naquilo que mexem. O Teatro de Variedades, que era arquitetonicamente bonito e ao contrário do Maria Vitória, que foi construído como provisório, já tinha sido edificado como deve ser, para ser um bom teatro, pois levava mais de mil pessoas, foi transformado e, agora, só tem capacidade para 370. Portanto, quem o explora, ou é com os dinheiros públicos, ou faz sessões de manhã, à tarde, à noite e de madrugada, para compensar a lotação de um teatro, ou para angariar dinheiro para pagar a qualidade de um espetáculo. Um concerto faz-se num dia e se as pessoas não forem assistir, também já não assistem mais, portanto, esgota, mas o teatro não é assim, por exemplo, no caso do Maria Vitória, estreia setembro e acaba em maio do ano seguinte e as pessoas vão, ou dizem que vão, e às vezes até acabam por não ir, porque têm uma data de hipóteses para poderem assistir à sessão. Portanto, para isso, temos de ter a possibilidade de, quando vem muito público, ter locais para o acolher. Ora, se o teatro é pequeno, quer dizer que só dá para uma certa quantidade de público, então como é que pode ter rentabilidade? Como é que pode rentabilizar para os dias em que vai menos público? A compensação faz-se num dia em que o teatro esgota e no outro dia o teatro está vazio, compensação é isso, ora, se o teatro tem uma lotação diminuta, então tem de esgotar todos os dias e as pessoas vão todos os dias? Não vão, porque há outros acontecimentos, que desviam as pessoas. Eu lembro-me quando era novo, no início de eu estar nesta área, sempre que havia um grande espetáculo no Coliseu, os teatros ficavam todos vazios, incluindo o Monumental, que era o teatro do grande público, de modo que bastava haver um acontecimento no Coliseu, para desviar o público dos outros teatros. Portanto, os teatros devem ter a lotação necessária para as compensações. Esta coisa de se agarrar num teatro de mais de mil lugares e transformá-lo num de 370, por questões de segurança, não faz sentido, porque a segurança está em toda a qualidade, desde que ela exista, não é porque se põem menos lugares que há segurança, porque se houver um acidente, pode atingir 300 pessoas, como pode atingir 5 mil. Um acidente é um acidente. No Maria Vitória não aconteceu desgraça nenhuma, porque o incêndio aconteceu numa hora em que não havia espetáculos, mas se ele ardesse estando público, como é um teatro pequeno, se calhar, morriam muitas pessoas, portanto, não tem nada a ver. Um acidente é um acidente e a segurança tem de estar com muitas saídas e o Maria Vitória tem isso, tem várias portas de saída, logo as pessoas quer estejam nos camarotes, quer estejam na plateia, estejam onde estiverem, têm portas para as traseiras, para a frente, para o teatro, para trás, como tal, a segurança está nisso e na rapidez com que se pode escoar o teatro ou qualquer sala.
O espetáculo, “Parabéns, Parque Mayer!”, que está, neste momento, em exibição no Maria Vitória é o que queria para o centenário?
Não foi pensado. Estava planeado fazermos um grande espetáculo e os autores, com o comando do Flávio Gil, propuseram-me este. Posso dizer-lhe que, logo no início, eu fiquei com muito receio e disse-lhes que não queria ficar conotado como o empresário que deu cabo do teatro de revista, porque as pessoas quando vão ao Maria Vitória sabem que vão ver revista, portanto, eu quero ficar conotado como o empresário do teatro revista, e sou. Ora, se houvesse confusão entre o teatro musical e a revista, se calhar, podia acabar com o teatro de revista e eu tinha receio, porque uma coisa é fazer espetáculos no Politeama, que é gigante e tem tecnologia moderna, ao passo que o Maria Vitória é um teatro velhinho, em que os cenários são puxados à mão e devia ser, até, o museu da revista também. O público que vai ao Maria Vitória sabe que vai ver revista e se disser que estamos a imitar alguém, já estamos a perder, porque o outro ganha, uma vez que apresenta teatro musical, com qualidade e futuro. A revista não vai acabar, aliás faze-se revista do Minho até ao Algarve. Portanto, o Maria Vitória tem de fazer com gente profissional e inserir, também, pessoas novas, pois, pelas minhas mãos, já foram lançadas muitas outras e é bom que exista o sítio certo e os espetáculos certos, para se fazer isso. Portanto, no Maria Vitória fazemos revista.
Dois meses após a estreia, qual é o balanço?
O balanço é muito positivo, aliás, basta lermos as críticas e ouvirmos as pessoas, porque cada pessoa que vai ao Maria Vitória sai de lá eufórico a dizer bem e até vai à nossa procura, para nos parabenizar, quer pessoalmente, quer nas redes sociais. Este espetáculo tem uma qualidade extraordinária, é todo corrido, é uma revista autêntica, tem o quadro de rua, abertura, o momento da atração, ou seja, tem tudo como o teatro de revista, porém é feito de outra forma. Aliás, ele começa logo na abertura por ir buscar o compère ao hospital. Como sabe, antigamente, e o Salvador e o Vítor Mendes, pai do Fernando Mendes, foram famosos por isso, por fazerem comperagem do quadro de rua e muito do próprio espetáculo. Então, temos isso, assim comos os chefes, que são duas artistas e um ator e, depois, todos os outros que entram no decorrer do espetáculo e fazem as rábulas, da mesma forma como no teatro revista, primeiro é a última figura, depois a segunda figura, depois a primeira figura, depois a atração, o quadro rua, o final e a abertura. Agora, esta revista tem outra virtude, que é homenagear aqueles que muito contribuíram para o teatro de revista. Nós honramos os técnicos que ficaram pelo caminho, que morreram, não homenageamos os vivos, porque havia sempre um que faltava e eles são milhares. Portanto, homenageamos os nomes mais sonantes que já não estão connosco, as grandes canções que do Maria Vitória saíram para a rua, e foram muitas, os artistas, como Vasco Santana, os teatros e denunciamos os erros que estão a ser cometidos, portanto, passamos um bocadinho a mão por cima de todas estas lembranças, que memorizam a história do Parque Mayer e do Maria Vitória.
Eu sei que não deixam de fervilhar ideias para o para o futuro do Parque Mayer, que não é da sua responsabilidade, mas gostava de ver um novo Maria Vitória, ainda nos seus anos de vida?
É o meu desejo, por isso cá estou, aliás, já deveria ter existido um novo Maria Vitória. A última notícia é que os responsáveis entenderam que o Maria Vitória não é para demolir, mas para ser recuperado. Acho que sim, acho que deveria ser, mas claro que corremos é o risco de ficar com 100 lugares e isso é que não pode acontecer. Eu já disse que a segurança está no escoamento das pessoas, porque se houver um acidente no teatro, o escoamento é o mais necessário. Ora, o Maria Vitória tem várias portas de saída e provou-se, agora, durante a pandemia, em que o público não se cruzava, ou encontrava-se à distância, portanto, nós temos segurança e tenho a certeza de que, ali, ninguém apanhou Covid-19. Logo, estou consciente de que a segurança passa por aí, não percebo de que é que serve diminuir a lotação, porque quanto mais público for ao teatro, mais enriquece a possibilidade de se fazer melhor teatro. As coisas aparecem com dinheiro também. Imaginação têm os autores, é certo, mas para se materializar tem de haver dinheiro, ora se logo à partida lhes dermos uma pobreza franciscana, os sonhos deles ficam pelo caminho.
Com tantas dezenas de anos dedicados à cultura e ao teatro de revista, de uma forma muito direta, certamente tem inúmeras histórias, mas há sempre uma ou outra que o marca mais pela negativa. Qual é que lhe ocorre neste momento?
Uma noite, em que nada se fazia perder. Vínhamos de fazer o bem, de uma festa em Setúbal, no dia do aniversário do Hospital de Setúbal e viemos a brincar pelo caminho até Lisboa. Depois, fomos ao Teatro Maria Vitória deixar as coisas e eu fui para casa jantar, mas passados cinco minutos, nem tinha começado a comer, ligou-me a Manecas, do restaurante, que ainda era viva, e disse-me para eu ir imediatamente para o teatro, porque estava a arder. Eu não sei o que se passou pela minha cabeça, sei que saí desalvorado, meti-me no carro e quando comecei a ouvir as sirenes dos bombeiros pensei que era muito grave. Quando cheguei ao Parque Mayer, não me queriam deixar entrar e já lá estava o Henrique Santana. Na altura, nós estávamos de relações tensas, tanto que a encenadora iria ser a Ivone Silva, porque o Henrique Santana teve uma discussão comigo e, mais tarde, disse-me que não tencionava encenar o próximo espetáculo, então eu propus à Ivone Silva, porque estava muito ligada e eu sabia que ele ia ajudá-la a ser encenadora e, assim, tinha-o cá dentro, sem ele cá estar e foi o que aconteceu realmente, só que estávamos a 15 dias da estreia, quando se sucedeu o incêndio. A Ivone era encenadora, pela primeira vez na vida dela, mas ia todos os dias a casa do Henrique Santana e, portanto, ele é que estava a ser o encenador, como eu previa. O Henrique Santana foi um fantástico amigo, foi uma pessoa de quem eu terei saudades toda a minha vida e foi um grande senhor, para além de ser uma pessoa da cultura, de modo que me marcou absolutamente e auxiliou-me muito na minha luta pelo teatro, pois esteve sempre ao meu lado e deixa-me muita saudade a sua morte. Foi surpreendente, porque ele adoeceu rapidamente e morreu também muito rapidamente, quando ainda tinha muito para fazer e eu precisava mesmo dele. Era um autor de excelência. De modo que, este incêndio trouxe-me graves consequências. Tive de ir para o Maria Matos, depois houve desuniões e uma série de problemas, que são naturais nestas coisas, mas eu consegui suplantar isso tudo. Mais tarde, associei-me com o Vasco Morgado, ao Parque Mayer, e fizemos um grande espetáculo, que lançou esta geração, que o senhor conhece.
Por outro lado, qual é o marco mais positivo vivido no Maria Vitória de que se recorda, nesta ocasião?
O que me transforma é um todo, nomeadamente ter tido a felicidade de ser um empresário do teatro. Vou contar-lhe uma história: a fotografia mais importante que eu tenho dos meus pais, em minha casa, é onde está o meu pai em cima de um banco, para ser mais alto do que a minha mãe, que está sentada, parecendo a Gioconda, porque a minha mãe era alta e muito linda e o meu pai, para ser um macho mandante, estava em cima de um banco e dizia muitas vezes, com um certo elogio à minha mãe, que não tinha aquela altura e que estava em cima de um banco, porque se usava naquela altura. Esta fotografia, foi tirada no Parque Mayer. Neste dia, o meu pai foi ao Parque Mayer almoçar num restaurante que era “O Borges”, em frente ao Maria Vitória. Depois, foram tirar uma fotografia em frente ao, já demolido, “Restaurante Manel” e, mais tarde, foram os dois ao Maria Vitória. De certeza que não lhes passou pela cabeça que, um dia, um dos seus oito filhos ia ser empresário daquele edifício, onde o meu pai e a minha mãe se divertiram. Eles já não assistiram a isso, na altura, eu estava lá, enquanto secretário do senhor Vasco Morgado e o meu pai ainda me foi lá visitar, várias vezes, nessa condição, porque eu já não morava com ele, aliás, o senhor Vasco Morgado e a esposa, dona Laura Alves, estiveram no funeral da minha mãe e do meu pai. Neste contexto, o que me deixa bastante satisfeito, alegre e me deu a certeza de que valeu a pena eu ter existido foi, exatamente, ter deixado obra no Parque Mayer e no Maria Vitória e ter passado por mim uma data de atores e atrizes que, hoje, são referência no nosso país. Acredito que esta revista vai lançar mais uma data de pessoas cheias de talento e que representam aquilo que pensamos, em relação ao teatro do futuro, porque um ator tem de saber fazer tudo, dançar, cantar, pular, bailar e agradar ao público e é isso o que eles fazem. Tenho de destacar a atriz mais nova do elenco, que é muito pequenina e foi a última a aparecer nos castings, nos quais se apresentou de calças rasgadas, como anda a juventude, ténis e mal-amanhada, o que queria dizer que não se arranjou para o efeito e isso impressionou-me logo, tanto que troquei, de imediato, impressões com o Flávio sobre isso, entretanto, ela começou a trabalhar e era excelente a cantar, a dançar e a representar e eu disse ao Flávio que tínhamos, ali, uma cómica em potência. A Teresa Zenaida é uma grande atriz e agradou, em cheio, o público e os críticos, tanto que todos falam nela. Eu não quero ser injusto com os outros, mas posso fazer esta ressalva, porque ela é mais nova de todos eles, portanto é para dizer que os talentos, muitas vezes, também andam escondidos.