Ana Carolina e Igor Bueno são um casal brasileiro que trabalha com projetos de grande impacto social. O “Diário Azul”, que já conta com três edições, é um livro que retrata histórias reais de autistas, famílias e profissionais da saúde e educação, com a finalidade de informar, consciencializar, quebrar preconceitos e construir um mundo melhor. Em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, Ana Carolina e Igor Bueno abordaram o seu percurso literário, com ênfase na obra “Diário Azul: um olhar para o futuro”, e os seus objetivos para a longo prazo.
Para quem não vos conhece, quem são a Ana Carolina e o Igor Bueno?
Ana Carolina (AC) – Nós somos um casal, estamos noivos e somos sócios há quatro anos. A nossa empresa chama-se Causa Nobre, trabalha com projetos cuja finalidade é ter um impacto social em várias causas, seja o autismo, o cancro da mama, entre outros. A causa atual já, há quase quatro anos, é o autismo. O nosso trabalho tem-se expandido por todo o Brasil e, agora, o nosso principal objetivo passa por trabalhar o autismo e outras causas sociais, em Portugal.
Igor Bueno (IB) – Dando seguimento ao que a Ana disse, o que materializa, neste momento, esta causa é o livro. Este projeto já está na terceira edição e nós queremos replicar, em Portugal, os resultados que alcançamos no Brasil. Os nossos livros lá já estão todos esgotados, não há mais a possibilidade de compra. A nossa estadia em Portugal decorreu de outubro a dezembro de 2022, onde trabalhamos com o livro atual para divulgar a próxima edição que vamos fazer, que vai contar histórias de pessoas do Brasil e de Portugal que vivem o autismo.
Quando e como é que começou a vossa aventura literária?
IB – Bom, nós trabalhamos há muitos anos com comunicação, marketing e eventos, em suma, com tudo o que é relacionado à criatividade. Chegamos a um determinado momento em que começamos a sentir falta de fazer um pouco mais do que isso, ou seja, gerar impacto social para causas que nós víamos que eram importantes. Com o passar do tempo fomos querendo trazer para dentro do nosso próprio trabalho, para que pudéssemos gerar impacto através dele, e aí surgiu a Causa Nobre. Nós fomos convidados para escrever um livro sobre o cancro da mama, onde contássemos histórias de mulheres que vivem com essa doença e esse livro foi muito marcante para nós, porque conseguimos ver a importância que era levar para as pessoas as histórias daquelas mulheres, que tinham algo a falar sobre as suas vidas e os seus desafios. Quando nós terminamos esse projeto vimos que, pessoalmente e profissionalmente, fazia muito sentido continuarmos a atuar com outras causas. Neste sentido, paramos e pensamos qual seria a próxima causa de bastante relevância para a sociedade, que fosse importante de ser trabalhada, comunicada e aí surgiu o tema, autismo. Nós elegemos esta temática e colocamo-nos à disposição para começar a procurar histórias de pessoas e, a partir daí, recolhemos testemunhos de pais, mães, profissionais da área da saúde e da educação, que são o conteúdo do livro. Este traz histórias, não propriamente nossas, mas de outras pessoas que vivem o autismo e que gostariam de contar ou compartilhar alguma coisa com a sociedade.
Foi fácil chegar a essas pessoas ou sentiram alguma dificuldade. E quanto a arranjar parceiros para este vosso projeto?
AC – Nós achávamos que o primeiro livro ia ser o único, mas a partir desse projeto começaram a surgir muitas outras pessoas, nós já conversamos com mais de 100 famílias. Quanto mais pessoas apareciam, mais nós precisávamos de ampliar o projeto, tanto é que já estamos na terceira edição, a caminho da quarta, porque ainda existem pessoas a aguardar para que possam contar as suas histórias e o nosso principal objetivo passa por dar voz a essas pessoas.
IB – Os nossos projetos sempre foram independentes, sempre foram produzidos por nós. Agora, obviamente, nós recebemos muitas respostas negativas quando procurávamos parceiros, até mesmo participantes, mas acreditamos que isso é muito normal, principalmente, quando se apresenta uma proposta que é diferente. Temos, no entanto, de destacar que, mesmo com as todas dificuldades, sempre tivemos parceiros sensíveis aos nossos projetos, que estão connosco sempre, em qualquer projeto que desenvolvemos. Em suma, há sempre dificuldades em projetos que valem a pena, independentemente da área, mas nós sempre tivemos, de uma maneira ou de outra, pessoas e parceiros que acreditaram no nosso trabalho.
De onde surgiu o título deste livro?
IB – Desde o início que nós queríamos que o livro tivesse esta ideia de contar histórias de outras pessoas e do seu dia a dia. As famílias compartilharam as suas rotinas, nós temos histórias de autistas adultos e crianças que contam as suas rotinas diárias ou de profissionais que contam o seu trabalho diário e foi aí que chegamos ao nome “Diário”, porque é justamente isso, um relato das experiências, sentimentos, vivências. O “Azul” porque criou-se, com o passar do tempo, uma associação dessa cor com o tema do autismo, embora isso não seja uma regra. Por exemplo, no Brasil, a cor azul está muito ligada ao autismo em campanhas de consciencialização, em programas e em projetos, então nós pensamos em “Diário Azul”, porque seria um diário dessas pessoas e dessas histórias.
O que as pessoas podem esperar desta 3ª edição do livro “Diário Azul”? E quais são as perspetivas para a 4ª edição?
AC – Nesta 3ª edição, intitulada de “Diário Azul: um olhar para o futuro”, nós pedimos para os participantes contarem um pouco mais sobre as suas perspetivas de futuro. Esta edição teve como objetivo recolher novas resoluções para a causa do autismo, quer sejam melhores condições na área da saúde, da educação, neste sentido, nós pedimos para que eles falassem sobre isso, o que é que queriam que melhorasse em relação a esta causa. A nossa perspetiva para a 4ª edição é fazer uma conexão Brasil-Portugal, com histórias de portugueses e brasileiros para que possamos ter essa troca de experiências, porque, apesar de temos muitas coisas iguais nessa área, ainda podemos aprender muito uns com os outros.
IB – Para acrescentar, eu diria que qualquer pessoa que tiver acesso ao livro pode esperar muito conhecimento, muita inspiração, muita aprendizagem de vida, porque estas histórias ensinam muito, não somente a compreender o que é o autismo ou como identificar ou quais os tipos de tratamento após um diagnóstico, mas, na questão emocional, ensina-nos a ter mais empatia, mais respeito pelo próximo. Portanto, as pessoas que tiverem acesso ao livro podem esperar esta essência.
Das pessoas que participaram nesta 3ª edição, qual foi o feedback que receberam?
IB – O feedback tem sido muito bom em todos os aspetos, tanto as famílias, quanto os profissionais envolvidos no livro, deram-nos um feedback muito positivo, sentiram-se muito felizes, muito realizados, porque o livro nada mais é do que uma ferramenta para dar voz a essas pessoas, que tem algo a dizer, a compartilhar e, muitas vezes, não sabem como ou não conseguem compartilhar com o mundo. O livro também já está presente em vários países, então isso é um motivo de alegria, tanto para nós, como para os participantes e o feedback da sociedade tem sido muito bom e, como eu falei anteriormente, o livro traz muito conhecimento, serve para famílias que identificam alguns sinais nos seus filhos, ou em si próprias e, muitas vezes, não sabem qual é o próximo passo. De um modo geral, o feedback tem sido muito bom e é isso que nos motiva a caminhar para a 4ª edição, pelos resultados que este nos trouxe até agora.
AC – Este livro tem ajudado muitos adultos a descobrirem, com 40 anos de idade, que são autistas, então tem chegado exatamente nessas pessoas. É uma obra muito simples de ser lida, não é um livro técnico, vai direto ao ponto e tem ajudado inúmeras famílias que nos têm dado um feedback muito positivo sobre isso, inclusive, mães e pais que são novos no assunto, com crianças pequenas, que descobrem o autismo nos seus filhos.
Após a recolha de testemunhos no Brasil e em Portugal, sentem que o autismo é um tema que ainda necessita de ser desconstruído?
IB – Sim, na verdade, nós identificamos desafios no Brasil e identificamos alguns diferentes em Portugal. A nossa perceção pessoal é que, no Brasil, este tema já é um pouco mais abordado do que em Portugal, mas o caminho é justamente esse, trazer à tona o assunto, falar, porque só se quebra preconceitos ou estigmas falando de forma clara e adequada sobre o mesmo. Nós encontramos muitos desafios em Portugal, que é o nosso trabalho atual, mas acreditamos que o caminho passa por falar e trazer para as pessoas, esperando sempre alguma resistência por ser um assunto novo, mas nós encontramos exemplos de bons trabalhos, como a APPDA e a AIA, contudo há muito para se evoluir e só se evolui falando sobre o assunto e trazendo isso para a sociedade.
Sem contar com a 4ª edição deste livro, quais são os próximos projetos e sonhos para o futuro?
IB – Em relação à Causa Nobre, os nossos planos são ilimitados, nós identificamos que há sempre algo no mundo para o deixar um pouco melhor. Para nós faz muito sentido atuar para que se consiga melhorar, pelo menos um pouco, o lugar onde vivemos. Atualmente trabalhamos com a causa autismo, mas temos planos, futuramente, de iniciar em várias outras causas. Também já atuamos sobre a temática do cancro da mama, mas queremos ampliar isso e o nosso objetivo, para o futuro, é que as pessoas venham connosco, porque não queremos fazer nada sozinhos, o nosso maior objetivo é fazer com que as pessoas entendam que podem, independentemente de onde estejam, da situação em que se encontrem, sempre fazer algo para tornar o mundo um pouco melhor, cada uma na sua condição e da sua maneira. Queremos levar para o mundo essa mensagem de que todas podem escolher uma causa nobre para atuar e podem, mesmo que seja pouco ou muito, fazer algo para deixar o mundo melhor.
Têm alguma mensagem que gostariam de deixar aos nossos leitores sobre o vosso livro e a causa atual?
AC – Este livro tem sido muito bom na nossa vida pessoal, tem-nos ajudado a evoluir bastante em relação à empatia, à forma como olhamos, ajudamos e damos voz ao próximo. Este livro tem, também, o objetivo de mostrar às pessoas, que não têm nada relacionado com uma certa causa, que podem ajudar, de alguma forma, ou, pelo menos, olhar para o outro e ver se tem alguma dificuldade. A nossa mensagem é “olhe para o outro, veja o outro, em qualquer situação, e tente ajudá-lo, não seja preconceituoso, tenha paciência, empatia, carinho, porque uma pessoa não sabe o que o outro passa e o que ele sente”. Então, acredito que uma das mensagens principais deste livro é essa, “olhe para o outro”.