Depois de dois anos de interregno, fruto da pandemia que assolou o país e o mundo, o tradicional Cantar às Estrelas saiu novamente à rua, na cidade da Ribeira Grande. Assim, no passado dia 1 de fevereiro, 35 grupos intergeracionais, compostos por duas mil pessoas, incluindo elementos de uma comitiva gaiense, entoaram o seu cântico, homenageando a Nossa Senhor da Estrela, no âmbito da 30ª edição deste evento, que abrilhantou o coração do concelho e da população. José Manuel Bolieiro, presidente do Governo Regional dos Açores, e Luís Garcia, presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, marcaram, pela primeira vez, presença neste momento cultural, que honrou uma tradição secular.
Depois de ter sido recuperada, no final de 1993, por António Pedro Costa, então presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande, e o seu executivo, e de se ter realizado a 1 de fevereiro de 1994, a tradição secular do Cantar às Estrelas tem contado, de ano para ano, com a adesão massiva, não só dos ribeiragrandenses, como dos micaelenses e dos açorianos que se encontram na diáspora. “Quando comecei com a recuperação desta tradição, eu nunca imaginei que pudesse atingir tamanho brilhantismo. Felizmente, foi bom que se lançasse este momento, que já estava esquecido. A festa cingia-se, apenas, à igreja e nós resolvemos trazer a tradição para a cidade e foi assim que, com apenas 11 grupos, na altura, fizemos com que, a partir daí, toda a gente quisesse aderir e aumentasse cada vez mais, até chegarmos à grandiosidade que encontramos esta noite, na Ribeira Grande”, revelou António Pedro Costa, escritor, enfatizando que “trouxe esta tradição para aqui e sinto-me extremamente honrado e alegre por ter deixado, aqui, esta semente, pois foi uma herança e ela perdura, o que é fantástico”.
Acredita-se que esta celebração tem origens pagãs. Relatos da monja Egéria, primeira escritora hispânica da Idade Média, no século IV, referem estes festejos de luz na Terra Santa como uma procissão de velas que os primeiros cristãos celebravam de 1 para 2 de fevereiro de cada ano, antecedendo este dia à comemoração da apresentação de Jesus, no Templo de Jerusalém. Assim, era associada a Nossa Senhora da Luz, da Candelária, das Candeias ou, como é o caso da Ribeira Grande, à Nossa Senhora da Estrela, também padroeira da Igreja Matriz ribeiragrandense.
Desde a primeira edição, na qual participaram apenas 11 grupos no desfile, até aos dias de hoje, em que o número ultrapassa as três dezenas, milhares de pessoas percorrem a Rua Direita, o Largo Hintze Ribeiro, param em frente ao edifício dos Paços do Concelho, para cumprimentarem as edilidades e seguem para a Igreja de Nossa Senhora da Estrela, entoando cânticos em sua homenagem.
A 30ª edição desta festividade, que decorreu no passado dia 1 de fevereiro, assinalou o regresso do evento, depois de dois anos de interregno fruto da pandemia que proliferou em Portugal e no mundo, e o encerramento das comemorações de Natal, que começaram a 8 de dezembro, com as Festas em honra de Nossa Senhora da Conceição, e contou com a participação de 35 grupos intergeracionais, compostos por duas mil pessoas, nomeadamente micaelenses de diversas freguesias do concelho e da ilha e uma comitiva gaiense, constituída por Rui e Odete Caldeira, proprietários da Quinta da Boucinha, Joaquim e Celestina Leite, proprietários da Ciclocoimbrões, assim como de António e Rosa Domingues. A noite foi brindada com o brilho das estrelas e ficou, também, marcada, pela primeira vez, com a presença de José Manuel Bolieiro, presidente do Governo Regional dos Açores, e Luís Garcia, presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
Para Alexandre Gaudêncio, presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande, o Cantar às Estrelas é uma manifestação cultural do concelho, que, cada vez mais, junta os mais velhos aos mais novos, permitindo que os jovens se sintam mais próximos das tradições.
Todos os anos, milhares de pessoas visitam a cidade, neste dia, para louvar a padroeira, erguendo cânticos em sua honra. “É com muito gosto que, ao fim de dois anos de paragem, recebemos o Cantar às Estrelas e foi uma das melhores edições de sempre, não só pela quantidade de pessoas que estiveram na rua a ver os grupos, mas também pela participação, pois foi uma das maiores de sempre. Nós temos 35 grupos, com dois mil figurantes e a mim apraz-me muito ver que, uma grande parte destes, são jovens e crianças, o que significa que esta dinâmica e identidade cultural está para ficar e é sempre positivo quando passa de geração em geração, então fica, aqui, este cunho, que não deixa de ser, também, interessante”, enalteceu o edil ribeiragrandense, que faz, sempre, questão de participar, ativamente, nos grupos.
O anfitrião da iniciativa ressaltou, ainda, a importância desta tradição para o comércio local. “Isto mexe com a economia e a dinâmica, sem dúvida, não só porque recebemos inúmeros visitantes, que se deslocam à Ribeira Grande propositadamente para participarem nesta festividade, mas também porque a população e os comerciantes preparam sempre um beberete, com a doçaria da época e os licores, para receberem os mais diversos grupos”, sublinhou o autarca, asseverando que “tem sido intenção deste executivo camarário aliar as tradições à modernidade, por forma a criar novas oportunidades para o concelho, não perdendo a identidade local. A aposta em novos investimentos que integrem aquilo que nos identifica, permitirá potenciar o que já existe, nomeadamente a nossa restauração, alojamento, turismo e restantes setores”.
Também, na ocasião, Manuel da Silva Galvão, pároco da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela, evidenciou que “a devoção, aqui, é, sem dúvida, muito grande a esta que é a padroeira do concelho da Ribeira Grande, e isso vê-se pelo número de pessoas que vêm cá na altura das festas e neste dia do Cantar às Estrelas, que não é só profano, porque as letras das músicas são preparadas com um cariz religioso”, reforçando que “nós centramos a nossa vida cristã na grande estrela, que é Jesus que Maria apresenta, que nos entrega como a luz que nos pode iluminar e conduzir pelos caminhos da nossa vida e da nossa caminhada”.
Por outro lado, Piedade Lalanda, professora da Universidade dos Açores, destacou que o Cantar às Estrelas representa “o renovar do tempo”, uma vez que se trata de “uma data, sem dúvida, muito importante, pois, em muitas casas, é o dia em que vão encerrar os festejos de Natal”.
Garantindo que o objetivo de entoar cânticos em homenagem a Nossa Senhora da Estrela acaba por juntar as pessoas e as organizações, a professora mencionou “a importância das relações, do convívio, da coesão e das comunidades”, salientando que “esta terra não é só belezas, é, também, pessoas que vivem o quotidiano e que sabem fazer a festa”.
Assim, a 30ª edição do Cantar às Estrelas terminou com a ânsia de que a próxima volte a superar todas as expectativas.