Em 2013, Ricardo Rodrigues assumiu a presidência do concelho que o viu nascer, num momento em que este passava por uma complicada situação financeira. Os primeiros anos do seu mandato acabaram por ficar marcados pela falta de dinheiro, mas o autarca não desistiu e, ao fim de nove anos, está orgulhoso de tudo o que conquistou para a sua localidade. Para o futuro, espera ver terminada a ampliação do parque industrial do concelho, bem como o melhoramento da rede de saneamento e o Museu Municipal reconstruído. No entanto, a maior necessidade de Vila Franca do Campo é a habitação. Em breve, serão construídas 50 casas, que servirão as famílias mais carenciadas, mas, também, serão uma oportunidade para jovens casais, uma vez que haverá a possibilidade de compra dos edifícios.
Fale-nos um pouco sobre quem é o presidente Ricardo Rodrigues.
Eu nasci aqui, na Ilha de São Miguel, a minha família é toda daqui, do concelho de Vila Franca do Campo, desde os meus avós, quer paternos, mais concretamente da freguesia de Ponta Garça. Eu fiz os primeiros estudos lá mesmo, em Ponta Garça, depois aqui em Vila Franca do Campo e, mais tarde, em Ponta Delgada. Fui estudar em Lisboa, tirei o curso de Direito, na Universidade Clássica, porque no meu tempo não havia universidades privadas e fui advogado durante 16 anos. Depois, ingressei na política, fui membro do Governo Regional durante quatro anos, posteriormente deputado da Assembleia da República durante oito e resolvi candidatar-me na minha terra natal e, agora, sou presidente da Câmara, há nove anos.
Esta entrada no mundo da política acontece por influência familiar ou é um gosto pessoal?
Não tenho antecedentes na política. Enquanto advogado, que fui durante 16 anos, sempre tive intervenção em causas sociais, de interesse público, nomeadamente de origem ambiental. Ajudei a fundar algumas organizações ambientalistas, no final dos anos 80, como a Quercus, em São Miguel, e ajudei, também, a criar um grupo de defesa das lagoas de São Miguel, denominada SOS Lagoas. Por outro lado, fruto também da atividade profissional, porque fui advogado dos lavradores e dos pescadores, portanto, sempre tive alguma intervenção social. Nesse particular, interessava-me as causas públicas e, por isso mesmo, das causas públicas à política foi um passo natural. Penso que, no fim, dei um contributo, ainda que modesto, nas várias intervenções que tenho tido, ou seja, desde o Governo, à Assembleia da República e, agora, na Câmara. Posso dizer que tenho experiência política suficiente para me ir embora.
Passou, como disse, por diversos cargos políticos e está, agora, a liderar a terra onde nasceu. É mais difícil liderar em casa?
Não é mais difícil, são coisas diferentes. No Governo dos Açores eu tinha a tutela, primeiro do Ambiente, depois da Agricultura e Pescas, e, portanto, são setores muito importantes aqui nos Açores. É só mais direto, ou seja, nós vemos o resultado mais direto e imediato das nossas ações e essa é, digamos, a motivação que eu tenho para ter exercido os cargos políticos que exerci. Eventualmente, como deputado, via-se menos ação direta e as consequências das nossas decisões, nas Câmaras Municipais nós vemos com relativa frequência o resultado de políticas que nós definimos como essenciais para o desenvolvimento do concelho e para o apoio às famílias, consegue-se ver de um ano para o outro, ou em dois, três anos, daí que é, também, muito motivador e compensador poder interferir no evoluir da situação do concelho, e isso é que me motivou a candidatar-me. Acresce, também, que a Câmara vivia uma situação financeira difícil e que, uma pessoa com experiência, como era o meu caso, quer por ter sido advogado, quer pelos cargos que tinha exercido, senti-me com mais à vontade para tentar ajudar a dar a volta ao concelho, porque tínhamos, realmente, uma situação financeira muito difícil e, agora, está apaziguada.
Quando entrou como presidente da Câmara de Vila Franca do Campo, em 2013, quais eram, então, as suas prioridades?
Nessa circunstância, a prioridade era regularizar a dívida do concelho. Na altura, nós éramos a segunda Câmara mais endividada do país, era uma dívida muito elevada e, por isso, era preciso ter uma estratégia de negociação. Depois, era preciso reorganizar todo o funcionamento dos serviços públicos do município e isso levou algum tempo, aliás, levou mais de um mandato para regularizar, essa foi a principal motivação e o que me ocupou durante muito tempo. Eu assumi isso diretamente e pessoalmente, as reuniões com administrações de bancos, em Lisboa, o reformular do funcionamento da Câmara e isso demorou alguns anos a concretizar. Felizmente, fizemos tudo num bom caminho, não esquecendo, naturalmente, aquilo que eram as situações urgentes do concelho, mas, na altura, sobrava muito pouco dinheiro para pagar a dívida e socorrer situações urgentes. Isso levou, talvez, os primeiros seis anos para resolver e, depois, entramos numa fase mais regular e de maior estabilidade. Hoje, os principais problemas que temos tem a ver com a habitação, e é transversal à ilha, aliás, ao país, mas a Câmara tem um projeto em curso para a construção de 28 apartamentos. O Governo Regional também tem um projeto para a construção de alguns apartamentos aqui e vamos adquirindo algumas casas ao longo do ano. Elaboramos uma estratégia local de habitação e estamos a cumpri-la, mas tudo isso demora muito tempo, há muita burocracia, são fundos públicos, o processo tem de ser todo transparente, portanto, já estamos nisso há cerca de três anos, mas penso que este ano vamos poder lançar o concurso para essas habitações, o que é muito significativo para as necessidades do concelho.
Esta falta de habitação é resultado de falta de investimento privado na construção, por exemplo?
São várias coisas. Primeiro, a diminuição dos privados na construção de habitação, porque este não foi um setor que tivesse merecido a atenção dos privados. Em segundo lugar, o aumento do turismo em São Miguel, e nos Açores em geral, levou a que muitos que tinham casas de segunda habitação ou desocupadas as usassem para alojamento local. Essas duas circunstâncias juntas fizeram com que a oferta de habitações fosse muito menor do que a procura e isso, por sua vez, levou a que os preços aumentassem significativamente, quer o preço das casas, quer o preço dos arrendamentos e tornado quase incomportável às famílias com menos recursos adquirir uma habitação, quer por renda, quer por compra, daí que a intervenção pública é indispensável e necessária para regularizar o mercado para ver se retomamos a normalidade nesse setor.
Esta habitação pública, à partida, terá um valor de renda mais acessível?
Sim, por um lado um valor de renda é mais acessível mas, por outro, também, há a possibilidade de compra. Em cooperação com o Governo, vamos dispor de mais de 50 habitações, quase em simultâneo, para a população, onde algumas serão para as famílias mais carenciadas e outras serão para casais jovens, que podem, também, fazer a compra ou arrendamento com opção de compra no final. Enfim, são várias as alternativas que estão a ser estudadas para colocar à disposição das pessoas e dos casais do concelho.
Ao longo destes nove anos, quais foram os principais projetos que surgiram e de que forma o presidente foi alterando a dinâmica do concelho?
Como disse, os primeiros anos ficaram muito marcados pela falta de dinheiro. Antes de mim, o meu antecessor, chegou a não ter dinheiro para pagar combustível, as contas da Câmara foram penhoradas e, portanto, estávamos numa situação mesmo de garrote financeiro. Hoje em dia é diferente e a estratégia assentou em várias áreas. Em primeiro lugar, nós temos uma costa e, em dois pontos em concreto, o mar estava a avançar e a conquistar terra, portanto, foi preciso, estruturalmente, dar segurança às populações que viviam perto do mar. Foram dois projetos, um na Vasco da Silveira e outro que estamos a concluir, aqui na praia do Corpo Santo, duas obras estruturais. Por outro lado, a juventude tinha falta de um campo de jogos, que estava fechado há mais de 20 anos e que nós recuperamos, conseguimos reabrir o Campo de Jogos da Mãe de Deus, que foi um investimento avultado, mas a juventude precisava mesmo de um sítio para poder praticar desporto. A habitação foi, como já referi, outro dos desafios que abraçamos. Depois, uma estruturação que tem a ver com o apoio a famílias carenciadas, de regulamentos próprios para fazer face a necessidades imediatas, porque passamos por duas crises, uma que teve a ver com a pandemia e era preciso ajudar as pessoas e as empresas. Houve um esforço significativo, investimos mais de 600 mil euros nesses apoios às famílias e às empresas. Depois, também de forma estrutural, o aumento do parque industrial, que ainda está em curso. A sua ampliação vai ficar por mais de quatro milhões de euros, mas isso também solidifica as empresas locais, para terem estabilidade e originarem emprego, portanto, foram várias as áreas que tentamos, digamos, resolver. Uma área estrutural, que tem a ver com a costa, uma segunda área de apoio aos empresários, quando foi preciso, mas também de ampliação do parque industrial e apoio às famílias carenciadas. Também atribuímos, recentemente, mais de 20 bolsas de estudo para os nossos jovens que vão para a universidade terem o apoio da Câmara Municipal. Ou seja, nós tivemos várias intervenções no âmbito social, empresarial e no âmbito estrutural do ordenamento do território. Tenho a consciência tranquila de ter feito o melhor que sei e o melhor que posso, dentro dos recursos que a Câmara Municipal dispõe.
Referiu o apoio às famílias carenciadas. Durante o período pandémico houve um aumento no número de pedidos de apoio?
Sim, muito. Na pandemia, São Miguel viveu um momento muito difícil, porque a decisão política da altura foi de fazer cercas sanitárias em todos os concelhos e, portanto, ficamos proibidos de circular, ou pelo menos havia limitações muito fortes no que dizia respeito à circulação das pessoas, daí que a Câmara teve de ajudar, mesmo na compra de alimentos e medicamentos. Enfim, houve necessidades muito concretas de desinfetantes e tudo isso, e a Câmara tentou e conseguiu ajudar muitas famílias, e também empresas que fecharam, nomeadamente a restauração, onde fecharam todos durante algum tempo e, portanto, foi preciso apoiá-los e nós fizemos um regime de apoio específico a essas empresas. Como disse, no concelho que tem cerca de 11 mil habitantes, investimos 600 mil euros nesses apoios, o que foi significativo naquele ano. Agora, estamos a rever apoios porque, exatamente na habitação, e no apoio às famílias para a habitação, queremos tentar ajudar nas próprias rendas, porque subiram muito de preço. O Governo Regional tem um programa para esse efeito, mas às vezes não tem uma resposta imediata, leva tempo. Imagine um cidadão que encontra uma casa e lhe pedem 600€ de renda, mas ele só consegue pagar 400€, há uma candidatura que se pode fazer no Governo Regional, mas só abrem uma ou duas vezes por ano, ou seja, há ali uns cinco ou seis meses em que a pessoa não consegue e o senhorio não fica à espera da decisão, por isso, criamos um programa de apoio direto às famílias, para poderem compensar os senhorios no valor da renda. Acreditamos que será uma ajuda significativa.
Saídos da pandemia, a guerra trouxe, também, com ela, uma fase de caos e dificuldade. Tem sentido esse efeito na comunidade?
As crises começam, primeiro na Europa e no continente e chegam, aqui, um bocadinho mais atrasadas e por isso é que estamos a antecipar medidas ou a regulamentá-las, para que quando for precisa essa ajuda, nós possamos dar resposta. É isso que estamos a tratar, fazer alteração de regulamentos que são necessários para se poderem atribuir apoios. No último regulamento as pessoas para serem apoiadas tinham de ser mesmo famílias carenciadas, mas, hoje em dia, os apoios têm de ir um bocadinho mais longe e abranger, por exemplo, famílias com alguns recursos, mas que não são os suficientes para fazer face às dificuldades, portanto, aumentamos per capita o valor do rendimento familiar para poderem candidatar-se a esses apoios.
Gostaria que destacasse, também, alguns projetos no âmbito cultural, em que o concelho tivesse apostado nestes últimos anos.
Na área cultural temos algumas tradições nas quais apostamos. Vila Franca do Campo tem uma tradição em olarias, por isso, recuperamos as olarias que estavam degradadas e fizemos um Roteiro das Olarias onde, hoje em dia, até fazem workshops, que funcionam, tanto para os cidadãos que vivem cá, como para quem nos visita. Esse Roteiro das Olarias foi uma das áreas em que investimos e que teve e tem sucesso. As tradições que nós temos, por exemplo, no Natal, estavam mais apagadas e conseguimos recuperar os presépios por cada freguesia, para dar visibilidade e notoriedade a todas as localidades, à Câmara Municipal e à vila, por isso, consideramos que o Natal foi outra das apostas, onde motivamos o crescimento da circulação das pessoas, até para visitarem essas freguesias, com uma tradição tão nossa, como essa dos presépios. Depois, reforçamos uma das festas e o feriado municipal, o São João. Como não havia um sítio onde pudéssemos, com segurança, higiene e salubridade, fazer grandes espetáculos, fizemos esse investimento. Hoje em dia temos espetáculos com sete, oito e até dez mil pessoas, num espaço ao ar livre, mas também temos, isso de um investimento anterior, o AçorArena, onde será possível fazer grandes espetáculos, também, em contexto de interior. Portanto, na área cultural fizemos esses investimentos e também mantemos o apoio às várias coletividades do concelho, às filarmónicas, aos grupos de folclore, grupos de jovens e todas as instituições que têm as suas dinâmicas na área recreativa e cultural, através de um protocolo de cooperação. No desporto, como referi anteriormente, investimos no Campo de Jogos da Mãe de Deus, mas, depois, também todas as freguesias dispõem de um recinto desportivo, para que os seus jovens possam praticar desporto. Essas foram as áreas, em geral, de apoio à juventude, para hábitos saudáveis de vida. Às empresas, o apoio está relacionado com a ampliação do campo industrial, que também vai ser muito importante.
Quais os projetos que estão, neste momento, em andamento e que ainda espera ver concluídos até ao final do mandato?
Por um lado, a conclusão do projeto que tem a ver com a habitação, que já mencionei. Também esperamos candidatar-nos a fundos comunitários para uma área de saneamento básico que faltava no concelho, que é um projeto muito dispendioso, bem como a recuperação do Museu Municipal, uma vez que se trata de um edifício que está bastante degradado e que também esperamos poder recuperá-lo no próximo Quadro Comunitário, que, aqui nos Açores, abrirá candidatura em junho. Estamos preparados para, quando abrirem as candidaturas a fundos comunitários, podermos avançar com esses projetos, de saneamento básico e do Museu, que são investimentos avultados. O Museu é cerca de dois milhões de euros e o saneamento básico à volta de quatro milhões. Depois, continuamos, no dia a dia, a fazer as benfeitorias e as melhorias, por exemplo, nas vias e estradas municipais, que são necessárias, porque algumas estão degradadas e precisamos de continuar a conserva-las. É um investimento ao qual temos de estar atentos e, este ano, temos um orçamento que vai dar reposta a muitas dessas solicitações.
E quais são os sonhos para o futuro?
Os sonhos são muitos, mas, às vezes, é preciso adaptar os sonhos à realidade e eu também já não tenho idade para ter grandes sonhos, porque é o último mandato e já não me posso candidatar mais, os próximos terão os seus próprios sonhos. O que é bom de ver é que nós, nestas funções, queremos é o bem-estar das nossas populações. Na área recreativa ainda precisamos de fazer algumas coisas no concelho, recintos onde as pessoas possam conviver e estar, designadamente ao ar livre e em espaços verdes, que são necessários. O ambiente precisa da ajuda das entidades publicas, na criação de mais espaços verdes, arborização, essa é uma área importante. Há outro projeto que nós iniciamos e que eu não vou poder concluir, que tem a ver com a proteção de todas as nascentes de água do concelho, para continuarmos a ter uma boa água para os nossos cidadãos. Já adquirimos vários terrenos onde existem essas nascentes para podermos salvaguardar essas áreas, é um projeto com amplitude de futuro, para mantermos a qualidade da água. Temos de ir comprando devagar porque a disponibilidade financeira não é total para podermos avançar na compra de todos os terrenos, vamos comprando e fazendo os projetos de reabilitação ambiental, de naturalização de todas essas áreas, o que também requer investimento, e, portanto, tem de ser feito ao longo dos anos e espero que os meus sucessores continuem esse projeto, que dá, digamos, sustentabilidade à vida, a água é um bem essencial e por isso temos de cuidar bem dela, para que os nossos cidadãos possam consumir água da torneira. Neste momento podem consumir livremente, fazemos análises e, por exemplo, o ano passado recebemos uma distinção por termos a melhor qualidade de água dos Açores. Deixa-me orgulhoso, claro, porque corresponde ao trabalho desenvolvido, não só para mim, como coordenador, mas para uma vasta equipa que, cada pessoa na sua área, dá o seu melhor para termos os melhores serviços para a população.
Se tivesse de escolher apenas um momento deste nove anos à frente dos destinos de Vila Franca do Campo, qual seria?
Os momentos que me realizam, sempre, são as entregas de casas a famílias. Conheço muitas famílias onde vivem pais, filhos e netos, todos na mesma casa, às vezes muitas pessoas no mesmo quarto, situações de salubridade, e, portanto, sempre que conseguimos entregar uma casa a uma família, para mim, é um momento de alegria e é um dos momentos que recordarei para o resto da vida.
O que é que, ainda hoje, passados nove anos, o motiva, diariamente, quando entra no gabinete da presidência?
A única coisa que pode motivar um presidente da Câmara é contribuir para o bem-estar da sua população, portanto, tudo o que cada um de nós puder fazer para contribuir para esse bem-estar, para a qualidade de vida, deve fazê-lo. Temos, no concelho, pessoas carenciadas, pessoas da classe média, pessoas que vivem com muitos recursos, e, portanto, temos de chegar a todos e isso tem muito que ver com o ordenamento do espaço público, com a qualidade que podemos dar a todos os cidadãos, nos jardins, nos espaços verdes, na qualidade das estradas, tudo isso contribui para que as pessoas se sintam felizes e agradadas a viver no concelho onde vivem.
Ainda faltam três anos para encerrar este ciclo, mas, no final do seu mandato sairia feliz se…
Se concretizasse os últimos projetos que anunciei. Às vezes entre os desejos, a vontade e a realização, vai uma distância, e, portanto, se os projetos do saneamento básico, da reconstrução do Museu Municipal e da ampliação do parque industrial estiverem concluídos, bem como a habitação, que é fundamental, fico feliz e acho que dei um bom contributo ao meu concelho.