UM GRANDE AMOR ABALADO POR UMA DURA REALIDADE SOCIAL

Arranca hoje o concurso de contos “Um Caso Policial no Natal”, que animará a nossa secção até meados do próximo ano, dando assim espaço aos potenciais escritores que habitam em cada um de nós, jovens e menos jovens, com mais ou menos experiência na escrita de ficção, que queiram mostrar o que muitas vezes repousa escondido no fundo da gaveta dos nossos receios mais íntimos, à espera de tempos considerados mais oportunos. Esta é a hora! Está na altura de libertar a “obra”, deixar que ela ganhe asas e inquiete os espíritos de quem se disponibilize a lê-la, aqui ou em qualquer outro meio de divulgação formal ou informal. Por aqui, neste pequeno e despretensioso espaço de cultura e entretenimento, a oportunidade estende-se até 31 de dezembro, data limite para envio de trabalhos de pequeno formato (duas a quatro páginas A-4, corpo de letra 12 / Times New Roman, 1,5 espaços), no género policial, cuja ação deve ser centrada no Natal.

O endereço eletrónico salvadorsantos949@gmail.com é a via disponível para o efeito, sendo a publicação dos originais feita por ordem de receção. Respeitando essa premissa, o conto que abre a lista de contos a concurso, publicado em duas partes, é da autoria de Fernando A. F. Aleixo, que nos relata a história de um grande amor vivida em tempos sociais muito conturbados.

“Um Caso Policial no Natal” – PRIMEIRO CONTO

O CONTRATO, de Fernando A. F. Aleixo

I – PARTE

Conheceram-se muito jovens, de tenra idade, ela mais nova do que ele seis anos, ele vindo do Alentejo para trabalhar, aos 14 anos, numa oficina de mecânica estávamos em 1974, no ano do “25 de Abril”, da liberdade. Mina, diminutivo de Felismina, era assim que era conhecida no largo onde brincava e recebera o nome proveniente da avó materna, uma exigência da sua mãe, sempre foi assim, dar-se o nome aos herdeiros, dos antepassados. Por coincidência a alcunha dele era o “Mino Alentejano” porque se chamava Felismino e talvez, também por isto, quando se conheceram na rua, e disseram os nomes um ao outro, um sorriso infantil e cúmplice se apoderou dos dois. Passaram-se mais quatro anos, ela já tinha 12 e ele 18, embora o alentejano, tímido e algo complexado continuasse menino, na lisboeta já se notava um corpo de senhora… esbelto e a desenvolver-se pelo que já quase não se notavam as diferenças de idades! As saias curtas que a Mina usava e os seus peitos que pareciam querer saltar para fora das pequenas t-shirts que vestia, eram bastante observados pelos mais velhos, colegas de profissão do Mino, mas evidentemente ainda se tratava de uma criança!

Até que veio o serviço militar e o Mino depressa foi chamado para a Polícia do Exército, pois a Polícia Militar tinha-se extinguido após o “25 de Abril”. Nessa altura já saíam juntos aos domingos, Mina já completara 15 anos… estava uma mulher, mas continuava a estudar, nada de trabalhar! O trabalhador era o Mino. Recruta militar em Portalegre, Escola de Cabos na Ajuda, porque o “Mimo Alentejano” foi dos melhores em notas de testes e recambiamento para Elvas, mas depressa se passaram ano e meio e ele voltou mais forte, mais homem, Mina já fizera 16, quase 17 e o que ela se ria quando o tropa erguia os músculos e mostrava as suas asas evidenciando as costelas! A rapariga tocava-lhe no corpo e ambos estremeciam. Pretendentes eram muitos, aos dezassete anos não faltavam, mas a moça parecia saber esperar e sempre se mostrou fiel ao alentejano. Da oficina ele via-a na rua, no largo, no passeio, na varanda de sua casa que se situava mesmo em frente à Oficina e ele lá ia pensando… “aquela vai ser a minha mulher…” “nem que se pintam”! Mas… tinha de esperar… os pais só davam autorização para namorar aos 18 anos. Primeiro os estudos, diziam à Mina. A jovem chegou à idade maior… o rapaz, homem, tinha 24, mas quando estavam juntos a felicidade era enorme! Ela não era muito alta, mas tinha uns olhos grandes, negros e um cabelo encaracolado igualmente de cor preta e quando sorria o sol brilhava e fazia entontecer qualquer um que dela estivesse próximo.

Ainda namoraram três anos dando tempo para o alentejano levá-la à sua Terra Natal e dá-la a conhecer aos seus pais dizendo repetidamente para a sua mãe que “a Mina era como a Mãe… boa dona de casa, sabia fazer comer, etc…”!

A Oficina de Mecânica elegeu-o à categoria de Oficial de 1.ª Classe devido às suas qualidades de bom homem e excelente operário e depressa veio o casamento, uma cerimónia simples, só para familiares e amigos porque o dinheiro não abundava, as famílias eram pobres, mas o que ele ganhava deu para fazer um empréstimo bancário e compraram uma casa nos Olivais Sul. Mina, entretanto, começou a trabalhar acabou com os estudos e no segundo ano após o casamento chegou a primeira filha. O amor que os unia era sublime de paixão única amavam-se inequivocamente. Ele deixou crescer o bigode pela alegria do nascimento da sua primeira filha! Ela ainda continuava de cabelo encaracolado, mas perdeu os caracóis e alguma juventude porque no ano seguinte, por alturas do Natal receberam a “visita” de mais uma filha! Dois anos mais tarde… nasceu outra menina e finalmente, após 11 anos de união, chegou um rapaz, de olhos azuis, como o pai, já que as raparigas tinham, todas, os olhos negros!

Os anos foram passando, mas dado o crescimento da família a Mina deixou de trabalhar e “foi-se abaixo” quando perdeu os seus pais e o irmão, mais novo, num acidente de viação. Agarrou-se aos filhos para se aguentar na vida. Os subsídios eram poucos e o alentejano começou a trabalhar à noite, como Segurança de uma Empresa privada para ganhar mais alguns trocos.

Os filhos cresceram passaram-se 20 anos, 25, formaram-se, todos, mas as dívidas de empréstimos bancários aumentaram – só assim conseguiram pagar as Faculdades – e… o dinheiro já não chegava para tudo. Mina desesperada começou a frequentar uma Associação Humanitária de ajuda às famílias mais necessitadas e lá iam vivendo. Os filhos, os 4, embora formados, não conseguiam arranjar emprego. Até que um dia Mina se chegou junto do marido e abraçou-o de uma maneira diferente! Ele surpreendido, perguntou-lhe:

– Mas, o que é que se passa!?

– Oh, Mino… na Associação conheci uma pessoa, um homem muito rico!

– O quê!? Ai, ai… – comentou ele preocupado.

– Só ele nos poderá ajudar…

– Mas como!?

– Vou casar com ele!!

– O quê!? Estás maluca!?

(continua na próxima edição)