UMA VIDA DEDICADA AO ENSINO ESPECIAL

Atualmente, professor de educação especial no Agrupamento das Escolas de Canelas, Luís Baião foi também um dos fundadores do “Sim Somos Capazes”. Nunca pensou enveredar pelo caminho da educação especial mas descobriu que era a sua vocação.

 

Quem é o Professor Luís Fernando da Cunha Baião?

Um simples professor de educação especial que se diverte imenso com os seus alunos.

 

Era um sonho desde criança ser professor do Ensino Especial?

Apesar de ter um familiar com deficiência intelectual, nunca na minha vida imaginei que seria professor de educação especial. Sempre achei que seria uma tarefa impossível de realizar, pensava que seria necessário ter uma formação extraordinária e que não estaria à altura de enfrentar esse desafio. Entretanto, os jovens com necessidades especiais começaram a frequentar as escolas e a tornar-se meus alunos nas aulas de Educação Visual. O que é certo é que criava uma relação próxima com todos eles, e muitas vezes realizavam comigo trabalhos surpreendentemente interessantes — por vezes, até mais interessantes do que os realizados por muitos dos colegas da turma. Esta pergunta não me saía da cabeça: ‘Tenho jovens com 100% das capacidades que rendem 10% e outros com 10% que rendem 100%… o que é que eu ando a fazer aqui?’. Foi então que decidi mudar de vida.

 

Trabalhou na CERCIGAIA. Foi uma grande experiência ou um grande desafio?

Em 2005, percebi que não estava a fazer a diferença como professor de Educação Visual e decidi arriscar, começando a dar aulas na Cercigaia. Foram sete anos repletos de desafios e uma experiência única, que recomendo a todos os que desejam aprender a verdadeira arte de ensinar. Tive de reformular tudo aquilo que considerava adquirido, repensar as representações que tinha sobre pedagogia e aventurar-me em áreas que me eram completamente desconhecidas, como o teatro e a música. Pelo caminho, encontrei muitas pessoas dispostas a partilhar os seus conhecimentos, indivíduos que foram peças fundamentais para o meu crescimento e desenvolvimento enquanto professor de educação especial.

 

Atualmente é professor de educação especial no Agrupamento das escolas de Canelas. Foi um dos fundadores do “Sim Somos Capazes”. Como surgiu esta grande projeto?

Na altura, não havia resposta para os meus alunos nas estruturas de apoio existentes. O pai de um deles, conhecendo a minha experiência na CERCIGAIA, desafiou-me a criar um projeto. Estava, então, a dar uma formação na escola e, durante o trabalho de um dos grupos — onde participava uma professora desse aluno —, surgiu a questão sobre o futuro e a vida adulta das pessoas com necessidades especiais. Convidámos o pai para partilhar as suas preocupações, e foi a partir dessa conversa que nasceram as bases para o projeto ‘Sim, Somos Capazes’. No ano seguinte, fui convidado para integrar a direção da escola, o que facilitou bastante todo o processo. Apresentámos o projeto ao diretor, que imediatamente o abraçou. Fizemos uma parceria com a Associação Desportiva e Cultural Santa Isabel, submetemos uma candidatura ao programa Portugal Inovação Social, com o cofinanciamento da Câmara Municipal de Gaia, e o projeto foi implementado. Entretanto, o financiamento terminou e o ‘Sim, Somos Capazes’ foi integrado na rede de Centros de Apoio à Inclusão da Câmara Municipal de Gaia.

 

“Serra Mágica”, A Hora do Conto, + Power… que projetos são estes?

Toda a filosofia de intervenção que aplicamos na sala S!Mbiose assenta no conceito de empoderamento e apoio à comunidade. Pretendemos deixar de olhar para estes jovens como aqueles que necessitam de apoio e passar a vê-los como indivíduos que nos podem oferecer apoio e inspiração. A “Serra Mágica” tem como objetivo fazer “magia” na Serra de Negrelos, ou seja, transformar o espaço, eliminando o lixo e substituindo-o por arte criada em comunidade. Simultaneamente, trabalhamos para tornar a serra acessível a todos. A “Hora do Conto” é um trabalho inspirador realizado pelos nossos jovens, dirigido a crianças em fase de iniciação à leitura. Partimos de uma versão mais inclusiva da fábula de Esopo, A Cigarra e a Formiga, que na nossa adaptação se transforma numa verdadeira ‘lição para a vida’. O projeto “+Power”, devido à dimensão que alcançou, evoluiu para uma associação. Os nossos jovens formam professores, capacitando-os para criar recursos digitais que podem ser utilizados numa consola acessível a todos, produzida por estudantes reclusos no Estabelecimento Prisional de Castelo Branco. Mas há mais, muito mais…

 

Em 2020 foi finalista do GLOBAL Teacher Prize Award Portugal considerado um dos melhores professores, esta distinção valoriza o trabalho na área do ensino ?

Em 2020, estávamos desesperados por financiamento para oferecer uma resposta mais eficaz, por isso concorremos a todas as candidaturas possíveis para financiar o projeto ‘Sim, Somos Capazes’. Foi nesse contexto que surgiu o GTP. Embora não tenha vencido o prémio, ganhei algo muito mais valioso: uma parceria para a vida. Durante uma dinâmica de apresentação de apenas três minutos, nasceu o projeto +Power. O meu colega Paulo Serra, uma pessoa com uma visão extraordinária, tornou-se um aliado essencial, e desde então temos “partido muita pedra” para derrubar barreiras. Eu trabalho na inclusão social e ele na reabilitação social. É algo inédito: reclusos a construir consolas para que jovens com necessidades educativas especiais possam apoiar professores. Nem imaginam a força que isso dá aos alunos de ambos os lados.

 

Como decorrem as aulas na sala “Simbiose”?

A sala S!Mbiose é um verdadeiro laboratório de criatividade que escuta os seus alunos, estando, por isso, em constante inovação. Como se costuma dizer, “Deus deu-nos dois ouvidos e uma boca para ouvirmos o dobro do que falamos” — ouvir é essencial para dar voz. Podemos afirmar que, na salaS!Mbiose, os alunos fazem o que querem (de forma orientada) e aprendem com isso.

 

Na visita que fazem a Canelas, ao Agrupamento, muitos professores e alunos de muitos países, do projeto Erasmus, visitam a sua sala. O que nos pode dizer sobre este momento?

Quando visitam a nossa sala e observam os alunos a apresentar e a falar com entusiasmo sobre os seus projetos, os visitantes costumam afirmar que nunca estiveram num lugar assim. Dizem que a sala transmite a sensação de que os alunos têm verdadeiramente uma voz. Muitos comentam que o ensino deveria ser assim de forma generalizada, com salas onde se aprende através de metodologias baseadas em projetos, empoderamento, resolução de problemas, trabalho colaborativo e apoio mútuo.

 

Este este ano foi com os seus alunos à Hungria.  Esta foi uma grande aventura?

Levámos connosco um grupo de três professores. Segundo os próprios, a experiência foi quase transcendental. Os nossos alunos demonstram uma postura e uma gratidão incomparáveis. Criam laços de amizade e oferecem-nos afetos que são raros nos dias de hoje. O comportamento deles foi irrepreensível em todos os momentos. Sinceramente, acredito que aprendemos mais com eles do que eles connosco.

 

Partilha momentos “mágicos”, também, com a Banda Sem Nome (Ainda), em que cantam músicas de autores portugueses e constroem alguns dos seus instrumentos, não é?

Sim, “No peito dos desafinados também bate um coração” – e esse é o meu caso. Tenho alunos a quem dei as bases e que hoje tocam melhor do que eu, que ensinam os colegas e que têm uma energia muito especial em palco. Claro que são jovens de 13, 16, 19 anos, com muito ainda para progredir. Claro que existem outros como eu, menos afinados, mas, no fundo, os nossos concertos transcendem a perfeição. Por isso nos chamamos Uma Banda Sem Nome (Ainda): porque, se fôssemos perfeitos, já teríamos um nome. O que é certo é que aqueles que têm mais capacidades partilham o palco com os que não têm assim tanta habilidade, tal como deveria ser o palco do mundo: um palco de partilha. Já realizaram vários intercâmbios como o que sucedeu com o grupo do CACI da santa Misericórdia da Horta da Ilha do Faial nos Açores. Sim, são sempre momentos muito ricos na partilha. Tão ricos, tão ricos que nos fazem querer voltar a estar juntos, o que é algo que vai acontecer brevemente.

 

Qual é a importância destas iniciativas, e onde já atuaram?

Os dedos das mãos dos meus alunos talvez já não sejam suficientes para contar os concertos que já demos. Tocar numa banda é algo que cria uma energia muito positiva que nos une, mas é o palco e as palmas que os transformam em belos cisnes, desfazendo a imagem de patinhos feios que alguns têm de si próprios.

 

Acredita que é possível seguir os sonhos mesmo com as barreiras impostas pela sociedade?

Isso é algo difícil para todos, não apenas para os meus alunos. A vida não é a escola. A competição não dá tréguas aos mais frágeis; hoje em dia assistimos a muito desemprego e a uma grande competitividade. Embora o mundo esteja em mudança, vivemos numa sociedade que ainda não está preparada para aceitar a diferença. No entanto, temos tido alguns bons resultados com jovens que estão empregados e a seguir com as suas vidas, ainda que não seja propriamente o seu sonho. Mas o projeto começou em 2017 e ainda é cedo para avaliar os seus resultados a esse nível, ou talvez os resultados ainda não tenham uma grande expressão. Eu próprio tinha o sonho de ser astronauta, e hoje sou um sonhador que “viaja” imenso.

 

O que leva na sua mochila para casa, depois de um dia de aulas ou de uma atuação da banda com estes jovens especiais?

A minha mochila anda sempre cheia de realização. Quando fazemos uma apresentação pública em que quase não participo, em que são eles a falar sobre os seus projetos na primeira pessoa, enquanto montam a aparelhagem em 10 minutos para uma plateia de boca aberta, e acabam com um concerto de partir a loiça toda… Como acha que chego a casa? Com uma “inveja” e um orgulho enormes dos meus alunos!

 

Já alguma vez chorou pelo êxito alcançado pelo seu aluno?

Sou mais de sorrisos, mas, sim, já fiquei várias vezes com um brilhozinho nos olhos. Eles sabem que tenho um grande orgulho neles, mas esses momentos acontecem sempre dentro da própria sala e não em palcos.

 

Quando o abraçam e o recebem com grande sorriso, o que sente?

Acho que sinto o mesmo que eles: que somos iguais, que nos amamos, que temos uma grande estima uns pelos outros e que tudo isso é natural. Não há dinheiro que pague essa sensação, nem há forma de a compreender através de uma descrição. Sente-se, e pronto! Não imagino a vida sem essa sensação.

 

Na sua opinião acha que juntos podemos continuar a fazer “história” na Inclusão e Integração em Portugal?

Acho que estamos cada vez mais focados, e o grupo está cada vez mais forte. Os novos elementos que entram absorvem esta cultura rapidamente. E não sou eu que a transmito; são eles que a transmitem uns aos outros, que acolhem os novos colegas, que os inspiram, que lhes dão forças, que os fazem acreditar. Assim como são eles que fazem acreditar os professores e técnicos que assistem às nossas apresentações de que a mudança é possível. Todos sentem essa energia na primeira pessoa, e isso está a revelar-se uma fórmula muito eficaz para todos. Neste momento, estamos a replicar boas práticas em Portugal. A última ação que realizámos foi uma formação creditada para professores na Escola Superior de Educação do Porto. Algo que, pelas pesquisas que fiz, é inédito. Às vezes, os meus alunos têm a capacidade de me fazer sentir pequenino de tão grandes que são. Estamos sempre a aprender, e, neste momento, o motor dessa transformação, dessa partilha, são eles.