A CASA VILA ALICE E O TEATRO ALMEIDA E SOUSA

O PS foi o primeiro partido a anunciar o seu candidato à Câmara Municipal de Gaia nas próximas eleições autárquicas, tendo a escolha recaído sobre o deputado João Paulo Correia, que ocupou anteriormente o cargo de presidente da Junta de Freguesia de Mafamude e Vilar do Paraíso. Foi, aliás, ainda nessa qualidade que este fez saber, na sua conta pessoal do Facebook, que a Casa Vila Alice, em Vilar do Paraíso, onde viveu a famosa Fanny Owen que Agustina Bessa-Luís imortalizou em livro e Manoel de Oliveira transpôs para o cinema em “Francisca”, há muito abandonada à degradação e à ruína, seria brevemente património municipal e objeto de reabilitação. E sublinhou então que aquele imóvel, que é uma das referências do roteiro camiliano, iria ser integrado no conjunto de equipamentos culturais do concelho. Sem fazer notar, porém, que já há muito tempo têm sido encetadas várias tentativas no sentido de converter a casa num pequeno museu sobre Camilo Castelo Branco, autor de uma produção literária extensa, nomeadamente de novelas passionais que fazem dele o maior representante do ultrarromantismo entre nós, que está ligado ao dramático episódio de amor proibido ocorrido naquela casa do Século XIX que possui também uma história invulgar nas lutas liberais em Portugal, sem que os governantes locais tivessem sido sensíveis ao pretendido. E eu quis acreditar que este podia ser um indício da mudança de atitude do município face à defesa, divulgação e preservação do património material e imaterial com que se constrói a memória futura da história do nosso concelho. Mas… até agora nada mais se soube. Será que estão a aguardar o bicentenário do nascimento de Camilo Castelo Branco, que se celebra no dia 16 de março do ano que agora começa, para nos darem uma boa notícia?

Ou será que acontece com a Casa Vila Alice o mesmo problema que faz arrastar no tempo a recuperação de vários outros imóveis históricos, como, por exemplo, o Teatro Almeida e Sousa, em Avintes, cujas obras foram anunciadas em 2019 com conclusão prevista para o ano seguinte (2020!!!), tendo sido prometida a sua transformação num verdadeiro cineteatro municipal, mantendo os traços originais, mas dotando-o de um auditório com 180 lugares e uma sala de exposições, entre outras áreas. Mas na verdade aquele centenário espaço cultural, inaugurado em 1895 e com portas fechadas desde 1997, continua na mesma até aos dias de hoje, isto é, num estado de degradação lamentável. E, apesar do custo estimado da obra (800 mil euros!) estivesse longe de ser compatível com a grandeza da obra, eu quis acreditar. A importância de que se revestia a concretização desta promessa justificaria que se priorizasse a obra face a outras realizações já agendadas ou iniciadas, mas, como se sabe, ela continuou a marcar passo até hoje. E querendo acreditar que a obra nasceria um dia, perguntei-me se já existiria projeto e fiz votos para que, a existir, não fosse um projeto falhado, tanto do ponto de vista conceptual como funcional, e que não tivesse faltado um olhar especializado sobre as diversas técnicas de palco na elaboração de um caderno de encargos definidor de um programa preliminar claro e respetivos parâmetros.

Projetar um teatro constitui um desafio de complexidade conceptual significativa, que obriga a uma articulação de diversas valências e à coordenação de inúmeros projetos. Trata-se de conceber e conciliar a arquitetura generalista com um vasto conjunto de especialidades, como a arquitetura de cena, a engenharia acústica, técnica e eletrónica, o desenho da teia de varas de iluminação e de maquinaria de cena, assim como a configuração dos espaços de controlo técnico, de produção e criação artística. Além disso, há que satisfazer as exigentes normas de segurança, a definição clara de espaços e circuitos de públicos, artistas e técnicos, tendo em conta a qualidade espacial e o conforto físico de todos.

No caso dos teatros (ou cineteatros), a carga técnica e a organização funcional são tão complexas como noutros edifícios, com a diferença de que estão mais concentradas espacialmente na “caixa de palco”. Isto sem esquecer que uma das particularidades destes equipamentos, centra-se na sua relevância social, tanto na carga simbólica da sua inserção urbana, como elemento de referência no território e no imaginário da população, como nos modos do uso do interior, onde se aspira a um espaço que promova um ato social crítico.

Porém, o valor de 800 mil euros estimado para a execução da obra fez-me temer que todos estes requisitos não teriam sido devidamente acautelados. E fiquei agora a saber, através de um anúncio publicado em Diário da República, que a empreitada custará afinal perto de 4 milhões de euros (ou seja, quase cinco vezes mais do que o valor inicial…), uma diferença que a Câmara Municipal explica com a necessidade de fazer alterações ao projeto inicial, sustentando que “foram apenas realizados ajustes não muito significativos” (?!), no cumprimento de algumas condições impostas pela elaboração dos projetos de especialidades.

Assim como estes dois empreendimentos, outros de igual relevância estão também encalhados no “estaleiro” das concretizações. São disso exemplo a Casa-Ateliê de Soares dos Reis, um projeto destinado a terrenos da antiga Fábrica de Cerâmica das Devesas, e muitos outros que importa igualmente colocar na “agenda dos inadiáveis” de todos os candidatos à Câmara. Ou será que não?! Senhores candidatos, avancem e digam ao que vêm.