O AUDIÊNCIA teve, recentemente, no âmbito de uma investigação, acesso a algumas informações e documentos, que colocam em causa a gestão de Paulo Lopes, no que concerne à Junta de Freguesia de Santa Marinha e São Pedro da Afurada. Em entrevista exclusiva, Agostinho da Silva Viana, ex-membro do executivo desta autarquia, revelou o que conduziu ao seu pedido de demissão, sublinhando que não o fez antes, porque “o senhor presidente fazia-me promessas de que as coisas iam mudar”. O antigo detentor dos pelouros da Tesouraria e Cemitérios, confessou que renunciou o cargo de Tesoureiro, meses depois de ter substituído José Correia da Silva, pois “era uma figura decorativa e nada fazia a não ser rubricar aquilo que o presidente dava ordem”. Relativamente àquela que considera “a galinha dos ovos de ouro” da Junta de Freguesia, enalteceu que “encontrei o cemitério de uma forma impensável e acabei com alguns compadrios que havia”. No seguimento dos dados recolhidos, o AUDIÊNCIA contactou Paulo Lopes, mas este não quis prestar declarações. Fique a conhecer todos os pormenores, que serão publicados na próxima edição do AUDIÊNCIA.
O Agostinho da Silva Viana era, até meados de março, vogal do executivo da União de Freguesias de Santa Marinha e São Pedro da Afurada. O que conduziu à sua demissão?
Embora no passado tivesse pedido demissão por outros motivos, a única razão para este pedido de demissão, que entreguei a 27 de março de 2021, foi devido a uma permissão dada por mim, que o senhor presidente da Junta considerou grave. Em causa estava a cedência de uma carrinha da Junta de Freguesia, num sábado de manhã, a pedido de um funcionário do cemitério. Ele pediu-me para o deixar transportar, para casa, umas placas de pladur, que tinha adquirido numa grande superfície. Eu autorizei e por volta das 9h30 desse sábado recebi um telefonema do presidente da Junta, no qual me perguntou se eu tinha conhecimento de que a carrinha estava, na altura, na rua e o que estava a transportar. Respondi-lhe que sim, confirmei que tinha conhecimento e que tinha sido eu a autorizar. Expliquei-lhe exatamente o que se passava, quem tinha pedido e ele perguntou-me quem conduzia, ao que eu respondi que era o motorista, que estava habilitado a conduzi-la. Posto isto, ele disse-me que não o devia ter feito, que era muito grave e eu não entendi o porquê e questionei-o. Ele respondeu-me que era o facto de ceder a carrinha e eu disse-lhe que se era assim tão grave, tínhamos de analisar os dois pessoalmente a autorização deste e de outras carrinhas da Junta de Freguesia, devido a outras utilizações, essas, sim, que eu considerava graves. Estamos a falar de um funcionário, que me pediu e eu prefiro que me peçam e eu autorize, do que façam sem o consentimento de alguém. Portanto, achei de bom tom que ele me tivesse pedido. Autorizei e disse mesmo que, se me pedissem outra vez, voltaria, de consciência tranquila, a autorizar esse transporte. Isto, no seguimento de muitas cedências que foram feitas e que não eram, sequer, para funcionários da Junta de Freguesia. Eu e o presidente ficamos de falar, mas o assunto ficou por aqui. O que despoletou esta reação dele [presidente da Junta de Freguesia de Santa Marinha e São Pedro da Afurada] mais intempestiva foi receber um telefonema de uma colega de outra Junta de Freguesia, que lhe deu conta de que viu a carrinha. Essa pessoa, pelos vistos, tem alguma influência no poder político de Vila Nova de Gaia e, daí, ele ter ficado tão aflito com a situação. Quando, a meu ver, ele só tinha de dizer que o que se passou, tem a ver, apenas, com a nossa Junta de Freguesia e que não era problema de mais nenhuma, porque se eu visse, aqui, uma carrinha de outra Junta, com certeza, não ia questionar o porquê. Mas, pelos vistos, ele não o fez e a pessoa que lhe telefonou causou logo um pânico, porque ele vive numa situação, nesta altura, em termos políticos, complicada. A posição dele, perante o poder político de Gaia, não é a melhor e esta situação contribuiu para que entrasse, mais uma vez, em pânico. É mais uma de muitas. Entretanto, as coisas ficaram assim, eu continuei no cemitério e, apesar de ter só meio tempo, fui lá sempre, sábados, domingos e feriados, durante seis anos. O presidente é detentor de todos os pelouros, mas delega poderes aos restantes colegas do executivo. Eu, além de outros, era responsável pelo pelouros dos cemitérios e, por isso, não ia estar, de cada vez que precisava de tomar uma decisão, a telefonar-lhe e a perguntar-lhe. Nunca o fiz e nunca houve qualquer problema. Pensei que, com este telefonema, o assunto ficaria resolvido e que, a seu tempo, iriamos falar, pessoalmente, com mais pormenores. Até porque eu teria algumas coisas para lhe dizer sobre o tema, mas isso não aconteceu. Após a chamada que recebi de Paulo Lopes, vieram dois funcionários ter comigo, muito aflitos, como é evidente, dizendo-me que o presidente lhes tinha telefonado e referido que tinham feito uma coisa muito grave e que iria mandar proceder a um processo disciplinar, que, possivelmente, seria para despedimento, porque não estava para perder as eleições, por causa disto. Isto foi algo que me indignou e que me levou a tomar uma posição. Achei este argumento perfeitamente descabido e tentei ligar-lhe logo de seguida, mas ele nunca me atendeu. Como tal, na parte da tarde, mandei um email, dizendo que a responsabilidade da ocorrência, que ele considerava grave e que podia levar à demissão dos funcionários, era minha. Ele não tinha conhecimento, portanto não tinha de ter medo de perder as eleições por causa disso e eu, como responsável, apresentava, assim, o meu pedido de demissão. Ele teve a dignidade de me responder numa simples linha e disse: “aceito a demissão de vossa excelência com efeitos imediatos”. Desde esse momento, até agora, nem sequer tentou reunir-se comigo, aliás deixou, inclusive, de me cumprimentar. A demissão já foi concretizada e em Assembleia de Freguesia foi feita a substituição. Passei a ser membro da Assembleia de Freguesia, no grupo parlamentar do PS. Posteriormente, eu e os funcionários do cemitério recebemos cartas do advogado. Achei alguma piada, porque a minha carta dizia que eu também ia ter um processo disciplinar, com intenção de despedimento. Era uma carta igual às outras e eu era membro do executivo. Liguei para lá e mandaram-me uma a corrigir, mas há algumas incongruências. Numa carta que o advogado me enviou, diz que pede imensa desculpa e que esta não era para mim, mas sim para um funcionário, porém diz também que aproveita para comunicar que “no seguimento da deliberação da Junta de Freguesia de Santa Marinha e São Pedro da Afurada, foi dado início a um inquérito interno para averiguação”. Aos funcionários, a única alteração que fez foi a substituição de “com intenção de despedimento”, por “um processo disciplinar, mas sem intenção de despedimento”. Ora isto, com intenção ou sem intenção, é uma coisa que nem o advogado, nem ninguém pode dizer, porque vai ser feito um processo disciplinar e só o resultado deste ditará as penas a aplicar. No entanto, há uma contradição, porque no título continua a dizer “inquérito disciplinar” e não “inquérito interno”.
Quantos funcionários receberam esta carta?
Aí está outro problema, porque o advogado só enviou a carta para dois funcionários, nomeadamente para o encarregado do cemitério, que foi quem pediu a carrinha, e para o motorista. O pessoal do cemitério foi sempre segregado e discriminado. Na quarta-feira anterior ao sábado em questão, a mesma brigada foi, também a pedido do encarregado, e após o horário de trabalho, levantar entulho de uma obra que estava a decorrer na casa da filha desse encarregado. Então, se houve um processo disciplinar, por causa do ocorrido no sábado, também teria de haver para quem foi fazer o serviço na quarta-feira. O que não aconteceu. O pessoal das brigadas, que foi nessa quarta-feira, até hoje, não recebeu carta nenhuma. Irei assumir as minhas responsabilidades até ao fim, porque fui eu que autorizei e os funcionários não têm de ser punidos, por algo que um superior hierárquico autorizou.
Então, pelo que nos diz, era prática habitual a utilização de meios de transporte da Junta de Freguesia, para fins pessoais. Lembra-se de outras ocasiões em que isso tenha acontecido?
Lembro-me de outras utilizações, inclusive, eu mesmo fiz uma intervenção, porque quis clarificar junto da Assembleia de Freguesia, o porquê de ter pedido a demissão, e lembrei, publicamente, a utilização de carrinhas, nomeadamente, uma carrinha de nove lugares que, semanalmente, era cedida a funcionários da Câmara Municipal, para irem treinar futebol de salão. Nem era para os funcionários da Junta, era para funcionários da autarquia, que ele conhecia, porque ele é funcionário da Câmara Municipal, para além de presidente da Junta. Por coincidência, alguns dias depois, vi uma carrinha da Junta a fazer uma mudança. Já se fizeram muitas mudanças para pessoas carenciadas e é normal, mas já não é normal eu assistir a uma mudança às 19h30, fora do horário normal de trabalho, na qual estava o presidente da Assembleia de Freguesia a carregar mobílias. Quando se trata de um processo que ocorreu, normalmente, no Gabinete da Ação Social, o presidente autoriza a mudança e os funcionários realizam-na, não tem de ir o presidente da Assembleia de Freguesia carregar também. Vê-se bem que não é uma situação normal e quando disse isto na Assembleia, a resposta dele foi zero.
Referiu anteriormente que, no passado, chegou a pedir demissão por outros motivos. Algum deles estava relacionado com o pelouro dos cemitérios que tutelava?
Eu não entrei logo, no primeiro mandato, para o executivo. Fui substituir uma pessoa, que teve de sair, por razões que são mais ou menos conhecidas. Quando entrei, fiquei com dois pelouros: os Cemitérios e a Tesouraria. Na altura, toda a gente me disse que ia para um dos pelouros mais complicados de uma Junta de Freguesia, que é o Cemitério, pois é sempre sujeito ao diz que não disse e ao fez que não se fez. Paga-se pelo que não se fez e, ainda por cima, o pessoal do cemitério é discriminado numa Junta de Freguesia. Ainda hoje, infelizmente, existem lá problemas e, ainda hoje, são discriminados constantemente. Não sou ingénuo, estou aqui há alguns anos. Há um problema na Junta de Freguesia com a atribuição dos meios tempos. Eu estava a meio tempo e comigo estavam mais três elementos do executivo. A situação financeira da Junta é muito má, para não dizer que é de falência, porque se não fossem algumas das decisões que nós tomamos, era mesmo falência. Cada meio tempo representa 13 mil euros por ano e nunca houve, por parte, nomeadamente, da Câmara Municipal, a concordância com a atribuição destes meios tempos, por duas razões fundamentais: porque os pelouros que cada um detinha não justificavam, de forma nenhuma, a atribuição de meios tempos; e depois há o problema financeiro que a Junta está a viver, sendo uma contradição a atribuição de mais meios tempos. É evidente que não sou ingénuo e ao libertarem-se de mim já não têm quatro, ficam só com três, porque a justificação para esses meios tempos é ridícula, para não dizer que é atentatória de quem faz a gestão de uma Junta de Freguesia. O pensamento “fazemos bem aos outros também temos de fazer bem aos nossos” é um argumento estúpido, indesculpável e de ruína para a Junta. A Junta de Freguesia, e eu disse isso na Assembleia, não é uma Santa Casa da Misericórdia. As pessoas podem estar a precisar muito, mas isso não é motivo para que seja atribuído um meio tempo, por muito amigo que seja, porque isto não é para amigos. Infelizmente, em alguns casos é assim. Dois ainda se justificavam, quatro nem pensar. O facto de eu ter saído, faz com que seja menos um a pesar no orçamento. Por isso, é que digo que também houve aqui um aproveitamento político. Não foi só o motivo da carrinha, há um aproveitamento político para se verem livres de alguém que tomava posições dentro do executivo. Alguém disse mesmo, “zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades”, e eu fiz questão de a corrigir, porque nunca fui nem comadre, nem compadre, mas tinha de ter solidariedade, enquanto estava lá dentro e os meus problemas tinham de ser resolvidos lá dentro e não cá fora. Ninguém tem conhecimento do que eu estou a dizer, mais especificamente, que pedi a demissão do pelouro do Cemitério e a razão que eu coloquei era, exatamente, estar totalmente em desacordo com o departamento jurídico, pelas posições que estavam a tomar e que contrariavam aquilo que me levou a ir para lá. Quando entrei havia muitos problemas gravíssimos, alguns que, ainda hoje, são impossíveis de resolver. Deparei-me com fraudes, com um processo de corrupção, que foi julgado agora no passado dia 9 de junho. Portanto, não estava para ser contrariado por um advogado, cujo contrato me foi prometido que seria alterado no próximo mandato e que as suas funções iriam ser mais abrangentes do que as presentes no contrato inicial. Apresentei, em 2016, o meu pedido de demissão, dizendo-lhe, exatamente, que não estava de acordo com o departamento jurídico, porque estava a prejudicar aquilo que me fez empenhar no desenvolvimento do meu trabalho no cemitério.
Considerando que veio substituir José Correia da Silva nas funções de tesoureiro e no pelouro do Cemitério, o que é que encontrou nessas duas áreas da Junta de Freguesia de Santa Marinha e São Pedro da Afurada?
No cemitério, tomei logo a decisão de substituir o encarregado. Passou a ser tudo contabilizado, algo que não acontecia antes. Ninguém sabia o valor das esmolas que as pessoas davam e eu passei a fazer um registo semanal, outras bissemanal, sempre acompanhado da empregada da secretaria e do encarregado do cemitério, na contagem do dinheiro. O registo podia ser consultado por qualquer pessoa que quisesse saber o valor das emolas que era doado ao cemitério. Na altura, eu não demiti o encarregado, foi ele que decidiu reformar-se. Porém, ia mudá-lo de funções, porque não confiava nele. Aconteceu, um dia, pedir-lhe, simplesmente, para abrir uma porta que se encontrava fechada, onde se encontravam floreiras e candeeiros. Só o encarregado podia entrar lá. Todavia, eu mudei esse sistema e cada floreira passou a ter um número, que ficava registado na secretaria e quando alguma delas era usava dava-se baixa. No passado vendia-se cera também e era uma coisa completamente descabida. Era fraude, porque ninguém conseguia controlar. Depositavam braços e cabeças de cerna, até na Santinha da Barrosa, e aquela cera, passados 15 dias, era retirada para uma casinha que tinha lá de cera e eu acabei com ela. Essa casa era para o guarda para estar abrigado quando chove ou está calor, não para a cera. Então, a mesma peça era vendida as vezes que calhasse e nunca vi qualquer receita referente a isso. Mas, o facto é que era vendido amiudadas vezes. Acabei com a venda de cera no cemitério. Também encontrei problemas de uma gravidade extrema, como uma sepultura do geral, que não pode ser vendida, e apareceu-me uma pessoa, que é da Afurada, a dizer para não levantar o corpo, porque tinha pago aquela sepultura. Eu pedi os documentos e a pessoa disse-me que não os tinha, porque ninguém lhe tinha dado. Questionei-a sobre a quem tinha dado o dinheiro e respondeu-me que foi ao que está preso [José Correia da Silva]. Eu expliquei que só havia uma solução, que era ir para tribunal e apresentar queixa, porque eu não iria dar posse da sepultura, sem qualquer documento. Isto ainda hoje está por resolver. Ninguém tira o corpo por compaixão, porque, ainda por cima, é do filho de 17 anos da senhora, que foi morto a tiro na Alemanha, e a senhora diz que pagou metade do valor no cemitério e que a outra metade foram a casa dela buscar, mas não tem nenhum título, não tem recibo. Portanto, fui encontrar coisas destas, assim como o processo que está a decorrer no tribunal. Estou a falar de um orçamento feito numa simples folha de papel, no valor de 11 mil euros, para pintar o cemitério. Foram gastos 800 litros de tinta. Foi pago, logo à cabeça, metade, isto é 5500 euros. Quando eu entrei na Tesouraria, a primeira coisa que fiz, foi dizer ao senhor presidente da Junta, que não ia pagar a outra parte que faltava. Eu já estava responsável pelo cemitério e já me tinha apercebido que o que tinha sido feito não justificava os 11 mil euros, nem sequer metade. O orçamento estava aprovado por unanimidade e as contas para pagar no fornecedor dos 800 litros de tinta plástica e 55 litros de esmalte, também, estavam rubricadas pelo presidente. Nunca ninguém pôs em causa, mas eu pus e disse que não pagava. Disse ao presidente que ia chamar o responsável pela obra e que, pela minha parte, não se pagava. Se fosse necessário íamos para o Ministério Público fazer uma averiguação do que foi feito no cemitério. Acabamos por chamar o senhor e eu disse-lhe que, apesar de ele já me ter enviado a segunda tranche, para pagar, não o íamos fazer. Era um direito dele exigir o restante, mas eu não via nada que justificasse os 11 mil euros e 800 litros de tinta até deviam dar para pintar o Estádio do Dragão. Ele só me disse que levava a fatura embora e a Junta acabou por poupar 5500 euros. Por isso, vamos ver como vai correr esse processo. Parece-me que existirão, aqui, outras responsabilidades, quanto mais não sejam políticas, nomeadamente de quem gere uma Junta de Freguesia. Esta foi uma das razões, pelas quais eu, passado pouco tempo, cerca de um ano depois de entrar para o executivo, escrevi uma carta muito dura, ao senhor presidente, dizendo que não me demitia do Cemitério, mas que iria sair da Tesouraria, porque era apenas uma imposição legal ter um tesoureiro, uma vez que eu era uma figura decorativa e nada fazia a não ser rubricar aquilo que o presidente dava ordem. Fui substituído imediatamente pelo tesoureiro atual. Nessa carta também digo que a gestão do pelouro do Cemitério estava a ser feita de uma forma desastrosa, porque cheguei ao ponto de precisar de ossários e não ter dinheiro para os mandar fazer, o que quer dizer que não podia fazer exumações de cadáveres. O dinheiro estava a ser desviado para outros fins.
Disse que o dinheiro estava a ser desviado para outros fins. Na sua opinião, foi isso que desencadeou todo o processo e todas as notícias que referiam uma Junta falida e com o pagamento de ordenados aos funcionários em atraso?
A Junta estava mesmo falida. Não ponho em causa que houvesse alguém que tivesse roubado dinheiro para proveito próprio. Aqui, a questão que se põe é que há uma má gestão. Por exemplo, uma verba avultadíssima que temos no orçamento é um subsídio às coletividade, que em termos percentuais é muito superior àquilo que a Câmara lhes atribui. Há dois anos, fomos aconselhados pelo nosso assessor financeiro a não darmos, durante dois anos, pelo menos, esse subsídio às coletividades, porque não tínhamos dinheiro. Estávamos a dar aquilo que não tínhamos. Não estávamos a pagar, nomeadamente, a fornecedores. A lei dos compromissos não é respeitada na Junta de Santa Marinha e São Pedro da Afurada. A lei obriga ao pagamento a 90 e temos faturas com um ano. Muitas só se pagam a partir do momento em que os fornecedores ameaçam ir para tribunal. Ainda há pouco, no meu tempo, o fornecedor dos ossários disse que ou pagávamos, ou íamos para tribunal e só com uma ameaça é que conseguiu receber. Portanto, estamos a falar de uma gestão, não digo danosa, porque seria muito mais grave e eu já teria tomado outra posição, mas é uma má gestão. Por exemplo, ele [Paulo Lopes], por iniciativa própria e sem consultar o executivo, disse que foi apertado num jantar e que não teve como negar, tendo oferecido uma porta de dez mil euros para uma igreja. Não está em causa a igreja ou a necessidade, a questão está em ter ou não ter dinheiro. Eu tinha um problema no cemitério. Há uma casa mortuária, que foi toda recuperada pelos funcionários e está fechada, porque tem um orçamento de 9500 euros para a substituição integral do telhado. Há três anos que está no plano de atividades e o telhado nunca foi feito, pelo que a casa mortuária continua fechada, porque chove lá dentro como na rua. Então, se o cemitério, além de tudo o que representa para as pessoas, ainda por cima, é o banco da Junta de Freguesia, porque não há nenhuma Junta que pratique as taxas que Santa Marinha e São Pedro da Afurada pratica, como é que é possível não olhar para o problema que se tem em casa e olhar para fora, só porque alguém pede? Um gestor, ainda para mais, de coisa pública, não pode andar assim. Tem de ter sentido de responsabilidade, felizmente, que existe a lei dos compromissos, precisamente para que não hajam estes desvarios de encomendar uma coisa e sem se saber quando se pode pagar, porque já passamos por situações aflitivas. Antes da pandemia, fazíamos um passeio anual a Coimbra com as crianças do 4º ano, ao Portugal dos Pequenitos. No último que se fez, dois dias antes, estávamos sem autocarros para levar as crianças. Arranjamos na véspera, porque o Espírito Santo disse: “ou passam já o cheque ou não há camionetas amanhã”. E foi alguém que trabalha na Junta, uma assistente social, que fez valer os seus contactos, para arranjarmos uma empresa alternativa, senão as crianças não tinham meio de transporte. Já devíamos o valor de um passeio da terceira idade, portanto, isto é má gestão.
O Agostinho da Silva Viana entrou, em 2015, no executivo da Junta de Freguesia para substituir José Correia da Silva. Em 2016, demitiu-se da Tesouraria e em fevereiro, desse mesmo ano, pediu demissão do pelouro do Cemitério, por divergências com o departamento jurídico. O que o fez continuar?
O senhor presidente fazia-me promessas de que as coisas iam mudar. Foi isso o que ele me disse no primeiro mandato, mas as coisas agravaram-se no segundo. Logo na primeira reunião, a primeira questão que eu coloquei, foi se o assessor jurídico ia continuar, e ele [Paulo Lopes] disse que sim, porque era da confiança dele e que estava a fazer um bom trabalho. Eu não estou de acordo, aliás, o assessor jurídico foi contratado e ainda era estagiário. Nem sequer podia assistir a julgamentos, então tinha de ir uma colega representá-lo, mas mesmo assim foi contratado para a Junta de Freguesia com uma avença. O senhor presidente disse que ia mudar o contrato, porque o inicial era pouco abrangente. Eu questionei se iria mudar mesmo, porque eu não iria assistir, outra vez, às faturas que ele metia. Ele garantiu-me que isso iria mudar. O que é facto, é que o contrato não mudou e hoje é rigorosamente o mesmo. Para um advogado que tem uma avença, mas cujo contrato diz que só está na Junta para aconselhar e o resto é tudo extras, pode levar o que quiser, pelos outros serviços. Estamos a falar, aqui, de um autêntico atentado às finanças da Junta de Freguesia. Por exemplo, num processo em que houve um atestado falso, detetado por nós, cuja envolvido resolver levar o caso a tribunal e pedir uma indeminização à Junta de Freguesia no valor de 2500 euros, antes tivéssemos pago. Fomos para tribunal e não pagamos 2500 euros à senhora em causa, mas o senhor doutor [assessor jurídico] levou 6200 euros, extra avença. Ou seja, dávamos os 2500 euros e não nos chateávamos mais. As próprias parcelas são para averiguar, porque ele, no início, não trabalhava com IVA, porque assinava advogado e no contrato ainda tinha a referência a estagiário. Só quando se começou a intitular “mestre em direito”, como ele gosta de ser chamado, passou a trabalhar com IVA. Outro processo, também, muito engraçado envolveu um advogado que, por acaso, até era da Afurada e que segundo a opinião do atual advogado da União de Freguesias, não recorreu conforme devia, num determinado processo, ou deixou prescrever, algo assim. Digamos que não cumpriu na plenitude aquilo que devia ter feito, como advogado da Junta de Freguesia à época. O que é que se fez? Fez-se uma ação a esse advogado, o doutor Cardoso, pois a Ordem dos Advogados tem um seguro, exatamente, para salvaguardar estas posições. Como ganhamos a ação, tínhamos direito a receber nove mil euros, que nos foram pagos pela companhia de seguros, mas o senhor doutor avençado recebeu 5950 euros. Ou seja, o beneficiado foi ele, nós recebemos muito pouco. Só em quatro processos falamos de 22375 euros, sem IVA.
Considerando a situação económica da Junta de Freguesia, na sua opinião, que outro tipo de situações ocorreram no contexto da “má gestão”, que referiu há pouco?
Foi sempre um empurrar com a barriga para a frente. Por exemplo, eu fui a julgamento naquele processo do cemitério, como testemunha. Na altura, a Polícia Judiciária perguntou-se quanto tinha gasto para pintar o cemitério e que empresas tinham vindo, à qual eu respondi: nenhuma, pois quem pintava o cemitério todos os anos era o pessoal que lá trabalhava. Para se ter uma ideia, quando eu lá cheguei, o pessoal do cemitério não tinha grandes condições. Existia uma casa de banho com chuveiro para dez pessoas e eu modifiquei aquilo, sendo que todas as obras foram feitas pelo pessoal. A cantina também ficou com o dobro do tamanho e foram estas pessoas, a quem querem fazer processos disciplinares, que fizeram tudo. A Igreja foi toda recuperada e pintada, também, por eles. Hoje, fruto da gestão do senhor presidente da Junta, já está novamente degradada. As casas mortuárias foram pintadas, mas, hoje, uma está fechada, pois voltou a não ter condições. Para mim, isto é má gestão. Como é que se pode andar a dar dinheiro a coletividades, fazer passeios, ou dar mochilas no Dia da Criança? Isto é má gestão. Se as coisas não estão direitas no cemitério, não posso se pode dar o que não se tem. Para além das dívidas e do incumprimento da lei dos compromissos. Nós herdamos, da extinta Junta de Freguesia de São Pedro da Afurada, uma dívida de 46 mil euros da ADSE. Foram a Lisboa fazer um acordo de pagamento de mil euros por mês. A Junta não cumpriu esse acordo e, agora, a dívida já é de 96 mil euros. Foram, agora, com a corda ao pescoço pedir para fazer um acordo de 1500 euros. Isto é o descalabro, porque se há alturas em que ele [Paulo Lopes] tinha dinheiro para pagar, foi, agora, com a bendita pandemia. Foi mau para todos nós, em questões de saúde, mas em termos de Junta de Freguesia, foi uma desculpa para o que não se fez e foi uma fonte de receita brutal. Contas feitas por alto, a Junta poupou cerca de 227 mil euros. Estamos a falar de 76 mil euros só no Passeio da Terceira Idade. 25 mil euros da Festa de Natal dos idosos e 30 mil euros dos brinquedos para as crianças na mesma data festiva. Dois passeios a Coimbra mais 20 mil euros e os jogos juvenis, que também não se realizaram, 11500 euros. As festas populares representam 65 mil euros. Isto é uma loucura. Para evitar a falência, fizemos, pela primeira vez na história de Santa Marinha, pelo menos foi o que disse o antigo presidente, que é deputado na Assembleia, o senhor Joaquim Leite, um empréstimo ao banco para pagar salários. Agora, para salvar a Junta de Freguesia, porque é disso que se trata, mudamos, à pressa, os regulamentos dos cemitérios, que já eram, em termos de taxas, os mais caros de Vila Nova de Gaia. Fui o único que votei contra o aumento dessas taxas e aí comecei logo a entrar em desgraça. Pusemos uma taxa de 50 por cento sobre as concessões e doações, ou seja, se quiser vender ou doar um jazigo, tenho de lhe atribuir um valor, sendo que metade fica para a Junta. Tivemos, recentemente, o caso de um jazigo que foi vendido por 30 mil euros e tiveram de nos dar 15 mil. Esta foi a salvação, para já, da Junta. Isto é a galinha dos ovos de ouro. Só se podia comprar uma sepultura 25 anos após o enterramento, por 3500 euros. Mudamos isso, à pressa, e agora ao fim de três anos já podemos vender. O que quer dizer que, em março, fizemos 36 mil euros. Ainda por cima, a Junta diz que se pode pagar às prestações. Foi sempre a andar. No mês de março, foram vendidas nove sepulturas. Isto vai ser complicado para quem vem a seguir, porque quem compra, não vai pagar mais comissões, só cerca de 67 euros, de cinco em cinco anos. Ou seja, os futuros executivos, não vão receber praticamente nada, desta receita, que, hoje, é a salvação da Junta. Isto é de uma irresponsabilidade completa, mas foi a salvação, para isto não descambar, de forma irremediável. Houve uma hasta pública de dois jazigos térreos e de duas capelas, que eu deixei. A Junta já uma de 65 mil euros e outro de 30 mil, ou seja 95 mil euros. Se algo não tem dono, a Junta toma posse. Há uma senhora que me disse, expressamente, que foi aconselhada na Junta de Freguesia pelo advogado a fazer a usucapião e eu mandei-lhe uma carta a dizer que era melhor desistir. Além de faturarmos uma média de 25 mil euros, naquele cemitério, por mês, com esses jazigos que eu deixei, estamos a falar de mais 105 ou 110 mil euros. Ele [Paulo Lopes] já está a navegar à vista. Já está a dar subsídios às coletividades e é uma ilegalidade, porque o meu pelouro, também, era o das Coletividades e Cultura. Fiz um regulamento que acabava o nome “subsídio”, que é uma coisa que eu não gostava nada, para passar a chamar-se comparticipação. Ia acabar aquela pouca vergonha de estarmos a dar dinheiro a uma coletividade, que de coletividade só tem o balcão para vender cerveja. Isto está aprovado em Assembleia de Freguesia e ele [Paulo Lopes] tem de pôr em prática, o que não está a acontecer. As coletividades têm de apresentar um plano de atividades e de acordo com esse plano é que damos uma comparticipação e não um subsídio. Por exemplo, um rancho folclórico vai ter um encontro no Alentejo e precisa de transporte e, aí sim, damos um subsídio para transporte, de acordo com a importância do evento. Não se pode continuar a dar assim. Ainda, agora, no 25 de Abril, fez uns azulejos e foi levar um a cada coletividade, mais o subsídio, de mil ou dois mil, de forma indiscriminada e não cumprindo o regulamento. Sabe desde quando é que ele não paga às IPSS, que são muito mais importantes, por muito respeito que tenha pelas coletividades? A última vez que pagou foi em 2018. Pagou a toda a gente menos às IPSS. Aqui, vê-se o sentido de responsabilidade desta gente. Eu já disse isto no executivo. Claro que podia ter vindo logo embora, mas não os combatia lá dentro e eu preferi fazê-lo, enquanto aguentei.
E de que forma é que os combateu?
Por exemplo, isto do cemitério, eu fiz sempre contra a vontade de todos. Aquilo que não era da minha parte, também não me importava muito, não me dizia respeito. Ele [Paulo Lopes] quer mudar os serviços do 1º andar, para o rés-do-chão, e eu acho bem, para que as pessoas tenham melhor acesso. Mas é preciso dinheiro e está no plano de atividades, assim como comprar um miniautocarro, porque o autocarro da Junta não pode transportar crianças, está encostado no cemitério, onde há um estaleiro. Tudo aquilo que está lá, não vai ser para cumprir, mas o que eu fiz foi fechar-me no meu cantinho, no cemitério. Ele [Paulo Lopes] também não ficava descontente, porque a receita estava a entrar e era a salvação dele. Eu encontrei o cemitério de uma forma impensável e acabei com alguns compadrios que havia e cheguei, até mesmo, a fazer alguns processos disciplinares. Mas teve de ser, tinha de endireitar aquilo. Por exemplo, todos os funcionários tinham um isqueiro, daqueles grandes de cozinha, e eu não entendia o porquê, até que me explicaram que tinham contratos para acenderem velas. Era o descalabro. As funerárias pagavam para escolherem os sítios, para onde queriam que fossem as pessoas que tinham mais influência. Isso acabou. Havia uma norma e, a não ser que as pessoas já tivessem alguma sepultura, o enterramento seria na secção do momento. Cheguei a ter funerárias a tratarem-me mal no Facebook, a dizer que eu tinha a mania que era dono do cemitério. Ainda sobre o processo disciplinar, gostava de dizer que, para quem se preocupa tanto em fazer processos disciplinares a quem pediu uma carrinha e foi autorizado, houve um problema gravíssimo, que provocou um ambiente de cortar à faca na Junta de Freguesia. Quase ninguém se fala em termos de funcionários, porque uma funcionária denunciou que estavam a fazer escutas ao pessoal durante a hora de almoço e mesmo durante o horário de trabalho. Foram feitas reuniões atrás de reuniões e inquéritos, porque era uma situação grave e o senhor presidente da Junta fez as reuniões que entendeu, com toda a gente, autênticas peixeiradas. A senhora que fez a denúncia disse que aquilo era verdade e que tinha uma pen em casa. Estava encontrada, ali, a solução para o problema. Ela só tinha de provar, caso contrário era ela a incriminada. Mas não, ele [Paulo Lopes] queria colocar uma pedra no sapato, só que algumas pessoas bateram o pé. Só um colega do executivo, o Raimundo, é que estava de acordo comigo, sobre a necessidade do assunto ir para o Ministério Público. Continua um ambiente aterrador lá dentro, toda a gente está lá, ninguém sofreu consequências, ninguém teve nenhum processo disciplinar, nem sequer houve queixa ao Ministério Público.
Mas a existência dessas escutas ficou provada?
Não. Nunca ninguém obrigou a pessoa que disse que tinha a prova a mostrar. Caso contrário, teria um processo disciplinar, que era o que eu faria se fosse presidente da Junta. Não ficou nada provado porque ela, pelos vistos, aconselhou-se com um advogado, que lhe disse que se ela ia para a frente, ia ser incriminada, porque estava, pretensamente, feita com outra pessoa. A pessoa que ela acusou, negou sempre que tivesse feito alguma coisa. Ainda hoje está lá a funcionária que diz que tem a pen e fez as escutas. Eu acho que a outra pessoa também errou, porque se me acusassem a mim, eu queria ver o assunto resolvido. Mas, o facto é que o presidente conduziu as coisas para que ficassem assim. E ficam também a saber que, em vez de um advogado, agora temos três, porque abrimos um concurso público, temos as hastas públicas e um advogado avençado não tem capacidade para isso. Foi contratado outro de fora, com uma avença até ao final do mandato, de mais 4200 euros. E agora foi um terceiro, para o processo disciplinar. Só para terminar, foram abertos dois concursos públicos. Um para três coveiros e outro para uma funcionária administrativa para a Junta da Afurada. Ao concurso público para administrativa concorreram aproximadamente 50 pessoas, com habilitações incríveis. Como não convinha, porque a funcionária já está na Junta, é só um proforma, e como apareceu muita gente licenciada, anulou-se o concurso, com base na pandemia. Por sorte, ou por desconhecimento, acho que ainda ninguém contestou isto, mas podem contestar, até porque anularam este e não o dos coveiros, ou seja, a pandemia existiu para um concurso, mas não para o outro.