“AO SOCIÓLOGO, ESPERA-O MUITO TRABALHO NOS AÇORES”

Criado desde 1998, o NESUA tem como principal objetivo defender os direitos dos estudantes de Sociologia da Universidade dos Açores. A associação tem como presidente Mário Gouveia, na qual o seu mandato começou há cerca de 3 meses, e conta com um total de 110 alunos de Sociologia.

Em conversa com o  AUDIÊNCIA, o Mário Gouveia falou sobre os projetos do NESUA, da freguesia de Rabo de Peixe, do dinamismo de Ribeira Grande, e do futuro dos sociólogos.

 

 

É interessante que à frente deste núcleo de estudantes esteja um residente da freguesia de Rabo de Peixe, uma freguesia que tem sido alvo de estudos sociológicos.
Por acaso é uma questão muito interessante.Há sempre nas aulas alguma referência a Rabo de Peixe, nem sempre por motivos maus, nem sempre por motivos bons. Nós, a nível da sociologia, pretendemos desmistificar algumas coisas e isso por vezes acontece.

 

Viver em Rabo de Peixe é problemático ou é saudável?
Julgo que é algo interessante. Se as pessoas realmente conhecerem, verão que não é o filme que se pinta por aí e que se julga, Rabo de Peixe é mais do que o que se diz.

 

Há 3 meses tinham vários projetos no início do mandato, quais são os previstos para este ano?
O principal projeto, e aí é uma inovação, é Ciclo de Conferências de Debate que inclui algo que vem de trás que são as noites de sociologia, na qual num bar, em contexto informal, debatemos algumas questões, por isso este ciclo inova porque engloba tanto as noites de sociologia como as conferências/debates que ocorrem à tarde na universidade. Ao todo são 4 os eventos que decorrerão neste ciclo, e é sem dúvida o projeto que nos tem dado mais trabalho a nível de mobilização de pessoas e estudantes.Para além do ciclo, nós reativamos o cartão de sócio do NESUA, neste momento, com 11 parceiras e, até ao final do ano letivo, queremos expandir até 27 parcerias, desde papelarias, de restauração, eventualmente hotelaria, e centro de cópias, portanto, tudo para facilitar os universitários porque as propinas são elevadas.

 

O ciclo de conferências começou no dia 17 de fevereiro e a primeira conferência foi sobre “Profissão: Sociólogo-Múltiplas facetas”, na Universidade dos Açores.
O painel foi composto pelo moderador Dr Jorge Lima, diretor do curso, Dr. Paulo Fontes, Dr. Miguel Brilhante, Dr. Nelson Farinha, Dra. Raquel e Dra Piedade. São pessoas da área da cultura, política, intervenção social e a própria lecionação, o que levou a que o painel fosse completo por haver intervenções um pouco teóricas e outras bastante práticas.

 

E as conferências são abertas a quem?
A toda  a comunidade tanto acadêmica como civis. Nós fizemos um trabalho no sentido de convidar escolas secundárias e profissionais e, por acaso, tínhamos lá alunos do secundário, por exemplo, da Escola Antero de Quental.

 

Quais as datas para as próximas conferências?
No dia 10 de março vamos debater também na universidade, que será o último evento neste espaço previsto, o tema “Juventude e Qualificações” para percebermos as qualificações na juventude de hoje e uma previsão sobre as qualificações futuras, pois o papel da juventude de hoje é diferente do que era há 10 anos atrás e como será diferente daqui a uns anos.

 

Ser estudante na Universidade dos Açores é uma aventura, uma crença ou é acreditar no futuro?
Eu julgo que é um pouco das três, não afirmando muito a crença. É uma aventura sem dúvida alguma, principalmente, por todos os desafios. A direção do núcleo é composta por pessoas de 4 ilhas diferentes e é impossível reunirmos fora do tempo de aulas. É um desafio também porque os custos são elevados e os serviços fecham cedo, a biblioteca fecha às 21h, o refeitório tem um horário limitado e, acabam por ser questões que nós temos tentado resolver ou sugerir mas também que a procura por estes serviços não é muito elevada, obviamente, que nos fazia mais jeito e era mais conveniente mas nem sempre há procura por parte dos estudantes.

 

Acabada a licenciatura, o que é que vos espera?
Ao sociólogo, espera-o muito trabalho para fazer nos Açores. Com uma nova dinâmica destes novos sociólogos que pensam de uma forma diferente do habitual, julgo que mais facilmente ou com alguma dificuldade, não conseguiremos ingressar no trabalho, agora, pode não ser especificamente na área da sociologia, mas há outras facetas, como mostramos na conferência, na área da cultura, área turística, em várias áreas, não se limita só à sociologia.

 

Há a ideia e a realidade até há uns tempos atrás, que os jovens ambicionavam chegar à universidade para fugir dos Açores, e, uma vez posto o pé fora, dificilmente voltavam para a ilha. Ainda é isso que acontece hoje em dia ou têm ambição para fazer algo pela sua terra?
Eu penso que não é essa a perceção que eu tenho. Talvez os jovens pretendam regressar aos Açores mas não têm as mesmas oportunidades que tem no exterior, e, depois, é um certo dilema entre estar próximo da família e ter um emprego que possibilita progressão na carreira. Talvez, por aí, seja uma realidade até certo ponto.

 

O Mário vive no concelho mais jovem de Portugal, isso tem equivalência quanto à distribuição de tarefas, dando responsabilidades aos mais jovens.
A Ribeira Grande, além de ser um concelho mais jovem, é muito dinâmico a nível da associações, a nível desportivo, a nível cultural, mas, infelizmente, a nível político não é assim. Nós vemos muitas associações culturais com muitos prémios e distinções a nível nacional, ou seja, os jovens da Ribeira Grande têm qualidade, mas, a nível político, apesar de termos um executivo camarário jovem que se aproxima muito da juventude, a juventude não se aproxima assim tanto das questões políticas e cívicas.

 

O que é que leva os jovens a não se interessarem pela política?
É uma questão complexa e merece um tecido sociológico antes de mais. A nível da informação, apesar de que cada vez mais as redes sociais divulgarem informações, muitas vezes essas informações baralham um pouco e servem só para captar gostos e partilhas,  distorcem um bocado o que é o poder político, e, isso é o que faz com que os jovens não se  aproximem da política. Grande parte não sabem a distribuição das funções de cada órgão, e a  escola não ensina essas competências, acabando por ser é uma falha grave no ensino de qualquer pessoa.

 

Eu tenho a ideia, quase certeza, de que só está na política quem arranja um tacho…
Eu penso que isso é outra das informações que circula pelas redes sociais que não é real. Há pessoas que se envolvem, não diretamente na política, mas na parte cívica. Eu dividiria a política em 2 questões: a participação política e a participação cívica. A participação política direta seria realmente as pessoas que exercem os cargos, já a participação cívica seria todas as associações, núcleos de estudantes e todos os mecanismos que o poder político possibilita aos cidadãos para desempenhar as suas funções. Cada vez mais, pela parte da juventude, isto vais deixar de existir, agora, há velhos hábitos que são difíceis de resolver.

 

É falso, então, aquilo que digo, depois de ter ouvido, que na política está o avô, o pai, o filho, os netos, as respetivas mulheres, e, ainda, os que virão a nascer, todos têm lugar garantido no aparelho político.
Não me referido às esposas, mas julgo que a passagem do “poder” do pai para o filho deve-se a nível sociológico, é uma questão dos hábitos e do meio onde a pessoa nasce, isso é comprovável. É mais provável um filho do médico ser médico do que um filho do operário.

 

Como comenta o facto de, aqui nos Açores, dois agentes políticos importantes na vida ativa, um de camisola rosa  e outro de camisola laranja, não conseguirem caminhar no mesmo sentido em defesa dos interesses do povo, mas, antes, têm que vincar que são diferentes e que o outro é pior do que ele?
É a questão de tentar fazer um bom trabalho, obviamente, isto não quer dizer que não existe um bom trabalho quando as pessoas se juntam. Se várias freguesias se unissem em torno do mesmo projeto, o mesmo teria muito mais sucesso do que sendo só uma freguesia isolada a avançar com um projeto. Mas nunca vi isso a acontecer.

 

Voltando à Universidade dos Açores, o que é que como estudante queria que a sua Universidade pudesse oferecer e ainda não oferece?
Apesar de ter sido estruturada recentemente em termos orgânicos, passando de departamentos para faculdades, contudo, a nível dos cursos é preciso redefinir prioridades. é necessário pensar que profissionais estamos a lançar para o mercado, diversificar todos os currículos e não nos limitarmos ao que se fazia há 10 ou 20 anos atrás. A atualidade e o mercado de trabalho são completamente diferentes e se, em 10 anos, lançarmos todos os anos 15 profissionais de uma mesma área e com uma mesma formação, não sei se o mercado vai absorver, agora, se eu for diversificando os ramos específicos de formação, talvez, já haja uma procura melhor pois aquele é especialista na área X e aquele é especialista na área B, apesar, de virem todos da área 1, Nesse sentido, julgo que a Universidade deve fazer um trabalho de adequar o funcionamento à realidade atual.