Atriz profissional desde 1984, com percurso feito nos palcos da Seiva Trupe, Teatro Experimental do Porto, Teatro da Estufa Fria, Teatro Nacional São João, e nos estúdios da RTP, da SIC e de diversos filmes nacionais, Olga Dias é hoje a protagonista nesta ronda pelos criadores teatrais com residência ou trabalho em Gaia. Além da sua carreira como atriz, tem larga experiência na direção de atores, assistência de encenação, caracterização, dobragem e locução. Paralelamente à sua atividade profissional, tem desenvolvido intervenção cívica, social e política como dirigente do Movimento Democrático de Mulheres, Casa da Cultura de Paranhos, Centro Artístico Cultural e Desportivo Adriano Correia de Oliveira, e membro da Assembleia das Freguesias de Santa Marinha e São Pedro da Afurada. A palavra é sua, para uma reflexão sobre o teatro profissional em Gaia.
Que papel deve ter o teatro profissional no desenvolvimento e democratização da atividade cultural no concelho de Gaia?
O teatro tem sido, é, e continuará a ser, uma forma de intervir para transformar o mundo – todos o sabemos. É portador de valores humanos, mas igualmente de valores sociais de transformação e progresso que elevam a consciência e a emancipação dos povos, claramente reconhecido como um fator de democratização da sociedade e que potencia o seu objetivo ao trabalhar coletivamente, o que aliás está na sua génese, com associações, coletividades, organizações diversas e também com a participação popular. Para que o teatro cumpra este papel no desenvolvimento e democratização da atividade cultural no concelho de Gaia seria imprescindível existir uma verdadeira política cultural por parte da Câmara, com apoios efetivos às poucas companhias aqui residentes. Além disso, é preciso um Governo que rompa com as opções tomadas na Cultura até agora. Aliás, tanto em Vila Nova de Gaia como no país a Cultura tornou-se elitista e mercantilizada, predominando uma cultura mediática de massas – promovida pelas chamadas «indústrias criativas» – que transforma a cultura numa imensa área de negócio, promove a hegemonização cultural, condicionando gostos e aniquilando especificidades nacionais e locais. Em Vila Nova de Gaia e no país, é urgente um outro caminho. É preciso avançar com a construção de verdadeiro Serviço Público de Cultura e com o aumento do investimento em Cultura para 1% do Orçamento do Estado. Para que o teatro profissional possa exercer o seu papel dinamizador no desenvolvimento cultural do concelho o primeiro passo terá que ser dado pela Câmara. É uma questão de vontade política do Dr. Eduardo Vítor Rodrigues.
O financiamento público às artes ainda é olhado de lado por parte da nossa sociedade. Mas será que, sem a ajuda dos organismos públicos, a produção, investigação e desenvolvimento artísticos são sustentáveis?
As artes e a cultura são dimensões da própria liberdade, sem as quais não pode haver democracia plena. A criação artística livre é condição maior para a livre fruição cultural e artística. Assim o reconhece a Constituição da República Portuguesa ao estabelecer, no n.º 3 do artigo 73.º, a responsabilidade do Estado para a promoção da “democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural.” Olhando para a gritante realidade que atravessava o tecido cultural do nosso país, a existência de um apoio às Artes, dinamizado através de concursos pela Direção Geral das Artes, constitui a salvaguarda da arte livre e independente no nosso país. Mas a simples existência desses concursos não assegura a plenitude dos direitos constitucionais, na medida em que, na ausência de critérios transparentes e do financiamento adequado, nenhum resultado é inteiramente justo. Os apoios sustentados às Artes 2018-2021, nas áreas do teatro, circo, música, dança, artes visuais e cruzamentos disciplinares são claramente insuficientes para manter o nível de produção artística das estruturas de criação, evitar a sua destruição e, ainda menos, para assegurar o respeito pelos profissionais, técnicos ou artistas, e pelos seus direitos laborais.
Temos assistido a um enorme desinvestimento nas artes, que não afeta apenas quem trabalha na área, mas sobretudo os públicos e o desenvolvimento cultural do país.
De facto, cada mais se agrava a já dramática e insustentável situação de largas dezenas de estruturas de criação artística no país, o tecido cultural drasticamente fragilizado, a condenação ao desemprego de centenas de trabalhadores, o aumento das assimetrias regionais e a destruição do que ainda resiste em várias regiões fora dos grandes centros. As medidas implementadas nesta última legislatura, como a gratuitidade da entrada nos Museus e Monumentos nacionais nos domingos e feriados, o programa de apoio à criação literária com a atribuição de doze bolsas de criação literária, a redução do IVA na aquisição dos instrumentos musicais, o plano de intervenção na Fortaleza de Peniche e a aprovação pela AR, após 8 anos de intensa luta, do Projeto de Resolução do PCP para a atribuição de 1% do Orçamento do Estado para a Cultura, no passado dia 19 de Julho, com a abstenção de PSD e CDS e que o próximo governo terá a responsabilidade de aplicar e respeitar são de realçar, mas há ainda que insistir na revisão dos critérios adotados para a distribuição das verbas e da revisão do modelo de apoio às artes que valorize as companhias pelo seu saber artístico e percurso, entre outros fatores. A meu ver só com a instituição de um Serviço Público de Cultura, que assegure a liberdade e a diversidade da criação artística, a defesa e recuperação do património, a coesão e a diversificação territorial, os direitos dos trabalhadores da Cultura e a valorização do papel da Cultura no desenvolvimento do nosso País, será possível resolver esta questão.
Voltando a Gaia e ao teatro profissional, de que outro tipo de apoios, para além do financeiro, carece a atividade desenvolvida pelas companhias do concelho?
Desde logo a falta de espaços para a apresentação dos trabalhos e a sua divulgação. A Câmara teria aqui um papel fundamental dando por exemplo a oportunidade, não apenas às companhias profissionais, mas também às associações e aos criadores individuais informais, de usufruírem sem custos, tanto para a apresentação dos seus espetáculos como para ensaios, de um conjunto de equipamentos culturais existentes no concelho. Não me refiro só os Auditórios Municipais mas também a espaços não convencionais como a Casa Barbot, a Casa-Museu Teixeira Lopes / Galerias Diogo de Macedo, o Solar dos Condes de Resende, a Biblioteca Municipal, o Convento Corpus Christi e o Arquivo Municipal Sophia Mello Breyner.
Enquanto atriz, quando foi a última vez que atuou em Gaia e para quando o seu regresso aos palcos do nosso concelho?
A última vez que trabalhei em Gaia foi [em 2017] no elenco da peça “Os Maias” da ETCetera Teatro no Auditório Municipal [neste mesmo palco, vimo-la representar em “A Cantora Careca” de Eugène Ionesco, em 2004, “O Nosso Hóspede” de Joe Orton, em 2006, e “João Gabriel Borkman” de Henrik Ibsen, em 2007, todas as peças produzidas pelo Teatro Experimental do Porto]. Neste momento estou a desenvolver projetos artísticos de âmbito essencialmente escolar e associativo mas não está descartada a possibilidade de voltar em breve aos palcos do nosso concelho.
E enquanto espectadora, qual foi a última peça de teatro profissional a que teve oportunidade de assistir em Gaia, quando e em que palco?
Os últimos espetáculos de teatro a que assisti em Gaia foram em 2018 no Auditório Municipal no âmbito do 11º. Festival Internacional de Teatro CALE-se, que encerrou a sua atividade definitivamente nessa mesma edição devido à falta de apoios, e no Armazém 22, onde vi o espetáculo “Mulheres-Tráfico”, de Manuel Tur [uma produção do coletivo A Turma, a convite do projeto Agir Contra o Tráfico de Mulheres do Movimento Democrático de Mulheres, que nesse mesmo ano foi reposta no auditório da Tuna Musical de Santa Marinha, no âmbito da primeira edição do Festival de Teatro José Guimarães].
A terminar, como avalia a oferta de atividade teatral, a nível profissional, nestes últimos seis anos em Gaia?
Desde a saída do TEP [Teatro Experimental do Porto] que durante vários anos teve a sua atividade aqui no concelho, a oferta teatral profissional em Gaia tem vindo a ser, a cada ano que passa, cada vez mais escassa e neste momento é praticamente inexistente. A Câmara tem de assumir a sua responsabilidade como agente dinamizador e criador de condições que permitam à população de Gaia o acesso ao teatro e à cultura de uma forma geral. Termino esta entrevista com a mesma afirmação com que comecei: O Teatro tem sido, é, e continuará a ser, uma forma de intervir para transformar o mundo, mas acrescento a célebre frase de Almeida Garrett:”O teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde não a há!”.