COM O NATAL À PORTA, VAMOS A UMA MERCEARIA DE BAIRRO

 

Numa altura em que as famílias portuguesas começam a pensar nas compras de natal, designadamente nos géneros alimentícios que compõem a mesa da consoada, já que o dinheiro dá para pouco mais, a confrade Ma(r)ta Hari coloca à consideração dos “detetives” participantes no torneio “Solução à Vista!” um enigma que tem por local de ação uma mercearia de bairro. Ei-lo:

 

TORNEIO “SOLUÇÃO À VISTA!”

Prova nº. 5

“Falta Dinheiro na Caixa!”, de Ma(r)ta Hari

O guarda Antonino caminhava calmamente pela avenida ao fim da tarde, de mãos atrás das costas, olhar perdido no vazio, pensamentos à solta pelos tempos da sua infância e juventude vividos no relvado central da vizinha Alameda, em animados jogos de futebol normalmente interrompidos pela polícia após denúncia dos comerciantes. “Senhor guarda! Senhor guarda!” – ouviu-se de repente. Antonino julgou que aquele grito saíra dos seus pensamentos e quase desatou numa corrida de fuga à polícia, julgando-se numa partida de futebol entre amigos na sua há muito longínqua infância. Mas não, aquele gritado “Senhor guarda! Senhor guarda” era dirigido a si próprio, o guarda Antonino.

Quem gritava era o senhor Arnaldo da velha mercearia da rua Abade Faria, que gesticulava na sua direção, pedindo que se dirigisse até lá. Com ele estava a menina Ana, uma simpática estudante de economia, que ocupava muitas vezes o lugar de Arnaldo, sempre que este precisava de satisfazer algum compromisso durante o horário normal de funcionamento da mercearia. Pelos vistos, o caso era muito sério. Ao fazer as contas ao fim do dia, verificou-se que faltava dinheiro na caixa registadora. E não era muito pouco para aquele negócio de bairro. Segundo o Arnaldo, algo de anormal se terá passado nas últimas duas horas, período durante o qual a mercearia ficou ao cuidado da menina Ana.

– Acho que fui enganada… Mas não sei como – confessou a rapariga, meio nervosa e envergonhada, já com a voz embargada, porque o Arnaldo já tinha insinuado que ela estaria ligada ao desaparecimento do dinheiro. Antonino tentou sossegar a jovem, pedindo-lhe que contasse tudo o que lembrasse do que se passou durante o tempo em que esteve responsável pelo atendimento dos clientes. Ana puxou pela memória e relatou um caso de alguma confusão que lhe parecia relevante para apuramento das razões da falta do dinheiro. Tinha muito presente que estiveram por lá ao mesmo tempo a vizinha Maria do prédio de gaveto, o menino João da praceta e a dona Berta do cabeleireiro.

Enquanto atendia a cabeleireira, uma pessoa muito exigente na qualidade e preços dos produtos à venda, Ana nem deu pelos outros clientes. A D. Berta andava de um lado para o outro, entre os tomates e os pimentos, sem saber o que escolher para a salada do jantar, discorrendo longamente e com ênfase sobre as diferenças dos dois produtos e seus valores na cadeia alimentar e na relação qualidade/preço, tardando em tomar uma opção, como se esperasse que fosse a empregada a tomar uma decisão que era só sua. A vizinha Maria já denotava alguma impaciência com a espera, pelo que interrompeu o monólogo de D. Berta, interpondo-se entre ambas junto ao balcão, com um pacote de bolachas.

As bolachas, que custavam 5,60 euros, foram pagas com uma nota de 100 euros. Apesar de estranhar que a cliente quisesse pagar um valor tão baixo com uma nota tão alta, Ana deu o troco e a vizinha Maria foi-se embora, com 94,40 euros em notas e moedas. O caso não escapou à crítica de D. Berta, que começou a perorar sobre a falta de sensatez de algumas pessoas, que não percebem quanto as suas atitudes irrefletidas são prejudiciais à boa prática e regular funcionamento das micro e pequenas empresas. E mais uma vez, foi interrompida. O menino João pegou em meia dúzia de bombons e pô-los em cima do balcão. A conta deu um total de 2,50 euros e o rapaz deu uma nota de 50 euros.

– Desculpe, mas não tem uma nota mais pequena? – perguntou Ana, já quase sem trocos na caixa registadora, enquanto D. Berta acenava com a cabeça em sinal de reprovação, enquanto resmungava entre dentes “que falta de discernimento”.

– Não – respondeu João, distraído com o seu telemóvel, sem dar grande atenção, tanto à pergunta da empregada como à reação de D. Berta.

Ana sorriu diplomaticamente, apesar da antipatia de João, e fez o troco: 47,50 euros. Este largou o telemóvel, aceitou o dinheiro, guardou-o no bolso e, surpreso, olhou para Ana e disse:

– Desculpe, estava distraído… Claro que tenho notas mais pequenas!

Abriu a carteira e tirou 50 euros em notas pequenas, que pôs em cima do balcão para que Ana as pudesse ver.

– Aliás, até lhe faço uma coisa – disse, apontando para o dinheiro que pusera em cima do balcão. – Consegue trocar-me estas notas todas por uma nota de 50 euros?

– Penso que sim – respondeu Ana, que abriu a caixa, retirou uma nota de 50 euros, e estendeu-a a João, que a aceitou.

– Desculpe ter olhado, mas reparei que tem uma nota de 100 euros aí dentro… Importa-se de ma dar?

João colocou a nota de 50 euros que acabara de receber sobre os outros 50 euros em notas pequenas e Ana, fazendo a soma de cabeça, deu-lhe a nota de 100 euros.

– Pronto, assim a Ana fica com mais notas… E desculpe.

– Não faz mal – respondeu Ana, sorridente, e recolheu os 100 euros em notas que estavam em cima do balcão. “Quem me dera que todos os clientes fossem capazes de pedir desculpa quando são mal-educados”, pensou.

João pegou nos bombons e na nota de 100 euros, despediu-se e saiu da loja.

Indignada por não ter sido ainda atendida, D. Berta saiu logo atrás dele, vociferando palavras irreproduzíveis nestas páginas.

Algum tempo depois, o senhor Arnaldo chegou para tratar da caixa. E depois de feitas as contas, confrontou a empregada: faltava dinheiro! Foi então que ele viu em passeio o guarda Antonino, reclamando logo a sua ajuda na resolução daquele caso. E, na verdade, ouvido o relato da jovem Ana, ficou tudo esclarecido.

 

O DESAFIO AO LEITOR

Face ao relato de Ana, pede-se que o leitor nos diga quanto dinheiro falta na caixa e quem é o responsável pelo seu desaparecimento. A proposta de solução deve ser enviada para através do email salvadorpereirasantos@hotmail.com, até 31 de dezembro, acompanhada da pontuação atribuída ao enigma que constitui a prova nº. 4. (“Fado do Ladrão Enamorado”, de Bernie Leceiro). Recordamos que as pontuações a atribuir, entre 5 e 10 pontos, têm como objetivo definir a ordenação da tabela classificativa final dos enigmas concorrentes ao concurso “Mãos à Escrita!”.