Em tempos de pandemia, a Cáritas da Ribeira Grande viu o número de pedidos para apoio alimentar aumentar exponencialmente. Em entrevista ao AUDIÊNCIA, o coordenador deste núcleo, o Padre Vítor Medeiros, esclarece que apesar do esforço considerável, todos os pedidos estão a ser atendidos, salientando ainda a colaboração com a autarquia e com alguns benfeitores anónimos ou pessoais.
De que forma é que a Covid-19 influenciou o trabalho da Cáritas da Ribeira Grande?
Como qualquer entidade de serviço público intensificamos a nossa atenção às regras sanitárias. Estas implicaram uma dificuldade acrescida nos atendimentos presenciais; muitos destes passaram a ser feitos em teletrabalho. Por outro lado, face ao impacto socioeconómico da pandemia, aumentaram o número de pedidos de apoio. Confrontamo-nos com um maior número de solicitações para apoio alimentar, o que exigiu a coordenação de serviços de algumas paróquias no apoio/trabalho voluntário para distribuição dos apoios solicitados e para sinalização de casos de necessidade de intervenção, de suspeita de pobreza envergonhada ou em situação de exclusão social. Foi promovida uma maior articulação com os poderes locais, especificamente, com a Câmara Municipal da Ribeira Grande, para dar resposta às carências que estes tempos difíceis despontaram.
O número de pessoas ajudadas aumentou?
De facto, o número de sinalizações e de apoios atribuídos aumentaram consideravelmente. No ano de 2019 foram acompanhadas e apoiadas 150 famílias. Contudo, com o desenvolvimento da pandemia em 2020, demos respostas a diversas solicitações abrangendo um total de 700 agregados familiares. Porém, e com o recente agravamento da pandemia, entre o dia 1 de janeiro e o dia 8 de fevereiro já foram apoiadas 143 famílias na ouvidoria de Ribeira Grande.
Que tipo de iniciativas têm feito neste contexto de pandemia? Têm apoios?
No núcleo Cáritas da Ouvidoria de Ribeira Grande, contamos com o trabalho de uma assistente social que articula com os diversos serviços sociais existentes e analisa os pedidos chegados de forma a evitar duplicação de ajudas desnecessárias ou indevidas. Procuramos prestar um serviço responsável e confiável. Inicialmente, foram feitas campanhas de angariação de alimentos, de vestuário e de bens domésticos essenciais. O núcleo procurava responder a situações emergentes com bens alimentares, roupas e canalizando situações que os nossos parceiros sociais não podiam responder para programas de apoio específicos que estivessem sobre a alçada da Cáritas. Mais recentemente, foi estabelecido um Protocolo entre a Câmara Municipal da Ribeira Grande e o Centro Social e Paroquial de S. Bárbara para continuarmos a assegurar os serviços de apoio emergente do Núcleo Cáritas da Ouvidoria de Ribeira Grande, face à conjuntura atual de pandemia do COVID-19 e suas consequências socioeconómicas previstas para a comunidade local, para fortalecer as respostas de proximidade às populações, não só para apoio com géneros alimentares e outros materiais de maior necessidade, como também de interligação a projetos de apoio a outras carências que possivelmente se manifestarão. Paralelamente, recebemos apoios supletivos e anónimos de particulares, e, claro, não posso deixar de referir o gesto solidário do Monsenhor Weber Machado que doou um número considerável de cabazes alimentares que foram entregues a famílias das oito comunidades paroquiais da Ouvidoria de Ribeira Grande.
O que podem oferecer para solucionar o problema de quem os procura?
Obviamente depende do solicitado. A maior parte das ajudas são em bens alimentares, apoio ao pagamento de dívidas de serviços/bens essenciais, apoios para aquisição de medicação e, ocasionalmente, aquisição de próteses dentárias, óculos, consultas médicas de especialidade e material escolar. Porém, se o núcleo não consegue dar resposta aos pedidos encaminhados procura articular com outras instâncias que possam responder ao pedido.
Há quanto tempo está à frente da Caritas da Ribeira Grande?
Coordeno o núcleo Cáritas da Ouvidoria de Ribeira Grande desde 2015.
Que projetos tem para o futuro a Caritas?
Continuar com responsabilidade e proximidade o trabalho desenvolvido. Dito isto, e como todo este trabalho não se realiza sem a presença de um Assistente Social que garanta a integridade do trabalho e serviço prestados, a equipa sacerdotal da ouvidoria julga necessário criar uma Valência de Acolhimento e Apoio Social num Centro Social e Paroquial que nos permita maiores apoios técnicos e humanos para consolidar as respostas de proximidade às famílias das nossas comunidades.
E como vê o evoluir desta situação de pandemia? Considera que vai ter impactos no futuro da região?
Se todos compreendêssemos o sentido de responsabilidade e o que significa amar-nos uns aos outros, o cuidado fraterno seria muito maior e o efeito da pandemia menor. Os impactos socioeconómicos da pandemia já se fazem sentir. Todos nós sabemos que para destruir algo basta um segundo, agora reconstruir é muito mais sério e lento. A recuperação económica há de acontecer, mas não desvalorizemos os impactos na saúde mental de muitos pelo isolamento social, pela perda do trabalho e/ou familiares queridos. Precisamos de pensar como podemos melhorar os nossos sistemas de atuação e de prevenção. Não podemos ir somente a correr atrás do prejuízo, devemos estar prevenidos, para que em qualquer situação, seja o nosso sistema de saúde, de educação, social e económico esteja pronto para responder ou socorrer em situações emergentes….
De forma geral, como vê a situação da população na Ribeira Grande a nível social?
Apesar de todas as suas potencialidades e riquezas, ainda se verificam muitas situações de risco e pobreza social. Procuramos educar, instruir e desenvolver competências, mas é lenta para muita gente a mudança de mentalidades no sentido duma verdadeira autodeterminação e auto valorização. O sector social deve primar pela emancipação das famílias e não apenas manter por décadas famílias em situação de subsidiodependência, o que em nada dignifica ou beneficia a evolução da pessoa.
Gostaria de deixar uma palavra de incentivo à população?
A prevenção e o cuidado que devemos ter no exercício do trabalho e na nossa vida familiar, seguindo as regras sanitárias, deve ser uma preocupação maior e constante, de forma a evitar maiores danos ou sofrimentos à família e amigos. Estamos a falar de um vírus que não conhecemos muito bem, que não é visível e que podemos contrair sem saber. Muita coisa neste mundo revela a nossa fragilidade. E este vírus não é diferente. É mais um travão à nossa insensibilidade, egoísmo e prepotência em julgarmo-nos poderosos ou invencíveis. A nossa fragilidade mostra-nos que somos apenas criaturas, finitos e que devemos cuidar da nossa vida, protegê-la e dignificá-la. Nós não somos o seu criador. Deus é quem é o Senhor da Vida e da morte. Por isso, esta pandemia veio recordar e reforçar que nós dependemos uns dos outros, que somos responsáveis uns pelos outros. Proteger-nos é proteger os outros. Que tudo isto que andamos a viver nos ajude a ser uma melhor pessoa; nos ajude a compreender e a sentir que vivemos uns para os outros: Isto vos mando: Que vos ameis uns aos outros (Jo 15,17).