A neve continuava a cair intensamente cobrindo a paisagem dum manto branco, o vento soprava frio, Pedro enregelado cobre-se com as velhas mantas deitado em cartões.
Sozinho, o sem abrigo ouve ao longe a suave música de Natal, o burburinho das pessoas, alheias a tudo que as rodeiam apressadas nas ruas, o buzina de carros com os seus condutores apressados como se o mundo acabasse no dia seguinte.
Pedro pensa no que foi e no que é.
– Tive tudo e tudo perdi.
-Tantos os que me batiam nas costas, foram os primeiros a abandonar-me quando já não tinha com que lhes pagar uma bebida ou um jantar. Hoje passo fome e aqueles que outrora se diziam meus amigos, quantas vezes passam a meu lado fingem não me reconhecerem.
Pedro busca a solidão e amaldiçoa ao mesmo tempo o homem que vive fugindo de todos por ter passado uma insolvência.
Na entrada daquele prédio por acabar, no centro da cidade da luz e da música em todos os meses do ano mas muito mais na época Natalícia. Recorda com profunda tristeza e dor os seus filhos que nunca o procuraram depois do acidente que vitimou Luísa a sua mulher, quando o filho mais novo já terminava a universidade num estúpido acidente de carro do qual sempre se culpou.
As belas melodias da véspera Natal nas ruas, as luzes do Chiado de mil cores, a correria das pessoas carregadas de compras e presentes muitas vezes coisas supérfluas de última hora.
Pedro levanta-se tremendo de frio enrola os trapos e coloca sobre os cartões a um canto, quando aquele jovem de barba e óculos se aproxima.
– Bom dia.
Pedro nem se volta, não podem estar a falar com ele, nunca o fazem e murmura.
– Como gostaria de ter quem me cumprimentasse, quem falasse comigo.
– Estou a falar consigo, já comeu alguma coisa hoje? Perguntou o jovem.
Pedro fica feliz com todos aqueles que lhe dão algo comestível, baixa a cabeça com vergonha e agradece, mas nunca ao longo dos mais de cinco anos como sem abrigo alguém o cumprimento ou lhe perguntou se tinha fome.
– Não, ainda não. O Natal não é para todos.
-Tem toda a razão, na verdade devia ser mas não é, o mundo é materialista, as pessoas apenas se preocupam com elas mesmas, não olham em seu redor, não pensam em quem sofre. Como se chama?
– Chamo-me Pedro?
– É verdade meu jovem, o Natal já não é como á muitos anos, a palavra amor já nada significa.
– O senhor tem Família?
– Sim três filhos.
– E porque vive na rua?
– Tenho vergonha, fi-los passar muita vergonha, são formados, apenas o Filipe não terminou a licenciatura, ficou inválido naquele acidente em que a minha mulher morreu.
Filipe tinha agora a certeza com quem estava a falar e com as lágrimas nos olhos, perguntou.
– Posso convidá-lo para a ceia de Natal em minha casa?
– Eu? Um sem abrigo, um maltrapilho?
– O senhor vai tomar banho eu compro roupa e vai comigo
– Já esqueci o dia em que me sentei a uma mesa a jantar, beber um copo de vinho.
– Pois então vai fazê-lo hoje.
Filipe tinha convidado os seus irmãos e sobrinhos para jantar, também era o primeiro aniversário de Pedro o seu afilhado.
Quando chegou, tocou á campainha e abriu a porta onde a algazarra já era imensa as crianças brincando, os mais velhos levantaram-se para cumprimentar o irmão, tinham chegado mais cedo porque Filipe lhes deu uma chave, mas não esperavam o irmão acompanhado, Filipe não resistiu, atirou-se para os braços do sem abrigo.
– Obrigado por teres vindo pai, esta é agora a tua casa, hoje é de novo Natal para todos nós.
Todos estavam incrédulos, abraçaram-se em lágrimas, afinal este seria mais uma vez um Natal em família, mesmo ausente, Luísa também estava presente nos corações de todos.