Por decreto-lei de 9 de fevereiro de 1952, foi criada a freguesia da Afurada, em resultado de um grande movimento popular que exigia a sua independência face à freguesia de Santa Marinha, tanto a nível canónico como civil.
As suas características naturais, bem diversas do resto do concelho de Vila Nova de Gaia e com uma forte ligação ao mar e à pesca, as suas raízes históricas e identidade cultural, os modos de vida tradicionais e a personalidade das suas gentes, o seu sentido de comunidade e o sentimento de pertença à terra, foram alguns dos motivos atendíveis pelos poderes eclesiásticos e políticos da época, para elevar este importante e pitoresco centro piscatório a freguesia, que acabaria por adotar São Pedro como seu padroeiro.
A partir daquele momento, Afurada passou a ser uma terra em constante crescimento, muito particularmente nos tempos que se seguiram à Revolução de Abril de 1974 e à implementação do Poder Local Democrático, eventos que foram determinantes no desenvolvimento e coesão das populações e dos territórios no todo do país.
E apesar da expansão da freguesia a nível do turismo e da sua crescente modernização a nível urbanístico, houve sempre a preocupação de se manter a sua identidade única. Nesse sentido, foram, por exemplo, preservados e melhorados o seu Lavadouro e o Estendal públicos, que são uma das suas marcas mais particulares.
Foram também disponibilizados novos espaços para armazenamento de aprestos de pesca dos homens (e mulheres) que se dedicam à faina do mar. E foi projetado um novo mercado, que vicissitudes várias tardaram a dar corpo, ao mesmo tempo que era erigido um Centro Interpretativo do Património de São Pedro da Afurada, espaço destinado a interpretar, refletir e expor a atividade humana no território.
E tudo isto apesar das dificuldades criadas pela tentação centralizadora do Terreiro do Paço, ao sujeitar as autarquias locais a um conjunto de constrangimentos que lhes ia retirando a autonomia e a eficácia na gestão, restringindo drasticamente a sua capacidade realizadora e de intervenção, num completo desrespeito pela autonomia do Poder Local, desprezando as suas obrigações constitucionais e os interesses próprios de cada população.
No caso particular das freguesias assistiu-se ainda, em 2013, por imposição do XIX Governo da República à agregação de um número significativo de autarquias, através de uma reforma cega, sem qualquer critério ou estudo sério, e sem atender às características e identidades locais.
E entre elas está a freguesia de São Pedro da Afurada, que viria a ser agregada (de novo!) a Santa Marinha. Entretanto, com a composição da Assembleia da República resultante das eleições legislativas de 2015, que viria a gerar o chamado Governo da Geringonça, nasceu a esperança de que seria devolvida às autarquias locais e às respetivas populações a decisão quanto à reorganização administrativa do território nacional, permitindo-se a reposição das juntas de freguesia extintas. E, no caso concreto da Afurada, o presidente da Câmara Municipal de Gaia já havia defendido publicamente alguns meses antes a sua desagregação (ao contrário da vontade antes expressa pelo presidente da junta de freguesia que agregara São Pedro da Afurada – note-se).
Prevaleceu, porém, a vontade do Governo, e do maior partido que o sustentava no Parlamento, que optou por uma “solução” que arrastou esta importante questão para um futuro incerto, com a promessa de uma descentralização de competências que pode condenar à morte a regionalização no nosso país.
Estas incertezas e ambiguidades descredibilizam os políticos e afastam cada vez mais os cidadãos da política, abrindo caminhos propícios ao surgimento de movimentos e partidos populistas que cavalgam sobre o descontentamento das populações. E a maneira mais fácil de combater os populismos passa por uma cada vez maior proximidade entre os poderes de decisão política e os cidadãos, promovendo uma relação mais estreita entre estes e os seus representantes, no quadro de uma verdadeira descentralização.
E isso só se consegue através de uma abordagem política com acento tónico no Poder Local, pensando as regiões como ponto de partida para uma agenda descentralizadora séria e credível, capaz de gerar um maior empenho dos cidadãos no processo político. Com a reorganização do Poder Local, onde se inclua a regionalização e sejam claramente identificados competências e financiamentos, as políticas de proximidade ganham maior expressão, garantido mais desenvolvimento dos territórios e maior coesão social. Isto porque a governação local aos vários níveis, local, concelhio e regional, permite uma maior participação na decisão de políticas mais adequadas aos territórios, o que torna a sua gestão mais eficaz do que a outros níveis da administração.
A nível local, foi dado um passo decisivo (que se espera definitivo, apesar do veto presidencial do Presidente da República) no processo de desagregação de freguesias, que no caso concreto de Gaia consagra a retoma das 24 existentes em 2013, entre as quais São Pedro da Afurada, um dos mais singulares territórios do concelho. Mas de pouco valerá este passo se o próximo presidente da Câmara Municipal não promover o alargamento das competências destes órgãos, por delegação, com uma adequada e justa transferência financeira correspondente. Pode ser que esta medida inspire na classe política o impulso reformador que o país precisa, com o reforço efetivo das competências das juntas e o avanço do processo da regionalização… de forma segura, irreversível e sensata, como precisamos!