“ESTA JUNTA TEM UM LEGADO, QUE NÃO É QUALQUER UM QUE VAI PEGAR”

Há 44 anos no mundo autárquico, Alcino Lopes é o presidente de Junta de Freguesia há mais tempo em exercício, em Vila Nova de Gaia. A pouco mais de dois anos do fim deste que será o seu último mandato à frente dos destinos da União de Freguesias de Gulpilhares e Valadares, o autarca fez, em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, uma retrospetiva sobre a história da sua viagem pela política, o seu percurso e as conquistas alcançadas. Garantindo que anseia ver concluída a reabilitação da sede da Junta de Valadares, em benefício dos colaboradores e da população, o edil assegurou que a autarquia vai continuar a ser empreendedora, tendo em vista a sua própria sustentabilidade. Não escondendo a sua vontade de calçar as pantufas, Alcino Lopes revelou, ainda, que deseja que os destinos das localidades fiquem bem entregues, mostrando-se disponível para ajudar, seja quem for, na prosperidade dos territórios.

 

 

Para quem, eventualmente, não o conhece, quem é o cidadão Alcino Lopes?

Um valor que me dignifica muito é eu ser um indivíduo solidário, amigo das pessoas e ser muito atencioso com os idosos. Não é fácil nós aguentarmos, anos e anos, a prestar atenção às pessoas que nós conhecemos e que gostam imenso de um mimo, de um toque. Eu tenho um vício que aprendi ao longo dos anos de, sempre que encontro pessoas com debilidades físicas e às vezes até de ordem psicológica, juntar as minhas mãos com as mãos dessas pessoas, ou seja, transmitir-lhes, pelo contacto, o meu apoio, tentando acalmá-las e dizer-lhes as coisas tranquilamente, para elas perceberem que nós estamos na mesma onda. Eu acho que este é o grande legado que eu adquiri e que vou deixar, pois sairei tranquilo nessa matéria. Na parte humana, eu acho que não tenho muito a aprender, eu passava para um patamar ainda superior, porque às vezes sinto-me tão esgotado, de tantas coisas que me pedem e eu tento sempre resolver e, em algumas ocasiões, fico mal. Portanto, a questão da humanidade, para mim, é a mais importante, porque temos de estar ligados à maioria dos fregueses.

 

Como descreve o seu percurso, até chegar à presidência da Junta de Freguesia de Gulpilhares?

São cerca de 44 anos na vida autárquica, dos quais seis como secretário e como tesoureiro, embora no primeiro mandato eu não quisesse, sequer, figurar na lista, pois na ocasião foram a minha casa e eu aceitei, mas pedi para me colocarem em último, mas quando chegou ao momento de reunirem as pessoas, para formarem o executivo, passaram-me para segundo lugar, quando nem me conheciam muito bem, porque eu não fazia parte do Partido Socialista, nem tinha grande tendência de partidos, embora me identificasse mais com outro partido, mas era o partido onde eventualmente eu poderia estar mais tranquilo. A partir daí, foi sempre a ir a eleições e a ganhar. Farei 38 anos que exerço as funções de presidente de Junta e mais seis como secretário e tesoureiro. Desde que eu cá estou, eu encaro isto com um grau de exigência muito elevado. Eu às vezes costumo dizer que tomara todas as Juntas do nosso concelho e do país tivessem a organização, baseada no rigor, que nós temos, porque ninguém tem o direito de fazer algo aqui, que não seja rigoroso, o que não quer dizer que uma vez ou outra não aconteça uma falha, porque não somos profissionais, nem temos técnicos superiores. Eu digo a muitas pessoas o seguinte: a Junta de Gulpilhares não será a melhor, mas das melhores de Vila Nova de Gaia e, porque não, do país. Eu deito o olho clínico a tudo, o que é muito bom para as minhas colaboradoras, porque sabem que se falharem, eu descubro e elas estão tranquilas. Aqui fazemos a contabilidade ao dia. A Freguesia de Gulpilhares, em certas coisas, é única.

 

Há mais de nove anos, abraçou a liderança dos destinos da União de Freguesias de Gulpilhares e Valadares. O que mudou?

Eu nasci em Gulpilhares, mas também agora há muita gente que gosta de mim em Valadares e outros tantos que não gostam, porque não queriam que fosse alguém de Gulpilhares para a Junta, mas ainda bem que foi, porque eu acho que tiro meças com qualquer um que lá tenha estado e facilmente eu conquistei uma grande parte da comunidade. Eu nunca fui maltratado, um ou dois mandaram um tirozinhos de pólvora seca, mas quando falam de assuntos relacionados com investimento, que não são da nossa responsabilidade. Nós só gastamos nas duas freguesias 588 mil euros em despesas correntes, em 2022, e Valadares, olhando para o passado, no ano de 2006, gastou 415 mil euros em despesas correntes. O que quer dizer que, quase 17 anos depois, nós só gastamos pouco mais de 100 mil euros, adicionando o que viria de Valadares, quando para termos o equilíbrio, teríamos de gastar 800 mil euros, mas não e isto como é que se consegue? Com rigor, não é a brincar. Como é que é possível, Valadares, que pouco fazia ou nada, gastar em 2006, 415 mil euros? E quando eu tomei conta dos dois territórios, as despesas correntes baixaram de uma forma exponencial e só assim é que eu sou capaz de fazer investimento, porque se nós gastarmos o dinheiro todo em despesas correntes, o investimento não acontece. Isto quer dizer que se Valadares não se tivesse emancipado, se calhar, passados 20 anos gastaria 500 mil e, sob a nossa gestão, a União de Freguesias gastou menos de 300 mil euros para cada Junta. Eu faço tudo o que está ao meu alcance, em prol destes dois territórios e, no final, estou tranquilo. Portanto, a nossa função de autarca é fantástica, nós fazemos de tudo.

 

Enquanto presidente de Junta, qual foi o momento mais importante para si?

Não consigo especificar. Nós fomos sempre, aqui em Gulpilhares, empreendedores. Vou dar-lhe um exemplo. Quantas freguesias em Gaia têm um auditório? O único auditório, em Gaia, feito com dinheiro da Junta foi o de Gulpilhares, mais nenhum. A Câmara, de então, apenas nos ofereceu as cadeiras. Todos os outros foram feitos com o financiamento do município. A única Junta que tem uma rua, onde estão localizadas e instaladas as sedes das coletividades e não pagam um cêntimo, é Gulpilhares, foi um investimento feito por nós e deve ser um caso único no país, possivelmente. Um dos maiores complexos desportivos, senão o maior, excetuado o Jorge Sampaio, é o Estádio de Gulpilhares, que foi feito pela Junta, em terreno da Câmara. O município só muito mais tarde é que colocou relva sintética. Posteriormente, construímos um pavilhão, em metade foi pago pela Junta e a outra metade pela autarquia. Qual é a Junta que compraria um terreno de 89 mil contos para instalar o Piaget, uma Escola Superior de Saúde? Gulpilhares fez isso. A Unidade de Saúde, que nós temos, foi o primeiro trabalho que eu fiz, quando cheguei aqui, com 29 anos, e ainda não era presidente. Desenhei o edifício, que está aqui ao lado, e edificamo-lo. Só que, agora, é pequeno e exíguo para as necessidades. Na altura servia e hoje também serve, tem três gabinetes médicos, três gabinetes de enfermagem, mas a comunidade vai crescendo e anda muita gente dispersa por aí. Então, nós compramos um terreno, com cinco mil metros quadrados, para doarmos à Câmara ou ao Governo, para instalarem uma nova Unidade de Saúde. Portanto, a Junta foi capaz de comprar dois terrenos por 250 mil euros, sendo que um deles está disponível para quando a Câmara entender. Quantas Juntas vão comprar um terreno por 250 mil euros para doar à Câmara ou ao Governo? Não conheço nenhuma. Claro que dentro da nossa pequenez, fomos capazes de o fazer. Portanto, nós continuamos a ser empreendedores e se, às vezes, não fazemos mais, é porque o dinheiro não é elástico. É difícil escolher um momento mais importante, são muitos anos, há muitas emoções. Mas, também, tive momentos de muita dificuldade, principalmente quando fizemos o Estádio e o Auditório, pois foram obras de peso.

 

Relativamente à União de Freguesias de Gulpilhares e Valadares, quais são os seus sonhos? O que gostava de ver edificado até ao final do mandato?

Eu estou a ponderar continuar a fazer investimentos para a União de Freguesias, que poderão ser rentabilizados no futuro, porque uma das coisas que uma Junta deve fazer é deixar um legado para a sustentabilidade da própria Junta. Porém, neste momento, eu acho que a fase que nós estamos a atravessar, é muito próxima das eleições e em 18 meses, pois depois o sistema para, não se faz muita coisa. Nós estamos neste momento a fazer a reabilitação da sede da Junta de Valadares e isso é algo que me vai deixar orgulhoso, porque a sede de Valadares era um escândalo. Aquela malta que andou por lá não tinha vergonha de ter um edifício daqueles como estava, uma vez que existiam salas com seis e sete baldes a apanharem a água da chuva que se infiltrava pelo telhado. Há anos. Quando eu lá cheguei, as janelas estavam todas podres e a água entrava lá como se não tivesse janelas. Tive de colocar logo janelas novas. E aquela malta que lá esteve, o que é que fez? Quando o edifício ficar pronto, a parte de dentro ficará espetacular. Eu acho que alguns até devem ter vergonha e sentirem-se incomodados quando lá entrarem. Se eu quiser sair da Junta hoje, acho que muita coisa parava, nomeadamente a obra em Valadares, pois poucos colegas meus têm a capacidade para liderar estas coisas, cada um tem o seu ramo, o seu rumo. Às vezes apetece-me ir embora e pode acontecer isso a qualquer momento, porque estou cansado, mas eu não posso sair sem ver concluída a obra em Valadares. Como já mencionei anteriormente, eu ando muito desgastado, estou com uma depressão muito grande e tenho momentos de muita fragilidade, que podem estar relacionados com a situação da minha mãe, com a qual tenho muita ligação e proximidade. Enquanto eu puder, eu tenho de aguentar.

 

Com um longo legado e sendo este o seu último mandato, por limitação, nunca se sentiu tentado a não se recandidatar ou a entrar em modo passeio?

Não há muito a dizer sobre o facto de eu ter ficado. É aquele momento em que toda a gente vem para cima de nós e nos pedem: “não deixes! Tu és preciso!”, e depois vamos cedendo, embora eu ache que fiz mal em não ter saído há 12 ou há 16 anos, porque estou muito desgastado. Às vezes, um problema simples que me colocam, quando eu não resolver fico angustiado e se não conseguir ainda pior. Posso dizer-lhe que, hoje em dia, e é algo que já se sente há algum tempo, nós temos menos espaço na relação municipal com a Juntas de Freguesia, para nós ajudarmos as nossas comunidades a resolverem problemas de lana-caprina. Por vezes, surgem questões simples, mas que se as pessoas apresentarem aos técnicos municipais, transformam aquilo num problema transcendente e a pessoa anda ali a marinar anos. Uma das coisas que me está a custar engolir é nós termos deixado de poder ir junto dos técnicos, pedindo-lhes cooperação para nós ajudarmos as pessoas a resolverem problemas que não prestam para nada. Esse espaço já existiu, mas ao longo dos tempos foi-se fechando e eu acho que é péssimo, desagrada-me muito, porque nós estamos aqui para ajudar e quem fica a perder é a comunidade. Eu acho que as portas de determinados gabinetes deviam estar abertas, de longe a longe, com a possibilidade de dialogarmos. Eu nunca entraria em modo passeio, porque eu não sou nada vaidoso, sou um indivíduo muito simples, falo com toda a gente. Eu não vim para aqui para ser um indivíduo vaidoso, eu fico indignado, nem gosto. Eu sei que há indivíduos que andam aí a pavonear-se, mas o que eles fazem é muito pouco.

 

Calçando as pantufas, quem imagina à frente dos destinos deste território?

Existem várias pessoas. O meu objetivo era libertar-me há cerca de 16 anos e instiguei o Eduardo, que está comigo desde os seus 20 anos, nem que eu ficasse a ajudá-lo, de alguma forma, assim, libertava-me do peso que eu tenho no dia a dia. Agora, eu tenho, aqui, um compromisso que é permanente, pois não tenho vida própria e eu não sou presidente de Junta a tempo inteiro, nem a meio tempo. Esta Junta tem um legado, que não é qualquer um que vai pegar. Existem pessoas lá fora de certeza com muito valor e outros que acham que têm valor e não têm nenhum. O meu objetivo é deixar, para quem vier a seguir, dinheiro para poderem viver uns tempos com tranquilidade e é meritório que se faça isso.

 

Quais são as suas ânsias para o futuro, após o final deste mandato?

Espero ter saúde, descansar e passear mais. Eu gosto muito de almoçar fora, possivelmente será uma das coisas que vou fazer muitas vezes e vou desfrutar. Quando sair será para curtir. Também estarei disponível para aconselhar, se for solicitado, o meu sucessor, seja quem for, de modo a ajudá-lo a levar a Junta a bom porto. É um dever explicar, durante algum tempo, como é que a máquina funciona, porque temos de ser rigorosos. Eu acho que a população de Gulpilhares sabe que eu sempre fiz o melhor e que se tivesse outras condições ainda faria mais e acredito que, também em Valadares, deixarei um legado, pois a comunidade entenderá que, em pouco tempo, fiz algumas coisas que outros não fizeram.