“GAIA NÃO TEM UMA PROGRAMAÇÃO ESTRUTURADA E CONSTANTE”

Inês Cardoso iniciou-se como atriz com apenas 13 anos de idade, concluiu a licenciatura em Teatro (Interpretação e Encenação) na Escola Superior Artística do Porto e é mestre em Arquitetura pela mesma escola. Participou em ações de formação com alguns dos maiores nomes do teatro português, como José Raposo ou Eunice Muñoz. Prestou colaboração na produção audiovisual, como atriz, em filmes de realizadores como Rui Pedro Sousa, Marco Miranda, Gustavo Santos ou Pedro Baranita e na série televisiva “O Alto”.

Nos palcos de teatro, representou alguns dos mais importantes textos de Sófocles, Gil Vicente, Molière, entre muitos outros. Deu ainda corpo e voz aos poetas lusos José Carlos Ary dos Santos, Bocage, Florbela Espanca e Fernando Pessoa, no projeto de poesia da estrutura Vocare, colabora regularmente com a ETCetera Teatro e é cofundadora da associação Primeira Pedra, produtora teatral gaiense com sede na vila de Avintes. É ela a nossa convidada de hoje nesta reflexão sobre o teatro profissional em Vila Nova de Gaia.

 

 

Que papel deve ter o teatro profissional no processo de desenvolvimento e democratização da atividade cultural e artística no concelho de Gaia?

Eu, pessoalmente, não vivo em Gaia mas 90% do meu trabalho é na cidade, por isso sinto-a como um bocadinho minha também! Não consigo perceber como uma cidade com a densidade populacional de Gaia não tem uma programação cultural estruturada e constante. Creio que aí o teatro, aliado às outras artes, tem um papel fundamental de desenvolvimento da cidade que parece muitas vezes refugiar-se em todas as estruturas do Porto para justificar não ter programação própria. Se as estruturas artísticas profissionais em Gaia pudessem participar de forma ativa na programação de todos os excelentes espaços que existem na cidade tínhamos, a meu ver, um acesso constante e justo às diversas formas de arte!

 

Que percentagem do trabalho que realizas em Gaia é efetivamente apresentado nesta cidade e em que espaços culturais?

É uma percentagem mínima. Devo ressalvar que trabalho de forma assídua em duas companhias da cidade, a Primeira Pedra que fundei juntamente com o Pedro Miguel Dias e o Ricardo Ribeiro, e a ETCetera Teatro onde trabalho há seis anos. Na Primeira Pedra apresentamos [espetáculos] nos Plebeus Avintenses, na Tuna Musical de Santa Marinha e no Armazém 22. A ETCetera trabalha por todo o país, por isso seria também injusto da minha parte dar um valor a essa percentagem. Mas nenhuma das companhias tem programação constante na cidade.

 

A que se deve fundamentalmente essa tua pouca presença nos palcos de Vila Nova de Gaia, quando trabalhas numa companhia gaiense há… seis anos?

Não posso dar a ETCetera como exemplo porque não estou na direção e porque o conceito da companhia é “Teatro para todos”, o que a faz percorrer o país. Mas em relação à Primeira Pedra, temos tido um apoio da Junta de Freguesia de Avintes, onde é a nossa sede, que tem sido crucial, mas o ideal era podermos ter participação ativa na programação de algum dos espaços culturais da cidade.

 

O vosso “Loucos por Amor” esteve apenas quatro dias em cena, no Armazém 22, apesar do seu sucesso. Para quando a sua desejada reposição e por que não em Gaia?

Esperamos repor [o espetáculo] ainda no primeiro semestre deste ano. Se portas em Gaia de abrirem será um prazer para nós!

 

O espetáculo tem escala adequada ao Teatro Eduardo Brazão. Aceitariam um convite para a sua apresentação nesse palco municipal?

Sim, claro que sim.

 

Encontras uma explicação para o facto de o Auditório Municipal de Gaia e o Teatro Eduardo Brazão não terem uma programação regular?

Em relação ao Auditório [Municipal] quero acreditar que o facto de não ter programação frequente se deve a ter sido criado com vários propósitos e que está a servir outros que não a apresentação  de espetáculos, embora tenha estrutura que o permite! Quanto ao [Teatro] Eduardo Brazão, não consigo compreender de todo como é que um município como o de Vila Nova de Gaia não tem uma programação cultural contínua nesse espaço. Há muitos municípios no país que fazem mais com estruturas muito mais frágeis.

 

Será que a escassez da oferta teatral nos espaços municipais reflete apenas o desinteresse do presidente da Câmara de Gaia pelas artes performativas?

O presidente da Câmara Municipal preside a todos os pelouros. [Mas] o primeiro interesse deverá existir diretamente do pelouro da Cultura.

 

Na tua opinião, a que se deve este aparente desinteresse dos autarcas gaienses pelas artes performativas?

Acho que pura e simplesmente se acomodam à proximidade com o Porto e a tudo o que lá acontece. Mas com a densidade populacional do município e com as estruturas que existem, não é admissível a falta de apoio às entidades culturais [de Gaia].

 

E não achas que Gaia devia apostar em modelos de produção alternativos à oferta da cidade do Porto, que priorizem a pesquisa, que misturem géneros, linguagens, estéticas…?

Claro. Gaia é um município independente. Creio que com a dimensão que tem, tem o dever de apostar em diferentes frentes culturais.

 

Mas, na tua opinião, o que falta mesmo para que o teatro profissional em Gaia se constitua como alternativa à crescente oferta cultural da cidade do Porto?

Um maior apoio do município e uma estrutura que o programe culturalmente. Mesmo sendo essa estrutura municipal.

 

Neste momento, em que espetáculos está envolvida enquanto atriz e quais as personagens que interpretas?

Estou na ETCetera Teatro no projeto de apoio ao ensino secundário com “Os Maias – Episódios da vida romântica” [a partir de Eça de Queirós], em que interpreto a Condessa de Gouvarinho, e em “O ano da morte de Ricardo Reis” [a partir de José Saramago], em que interpreto a Lídia. Estou também com os “Loucos por Amor”, de Sam Shepard, que a Primeira Pedra estreou em outubro passado, para público geral, onde interpreto a May. E estou com o “Arco-Íris” e o “Comboio das estações” que são dois espetáculos inseridos num projeto de Teatro e Bebés, e que é o meu “bebé”. É um projeto que impulsionei e que me dá um gosto enorme fazer. É maravilhoso. Entretanto para maio tenho novos espetáculos, mas dos quais ainda não posso revelar muito!

 

Fala-nos um pouco mais sobre o projeto de teatro e bebés. Qual o seu conceito e em que “palcos” é apresentado?

Este projeto é uma iniciação ao teatro onde a quarta parede é quebrada dando lugar a jogos de interação e à participação dos bebés na história através dos sentidos. À descoberta dos sentidos junta -se a iniciação à palavra de maneira a criar um ambiente social de interação com “miúdos e graúdos”. O bebé é parte integrante dos espetáculos e não se limita a ser espetador, e nesse sentido, este projeto mais do que para eles é com eles. Tanto eu como a Kátia Guedes, a atriz que me acompanha nesta aventura, temos alguns anos de experiência com os mais pequenotes e lançamos este projeto com o objetivo de criar públicos desde muito pequeninos. Embora seja um projeto que pode ser inserido em contexto de escola ou até para comemorações de datas especiais, é nosso principal objetivo que, acima de tudo, através do teatro para bebés, os pais e familiares tenham uma maior consciência da importância do teatro na construção emocional e cognitiva do ser humano. Por isso temos algumas salas como parceiras muito importantes. Dou o exemplo da NAPALM uma companhia de teatro [com sede no Porto] que nos abriu as portas para a estreia do nosso “Arco-Íris” e de seguida estreámos no Cineteatro de Estarreja “O Comboio das Estações” [apresentado posteriormente na NAPALM]. Muitas mais salas vão estar em parceria connosco este ano mas para já não posso revelar!

 

Qual o teu maior sonho enquanto atriz?

A questão de ter algum grande sonho como atriz é, para mim, muito relativa. Não tenho um grande sonho. Há atores, encenadores e realizadores com quem adorava trabalhar. Há textos que quero mesmo explorar, mas ser atriz basta-me. Vou aproveitando algumas oportunidades que a vida me dá. Dou o exemplo da Primeira Pedra. Nunca pensei em fundar uma companhia de teatro, surgiu e aproveitei. Agora tenho a certeza que se me dissessem que algum dia ía acontecer, iria ser com o Pedro [Miguel Dias] e com o Ricardo [Ribeiro]. Sabia que, se esse “sonho” se concretizasse só podia ser partilhado com eles.

 

E onde fica a arquitetura nesta fase da tua vida?

A arquitetura, em bruto, não tem espaço na minha vida. Agora é impossível não absorver e explorar todas as referências que a formação em arquitetura me dá, mesmo para a construção de espetáculos. Mas a formação e o trabalho em teatro sobrepõe-se! Embora continue a amar a arquitetura com todo o meu coração.